Acórdão nº 12/09.9TBCMN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelAUGUSTO CARVALHO
Data da Resolução06 de Janeiro de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra G – Seguros., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 5.966,40, acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a data da citação, até integral pagamento.

A fundamentar aquele pedido, alega que é dona da casa de habitação composta de cave, rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, sita no lugar de F..., lote nº 5, freguesia de V..., concelho de Caminha.

No dia 12 de Fevereiro de 2007, pelas 21horas, devido ao frio que se fazia sentir, a autora decidiu acender a lareira existente na sala de estar da referida habitação, como já vinha habitual em época de Inverno e de frio. Quando a lareira se encontrava acesa, há cerca de meia hora, ouviu-se um barulho muito forte provindo da lareira, tendo, de seguida, a sala de estar sido invadida por uma nuvem de fumo e de cinzas proveniente da mesma. A autora constatou que o tubo que liga a lareira à chaminé havia rebentado, causando danos, quer na sala de estar, como ainda na casa de banho, sita no primeiro andar, local para onde passa o referido tubo.

Em consequência do rebentamento, a parede da sala apresenta graves fissuras, bem como manchas negras, e na casa de banho do primeiro andar vários azulejos estalaram.

Para reparar a lareira em causa e repor os locais afectados, a autora terá que proceder às obras que constam do orçamento junto aos autos, reparação que orça em € 4.972,00, a que acresce o IVA, à taxa legal de 20%, num total de € 5.966,40. Aquando da aquisição da casa de habitação em apreço, a autora subscreveu um seguro denominado Multiriscos Lar, que garante a restauração estética de elementos de edifícios e efeitos secundários, no qual se inclui os danos causados aos bens seguros pelo fumo subsequente de fugas súbitas, imprevistas ou anormais que se produzem em sistemas de aquecimento, sempre que estes façam parte das instalações do imóvel e se encontrem ligados a chaminés por condutas adequadas, contrato de seguro esse titulado pela apólice nº 1076.10149.

A ré contestou, alegando que a quebra do tubo de extracção de gases ocorreu em consequência do calor produzido na lareira e conduzido pelo tubo em fibrocimento que é um material impróprio enquanto equipamento para as lareiras, por se desgastar facilmente quando exposto a altas temperaturas. Mais, alegou que o sinistro ocorrido na habitação segura, encontra-se excluído do âmbito de cobertura do contrato de seguro.

A autora respondeu à contestação, pugnando pela responsabilidade civil da ré, mais alegando que não teve conhecimento das condições gerais e especiais da apólice de seguro, uma vez que a aquela nunca lhe forneceu uma cópia de tais condições e também não lhe prestou quaisquer esclarecimentos, devendo as cláusulas de exclusão de responsabilidade serem consideradas excluídas do contrato em causa.

Ainda em articulado apresentado nos termos do disposto no artigo 3º, nº 3, do CPC, veio a ré, para além do mais, invocar o abuso do direito por parte dos autores, quando alegam a falta de comunicação das condições gerais do seguro.

Procedeu-se a julgamento e, a final, foi proferida sentença, na qual a acção foi julgada totalmente improcedente.

Inconformada, a autora recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões: 1.A Mmª Juíza a quo entendeu que, uma vez que as condições gerais do contrato não foram comunicadas, todas elas devem ser excluídas do contrato e não excluir-se apenas aquelas cujas exclusão pretende o interessado, gerando, assim, a nulidade do contrato, nos termos do disposto no artigo 9º, nº 2, do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, o que declarou, pese embora como a mesma reconhece, não ter sido peticionada.

  1. O artigo 3º, nº 3, surgiu com a reforma introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, e tinha a seguinte redacção: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de, agindo com a diligência devida, sobre elas se pronunciarem”.

  2. Consagra-se nesta norma o princípio do contraditório, designadamente, através da proibição da decisão surpresa, isto é, da decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.

  3. Por sua vez, o artigo 664º do C.P.C. consagra o princípio do conhecimento oficioso do direito: o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

  4. A articulação deste princípio com a regra da proibição das decisões surpresa contida no nº 3 do artigo 3º significa que, antes de proferir a decisão, deve o julgador facultar às partes o exercício do contraditório, quando a qualificação jurídica a adoptar ou a subsunção a determinado instituto não correspondam, de todo, àquilo com que estas, pelas posições assumidas no processo, possam contar. Nesse sentido, Acórdão do STJ, de 11.3.2010.

  5. Com efeito, o tribunal a quo, ao exarar a sentença, veio a concluir por uma solução jurídica que as partes não tinham peticionado, não tinham previsto, nem obrigação de prever, sendo uma nulidade processual constante do artigo 201º, nº 1, do C.P.C.

  6. Deste modo, o conhecimento da nulidade do contrato de seguro ora em causa, da forma como foi realizado, sem conhecimento prévio das partes, constitui uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório, devendo a sentença ser anulada, com todas as consequências legais.

  7. A Mmª Juza a quo não deu como provado estarmos perante uma explosão, sendo que esta tem a seguinte definição: “acção súbita e violenta de pressão ou depressão de gás ou de vapor”, matéria constante dos artigos 35º e 36º da resposta.

  8. Perguntado à testemunha A, cujo depoimento se encontra gravado em CD, na qualidade de legal representante de D., empresa que procedeu à construção da 2ª fase do empreendimento onde se situa a casa dos recorrentes, qual era a sua explicação para o ocorrido, este explica: “pode ser uma acumulação de gases no interior do tubo da chaminé, às vezes pode acontecer isso, por razões”.

  9. Perguntado pela origem dos danos provocados, este responde: “Eu parece-me ou houve uma acumulação de gases no interior da chaminé, pronto, quando a gente acende uma chaminé e põe lenha a arder, a lenha, não é, digamos, o gás que liberta o calor da combustão é que provoca a chama. E, portanto, essa combustão ao ser dada pode ter libertado gases que não tenham sido libertados na altura, a maior parte sai pela chaminé, e que se tenham acumulado por alguma razão, assim, uma teia de aranha que tenha aparecido no topo da chaminé, sei lá, ou outra coisa qualquer e que tenha provocado essa explosão”.

  10. Portanto, do depoimento de tal testemunha, entendemos que a Mmª Juíza a quo deveria ter dado como provado que ocorreu uma explosão e, sendo assim, deveria a recorrida ter sido condenada no pagamento da quantia peticionada, atento o disposto no artigo 5º, nº 1, nº 24 e 25 das Cláusulas Contratuais Gerais.

  11. Não restam dúvidas que a recorrida faltou ao dever de comunicação e de informação do alcance, conteúdo e âmbito da cláusula 5ª das Condições Especiais do ajuizado contrato de seguro.

  12. Ora, o artigo 8º, nº 1, alínea a), do citado DL nº 446/85, prescreve que se consideram excluídas dos contratos as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º do mesmo diploma.

  13. Assim, a consequência imediata da aludida falta de comunicação e de informação é ter-se por excluída a referida cláusula 5ª das Condições Gerais e Especiais do contrato de seguro, mantendo-se o contrato, atento o disposto no artigo 9º, nº 1, do citado DL. Neste sentido, Acórdão do STJ, de 29.4.2010.

  14. Como refere o Prof. Almeida Costa na sua obra anotada sobre o DL nº 445/85, em anotação a este artigo 9º, nº 1, “atento aos valores em apreço e com a finalidade de não prejudicar o aderente às cláusulas contratuais gerais, optou o legislador pela manutenção dos contratos singulares atingidos”.

  15. Isto significa que, embora nenhuma das cláusulas tenha sido comunicadas aos recorrentes, o contrato permanece válido, sob pena de estes serem realmente os únicos prejudicados pela omissão feita pela recorrida, objectivo que o legislador quis claramente excluir.

  16. Deste modo, entendemos que a Mmª Juíza a quo apenas deveria ter excluído a cláusula em causa, mantendo-se o contrato válido e, em consequência, ter sido a recorrida condenada no pagamento da quantia peticionada.

  17. A sentença violou, por errada interpretação, os artigos 3º, nº 3, 664º, 201º e 690º-A do C.P.C., artigos 5º, 8º e 9º do DL 446/85.

A apelada apresentou contra-alegações, concluindo pela confirmação da sentença.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:

  1. Os autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano constituído por casa de habitação, composta de cave, rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, sita no lugar de F..., lote nº 5, freguesia de V..., concelho de Caminha, a confrontar do norte com lote nº 4, do sul com lote nº 6, do nascente com lote comum e do poente com estrada, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1... e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 7...º, com o valor tributável de 60.000,00 €, prédio esse adquirido pelos autores, por compra à sociedade “V, Lda.” (documento nº 1 junto com a petição inicial).

  2. A sala de estar da referida habitação possui uma lareira (facto assente por acordo das partes).

  3. No dia 12 de Fevereiro de 2007, pelas 21h00, devido ao frio que se fazia sentir, a autora decidiu acender a lareira em causa para aquecer a sua casa, como já vinha...

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