Acórdão nº 45/06.7TBVLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução25 de Janeiro de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A.. e mulher B.. intentaram contra Centro Social.. a presente acção em que pedem que seja anulada a deliberação tomada na assembleia geral da ré de 28 de Março de 2004, constante da acta n.º 1/2004, na parte que respeita à não aceitação de qualquer pedido futuro de admissão dos autores como associados; seja anulada a deliberação tomada na assembleia geral extraordinária da ré de 17 de Julho de 2005, na parte em que, rejeitando a proposta de admissão dos autores, os não admitiu como seus associados; se substitua essa deliberação pela declaração judicial, proferida por sentença, de que as propostas de admissão dos autores são aceites e os mesmos admitidos como associados efectivos da ré, condenando-se esta a admiti-los, com os inerentes direitos e deveres consagrados na lei e nos Estatutos da Associação; se condene a ré a inscrever imediatamente os autores como seus associados efectivos no respectivo livro de inscrição e a comunicar-lhes a efectivação do registo dessa inscrição; se condene a ré, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento de uma quantia pecuniária não inferior a € 100,00 por cada dia de atraso no registo e comunicação referidos.

Alegaram que desde 1998 enviaram vários requerimentos para admissão como associados da ré, que nunca foram apresentados à aprovação da assembleia geral pelo facto de o autor ter manifestado a sua discordância com a gestão levada a cabo pelos membros da direcção e que, só após decisão judicial que condenou a ré a submeter à aprovação da sua assembleia geral os requerimentos de admissão dos autores, acabaram os autores por saber que, em 28 de Março de 2004 foi deliberado não aceitar qualquer pedido de admissão como associados formulado pelos autores e, tendo os autores entregue novo requerimento nesse sentido, foi deliberado na assembleia realizada em 17 de Julho de 2005, rejeitar a proposta de admissão de sócios apresentada pelos autores. Os autores preenchem todos os requisitos de admissibilidade exigidos pelo Estatuto da ré, pelo que não existem razões de facto ou de direito para lhes recusar a condição de associados.

Contestou a ré alegando que a não admissão dos autores como associados encontra-se fundamentada e foi tomada pelo órgão competente, sendo que a escolha e selecção dos seus associados é um dos pressupostos básicos à prossecução do fim da ré.

Elaborou-se despacho saneador e definiu-se a matéria de facto assente e a base instrutória.

Teve lugar o julgamento e, após, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu o réu dos pedidos formulados pelos autores.

Discordando da decisão, dela interpuseram recurso os autores, que foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso, formularam os autores as seguintes Conclusões: 1. O ponto 13) da decisão da matéria de facto teve por objecto a resposta aos quesitos 16.º e 17.º da base instrutória.

  1. O Tribunal recorrido pronunciou-se sobre esses pontos da matéria de facto nos seguintes termos:“Provado apenas o que consta das alíneas A) a D) da matéria assente. - Quesitos 16.º e 17.º”.

  2. Essa decisão foi proferida na sequência de resposta à matéria de facto em que o Tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão: “Quesitos 16.º e 17.º; Provado apenas o que consta das alíneas A) a D) da matéria assente”.

  3. Os Recorrentes não se conformam com a decisão destes concretos pontos da decisão matéria de facto uma vez que, como se procurará expor, a prova produzida foi bastante para que eles fossem levados ao leque dos factos provados – concretamente, os depoimentos de João.., Diamantino.., Mário.. e Joaquim...

  4. Ainda que se entenda que os factos constantes dos quesitos supra-citados poderão ter natureza eminentemente conclusiva, isso não impedia o Tribunal recorrido de dar como provados os seguintes factos – socorrendo-se, sendo caso disso, do n.º 2 do art. 264.º do Cód. Proc. Civil: “Os Autores têm manifestado disponibilidade para participar activamente na promoção cultural e social da freguesia – uma das finalidades da Ré.” “Os Autores têm manifestado disponibilidade para pagar a jóia devida pela inscrição como associados da Ré.” 6. Esses factos não só foram alegados pelos Autores como foram devidamente comprovados na audiência de discussão e julgamento – sendo certo que não foram objecto de qualquer contraprova.

  5. Deve, pois, nesta parte, julgar-se o presente recurso procedente e, em consequência, alterar-se a decisão recorrida, de modo a que, na decisão da matéria de facto, se dê como provada a matéria dos quesitos 16.º e 17.º da base instrutória.

  6. Ou, em alternativa, de modo a que se dêem como provados os seguintes factos: “Os Autores têm manifestado disponibilidade para participar activamente na promoção cultural e social da freguesia – uma das finalidades da Ré.” “Os Autores têm manifestado disponibilidade para pagar a jóia devida pela inscrição como associados da Ré.” 9. Na douta decisão recorrida afirma-se que, previamente a qualquer outra, releva a questão da legitimidade substantiva dos Autores, enquanto não sócios da Ré, para impugnarem deliberações tomadas em assembleia-geral daquela.

  7. Não se põe em causa a conclusão constante da decisão recorrida no sentido de que, em regra, a impugnação de deliberações sociais emanadas por órgãos de instituições particulares de solidariedade social só pode ser apresentada pelos respectivos associados – e, dentre estes, apenas pelos que têm direito de voto.

  8. A censurabilidade de decisão recorrida não resulta, pois, dessa conclusão, mas da interpretação excessivamente literal que foi dada à norma do art. 178.º, n.º 1 do Cód. Civil.

  9. O intérprete não pode ignorar que haverá certos casos em que as deliberações de órgãos dessas instituições serão susceptíveis de interagir com a esfera jurídica de intervenientes que não assumem a natureza de associados. Por outras palavras, casos há em que essas deliberações produzem efeitos na esfera jurídica de terceiros – seja beneficiando-os seja prejudicando-os.

  10. Nesse tipo de casos – maxime, naqueles em que é causado um prejuízo directo a terceiros -, salvo o devido respeito, é de todo despropositado que se denegue o direito de acção a quem foi efectivamente prejudicado por uma deliberação associativa, com o argumento [eminentemente] formal de que não reveste a natureza de associado.

  11. Para ter legitimidade substantiva não seria necessário que os Autores fossem associados da Ré – de resto, é essa a pretensão que eles pretendem fazer valer nesta acção; bastaria, tão-só, que tivessem sido prejudicados pelas deliberações em análise ou que, por outras palavras, essas deliberações produzissem efeitos jurídicos nas suas esferas jurídicas.

  12. A interpretação da norma do n.º 1 do art. 178.º do Cód. Civil constante da decisão recorrida sempre seria inconstitucional, por violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º, n.º 1 do Cód. Civil), na parte em que estabelece que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada com fundamento em meios económicos.” 16. Debruçando-nos sobre o caso concreto, constatamos que a assembleia-geral tomou as inéditas e nunca vistas deliberações de não aceitar qualquer pedido futuro de admissão dos Autores como seus associados, bem como de rejeitar as propostas deles de admissão como seus associados.

  13. Essas deliberações repercutiram-se directamente na esfera jurídica dos Autores, pelas razões supra-expostas.

  14. Mais: pronunciaram-se sobre uma pretensão dirigida àquele órgão pelos Autores!...

  15. Aqui chegados é forçoso concluir que, na medida em que se repercutiram directa e imediata na esfera jurídica dos Autores e que se pronunciaram sobre uma pretensão deles, essas deliberações podiam ser impugnadas por eles.

  16. Não pode deixar de se levar em conta, além do mais, que esta acção mais não é do que uma consequência da sentença proferida no âmbito do proc. n.º 269/2001, que correu termos no Tribunal recorrido (doc. n.º 1, junto com a p.i.) – como resulta, de resto, da decisão recorrida.

  17. O que impõe que, ao contrário do afirmado na decisão recorrida, eles gozem de legitimidade substantiva para formularem, como formularam, os pedidos constantes da petição inicial.

  18. Aquilo que está verdadeiramente em discussão nesta acção é a questão de saber se a assembleia-geral, enquanto órgão dotado de competência residual (competência para “deliberar sobre todas as matérias não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias dos outros órgãos” – art. 27.º dos Estatutos da Ré), tem o poder de rejeitar a admissão como associados de cidadãos que preenchem os requisitos exigidos pelos Estatutos ou se, pelo contrário, uma deliberação dessa natureza, por violar os estatutos, é ilegal e, por isso, anulável.

  19. Como facilmente se depreende, os Autores não se podem conformar com semelhante entendimento.

  20. Por várias razões e, desde logo, porque as tão proclamadas auto-gestão e auto-organização são corolários lógicos de uma independência deste tipo de instituições face ao Estado, o que significa que é este último, e não as pessoas singulares, o destinatário desta restrição na vida interna...

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