Acórdão nº 76/09.5TBMLG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO António … e mulher Julieta … intentaram a presente acção declarativa, com processo sumário, contra Manuel …, pedindo que se declare que: a) os autores são os donos e legítimos possuidores do prédio rústico que identificam no art. 1º- a) da p.i.; b) os autores são os donos e legítimos possuidores das águas de que se fala nos arts. 29º e 30º do mesmo articulado, nos dias e horas mencionadas no art. 31º, durante todo o ano e em todos os anos; c) o prédio rústico do réu referido identificado no art. 1º-b) da p.i. está onerado em proveito do prédio rústico dos autores com o direito de servidão de aqueduto.

E que o réu seja condenado a: d) reconhecer esses direitos; e) desobstruir o rego de que se fala no art. 38º da p.i., dele retirando as pedras e terra que nele depositou, no prazo máximo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da sentença a proferir; f) abster-se de, no futuro, praticar qualquer acto lesivo dos mencionados direitos de propriedade e servidão; g) pagar aos autores a indemnização que venha a ser liquidada em execução de sentença.

Como fundamento de tais pretensões, alegaram, em síntese, que são os donos e possuidores do prédio rústico identificado no art. 1º-a) da p.i. e o réu o dono e possuidor do prédio rústico a que se alude no art. 1º-b) da p.i., ambos situados na freguesia de Roussas, no lugar de Bilhões, onde também há um outro prédio rústico denominado “Leira da Canle”, de que é titular a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Maria …, no qual existe uma abertura em forma de mina que se prolonga subterraneamente pelo interior desse mesmo prédio, em cuja parte inferior está assente uma pedra rectangular onde se encontra cravada uma caleira, em frente da qual existe uma poça, de onde parte um rego a céu aberto, seguido de aqueduto subterrâneo, que, por sua vez, é seguido de rego a céu aberto, novamente seguido de aqueduto subterrâneo, de novo seguindo a céu aberto até alcançar o prédio dos autores, depois de atravessar o prédio do réu, sendo que as obras de construção das referidas abertura, caleira, poça, regos e aquedutos foram levadas a cabo há mais de 100 anos pelos antigos donos do prédio dos autores, bem como dos demais prédios que são irrigados com tais águas.

A essa poça acodem águas subterrâneas provindas do prédio de que é titular a dita herança indivisa, captadas por via das mencionadas abertura e caleira, e é com essas águas, divididas em períodos de tempo, ao longo de todo o ano, que são irrigados diversos prédios rústicos, entre os quais o prédio dos autores, o qual é irrigado aos sábados, desde o pôr-do-sol até às 12 horas de domingo, durante todo o ano, e em todos os anos, o que sucede há mais de 20 e 30 anos, para a sua produção agrícola, à vista de toda a gente, sendo que no dia 4 de Novembro de 2007, num daqueles domingos, o réu desviou as águas em causa do rego que corre a céu aberto pelo seu prédio e, no dia 10 de Novembro de 2007, num dos referidos sábados, obstruiu o dito rego, nele colocando pedras e terra, impedindo que as águas atingissem o prédio dos autores, o que privou os mesmos de utilizarem tais águas, o que lhes causou prejuízos.

O réu contestou, contrapondo que o seu prédio não está onerado com qualquer servidão de aqueduto em proveito do prédio dos autores, tendo estes apenas o direito de utilizarem as águas em questão, provenientes da denominada Poça da Fonte do Tojo, na época de rega das sete semanas, que decorre desde o dia 18 de Julho até ao dia 8 de Setembro, de cada ano, desde o pôr-do-sol de sábado até às 12 horas de domingo, de cada uma dessas semanas.

Os autores foram convidados a completar a petição inicial quanto à matéria dos danos invocados, o que foi por eles aceite mediante a apresentação de novo articulado, a que respondeu o réu.

Foi então proferido despacho saneador tabelar, com subsequente enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória, com reclamação dos autores julgada procedente.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, em cujo início, por acordo das partes, foi aditada uma nova alínea [al. D)] à “Matéria Assente”, alterando-se o pedido formulado em 1.3 supra, por forma a que aí se fizesse referência ao prédio mencionado na nova alínea aditada (cfr. fls. 115).

Produzida a prova, a matéria de facto controvertida foi decidida pela forma constante do despacho de fls. 144 a 150, sem reclamação.

Seguidamente, foi proferida sentença na qual se declarou que os autores “são donos e legítimos possuidores do prédio rústico, sito no lugar de Bilhões, freguesia de Roussas, concelho de Melgaço, descrito na Conservatória do Registo Predial de Melgaço sob o n.º 1315 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 4715”, e se julgou o réu parte ilegítima, absolvendo-o da instância.

Inconformados com o assim decidido, os autores interpuseram recurso da sentença, tendo formulado, a rematar a respectiva alegação, as seguintes conclusões: I - pelo alegado supra, em 2.1.a. e 2.1.c., a 2.1.h., e considerando-se ainda o alinhado em 2.1.b., outrossim supra, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, não se verifica, in casu, a excepção de ilegitimidade do réu/apelado, sendo, este, por conseguinte, parte legítima; II - à vista do alegado, também supra, em 2.2.a. a 2.2.e., mesmo considerando-se que o direito dos autores/apelantes, às águas em questão, é um direito de servidão, sempre a acção, atenta a abundante matéria fáctica provada (respostas aos quesitos 7° a 22°, ambos outrossim inclusive), teria, como tem, de ser julgada totalmente procedente, por provada, visto que, isso, nem sequer implicaria alteração/modificação da causa de pedir, mas, tão simplesmente, diversa qualificação jurídica da causa de pedir, o que, o art° 664° do Cód. Proc.Civil, consente; III - atento o vertido, igualmente supra, em 2.3.a. e 2.3.b., e sempre, com a ressalva do respeito devido, não pode dizer-se que o direito dos autores/apelantes sobre as águas em questão, não é o direito de propriedade; IV - a sentença recorrida violou o disposto nos artºs 202°, 2., 203° e 204° da Constituição da República Portuguesa; 1390° do Cód. Civil; e 26°, 28° e 664°, todos do Cód. Proc.Civil.

A final, pedem que seja revogada a sentença recorrida, julgando-se a acção totalmente procedente.

O réu não apresentou contra-alegações.

II - ÂMBITO DO RECURSO Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do CPC), e que não foi objecto de impugnação a matéria de facto dada como provada na 1ª instância, as questões que somos convocados a resolver consistem em saber se: - o réu é parte ilegítima, como se decidiu na sentença recorrida; - os autores são proprietários das águas que utilizam no seu prédio; - o prédio do réu está onerado com uma servidão de aqueduto em proveito do prédio dos autores; - o réu deve réu indemnizar os Autores por ter desviado as águas para o seu prédio.

III - FUNDAMENTAÇÃO A) - OS FACTOS Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Melgaço sob o n.º 1315, a favor dos Autores, o prédio rústico, denominado Morais, sito no lugar de Bilhões, freguesia de Roussas, concelho de Melgaço, de cultivo e vinha em ramada, a confrontar do norte com M …, do sul com caminho público, do nascente com M … e do poente com M …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 4715 [alínea A) da Matéria Assente].

  1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Melgaço sob o n.º 1316, a favor do Réu, o prédio rústico, sito no lugar de Bilhões, freguesia de Roussas, concelho de Melgaço, de cultivo e vinha em ramada, a confrontar do norte e sul com herdeiros de Augusta …, do nascente com a estrada municipal e do poente com Manuel …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 512 [alínea B) da Matéria Assente].

  2. O Réu, no dia 4 de Novembro de 2007, um domingo, desviou, do rego a céu aberto referido em 23. para o prédio referido em 2., as águas em causa; e no dia 10 de Novembro de 2007, um sábado, obstruiu o dito rego a céu aberto, nele colocando pedras e terra, que ainda hoje lá se encontram, impedindo, desse modo, com essas suas condutas, que as águas em causa atingissem, e atinjam, o prédio referido em 1. [alínea C) da Matéria Assente].

  3. Encontra-se inscrito na matriz urbana sob o n.º 871, a favor do Réu, o prédio urbano sito no lugar de Bilhões, freguesia de Roussas, composto de casa de morada, de rés-do-chão e 1.º andar, com rossios, a confrontar de norte com Perfeita …, de sul com Manuel …, de nascente com caminho público e de poente com o proprietário [alínea D) da Matéria Assente].

  4. Há mais de 20 anos que os Autores, de forma contínua e reiterada, ocupam o prédio referido em 1., nomeadamente, agricultando-o e colhendo, fazendo seus, os respectivos frutos e rendimentos [resposta ao artigo 1º da base instrutória].

  5. Actos esses que sempre praticaram à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, com ânimo de, sobre ele, exercerem os poderes correspondentes de um verdadeiro dono [resposta ao artigo 2º da base instrutória].

  6. Antes todos reconhecendo, ao longo de tão dilatado período de tempo, que só eles eram os seus legítimos donos [resposta ao artigo 3º da base instrutória].

  7. No lugar de Bilhões, da freguesia de Roussas, já referido, existe um prédio rústico denominado Leira da Canle, de pastagens e vinha em ramada, que confronta do norte e poente com estrada municipal, do nascente com Júlia … e do sul Manuel … [resposta ao artigo 4º da base instrutória].

  8. Do prédio referido em 8. é titular a herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito de Maria …, residente que foi no aludido lugar de Bilhões [resposta ao artigo 5º da base instrutória].

  9. A estrada municipal que corre a poente do prédio mencionado em 8. foi rasgada há uns 30 anos e ocupou...

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