Acórdão nº 3056/10.4TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelPAULO FERNANDES DA SILVA
Data da Resolução03 de Maio de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: --- I.

RELATÓRIO.

--- Com data de 25.06.2009, o Movimento SOS Racismo apresentou participação à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, dando conta, em síntese, que a Escola EB1 de Lagoa Negra criou uma turma especial composta exclusivamente por alunos de etnia cigana, com aulas leccionadas em local separado daquele onde são leccionadas as aulas às restantes turmas da escola, e pedindo que aquela Comissão emita parecer sobre a aludida participação e promova a instauração do competente processo contra-ordenacional Cf. volume I, fls. 9 a 13. ---. --- Autuada tal participação como processo de contra-ordenação e instruído este pela Inspecção-Geral da Educação, em 28.06.2010, a Exm.ª Sr.ª Alta Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural decidiu arquivar os autos. --- Notificado daquela decisão, o Movimento SOS Racismo veio impugnar judicialmente a mesma, tendo os autos sido remetidos ao Tribunal Judicial de Barcelos, onde foram distribuídos ao 2.º Juízo Criminal, o qual, em decisão de 21.12.2010, decidiu indeferir a constituição como assistente do Movimento SOS Racismo e rejeitar o recurso de impugnação interposto por aquele Movimento relativamente à apontada decisão da Exm.ª Sr.ª Alta Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural Cf. volume II, fls. 286 a 288. ---. --- Do recurso para a Relação.

--- Notificado daquela decisão em 07.01.2011, o Movimento SOS Racismo veio interpor recurso para este Tribunal, em 17.01.2011, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos: (transcrição) --- «1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho de fls... que indeferiu a constituição de assistente do Recorrente nos autos e, simultaneamente, rejeitou o recurso de impugnação, por este interposto, da decisão de arquivamento proferida pelo Alto Comissariado Para a Imigração e Diálogo Intercultural, IP, datada de 28/06/2010.

  1. Atenta a decisão proferida, o Tribunal Recorrido decidiu rejeitar o recurso de impugnação, por falta de legitimidade do Recorrente.

  2. Deste modo, entendeu o Tribunal Recorrido que a figura processual de “assistente” não é admissível, nem tem cabimento no RGCO e que, uma vez proferida decisão administrativa ao abrigo deste RGCO, a mesma apenas seria recorrível por parte do “arguido” ou da pessoa contra a qual fosse dirigida e, tratando-se de decisão final, contanto que fosse condenatória (desde que não se tratasse de sanção de mera admoestação), nos termos do disposto nos art. 55.º, n.° 1 e 59°,n.° 1 e 2 do RCGO.

  3. Porém, tendo em consideração a natureza e objectivos prosseguidos pelo Recorrente, tal decisão é inconstitucional e ilegal.

  4. A decisão proferida não respeita a Directiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de Junho de 2000, publicada no JOCE de 19 de Julho de 2000, em especial, o disposto no seu art. 7º, n.° 2.

  5. O objectivo da Directiva é claro e preciso - os Estados Membros devem conferir às associações e organizações que prossigam os interesses determinados na mesma, legitimidade para intervir em processos judiciais e/ou administrativos em que estejam em causa violações ao princípio da igualdade de tratamento das pessoas, com base em distinções de origem racial ou étnica.

  6. No que respeita à matéria constante do art. 7.º, n.° 2, o Estado Português não transpôs devidamente a Directiva, não tendo criado até à presente data quaisquer instrumentos que reconheçam legitimidade processual e procedimental a associações e organizações com objectivos e fins idênticos ao Recorrente, nomeadamente no âmbito do regime geral das contra-ordenações.

  7. Contudo, em 1996 já havia sido aprovado um regime específico para a constituição como assistente em processo penal, no caso de crimes de índole racista ou xenófoba, por parte das comunidades de imigrantes e demais associações de defesa dos interesses em causa (Lei n.° 20/96, de 6 de Julho).

  8. Atento este quadro normativo, seriam admissíveis duas interpretações: ou o Legislador Nacional entendeu que a matéria constante do art.° 7º, n.° 2 da Directiva 2000/43/CE já tinha sido devidamente integrada no ordenamento jurídico português, por aplicação e interpretação extensiva da Lei n.° 20/96, de 26 de Junho; ou a Directiva, neste particular, não foi transposta para o direito interno.

  9. Contudo, em ambos os casos, o Tribunal Recorrido deveria ter admitido o recurso de impugnação em causa nos presentes autos.

  10. Considerando a primeira hipótese de interpretação, a Lei n.° 20/96 teria plena aplicação no âmbito do processo contra-ordenacional, quer na sua fase administrativa, quer na sua fase de impugnação judicial, atento o disposto no art. 41°, n.° 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações.

  11. Esta seria a interpretação válida do RGCO à luz da Directiva 2000/43/CE, em conformidade com o disposto no art. 8° da CRP.

  12. E deste modo, interpretando o n.° 1 do art. 41° do RGCO e a Lei 20/96 em conformidade com a Directiva 2000/43/CE, ao Recorrente deveria ter sido reconhecida legitimidade para intervir nos presentes autos, como assistente, e admitido o seu recurso.

  13. E a idêntica conclusão se chegaria na segunda hipótese de interpretação acima identificada: mesmo aceitando como certa a interpretação do Tribunal Recorrido, segundo a qual o RGCO não admite a figura processual de “assistente”, o recurso interposto pelo Recorrente deveria ser sempre admitido, face ao disposto no art. 7°, n.° 2 da Directiva 2000/43/CE e em obediência aos art. 8°, n.° 1 e n.° 4 da CRP e art. 288° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

  14. As Directivas são actos juridicamente vinculativos da União Europeia que, essencialmente, impõem aos Estados Membros a realização de certos objectivos, deixando espaço para a escolha dos meios e formas da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT