Acórdão nº 7600/12.4TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

* i). A., residente em Braga, intentou a presente acção, com processo comum, sob a forma ordinária, contra B., residente em Braga, pedindo, a final, que seja o Réu condenado a reconhecer o seu direito de propriedade sobre um prédio, que identifica sobre o art. 2º da petição, e a restituir-lhe esse prédio de cuja posse o privou e que, sem título, vem ocupando contra a sua vontade.

Para justificar a propriedade sobre o prédio em apreço, sustentou o A. que o mesmo se encontra inscrito em seu favor na Conservatória do Registo Predial, sendo certo que o mesmo lhe adveio por doação de C. (sua mãe) e com o consentimento do Réu (seu pai).

* ii). Citado, o Réu contestou, sustentando que o prédio reivindicado adveio à titularidade de C., com quem foi casado e de quem entretanto se divorciou, por doação e foi reconstruído, mobilado e equipado na constância do aludido matrimónio com a mesma e através dos proventos por si auferidos como empresário em nome individual no ramo da construção civil, tudo na expectativa da sua união e de que o prédio seria habitação comum do casal.

Por outro lado, ainda, alegou que, no quadro de dificuldades financeiras que posteriormente atravessou e por virtude das quais veio a ser declarado insolvente e tendo em vista colocar esse imóvel a salvo dos credores, consentiu ele que a sua ex-mulher doasse o dito prédio a favor dos filhos, entre os quais figura o A., no pressuposto de que a situação familiar, de habitação conjunta de todo o agregado familiar se manteria indefinidamente.

Nesta conformidade, sustentou o Réu que o seu dito consentimento à doação decorreu de um «erro sobre o objecto do negócio, isto é quanto à natureza do mesmo e os respectivos efeitos», pois que «jamais admitiu como consequência da doação a possibilidade de ser impedido de habitar o imóvel que ele próprio construiu e pagou» ou que, «em face de uma hipótese de ruptura conjugal, não seria compensado das obras que custeou», sendo certo que «se tivesse prefigurado tais eventualidades, jamais teria prestado o seu consentimento». – arts. 247º e 251º do Código Civil.

Em consequência deste erro e sendo anulável o seu consentimento à doação em apreço, esta última seria ela própria (a doação) anulável, sendo certo que se reporta ela a um bem imóvel e casa de morada de família – cfr. arts. 1682º e 1687º do Cód.Civil -, falecendo, portanto, o título que sustenta o direito de propriedade do A. e o fundamento da presente acção.

De todo o modo, sem prescindir, se, eventualmente, fosse de improceder a aludida anulação da doação, sempre o seu consentimento não consubstanciaria uma renúncia ao direito que lhe assiste de ser compensado pelo custo da reconstrução do edifício, custo este que deverá ser suportado em metade pela aludida C. que se viu enriquecida à custa do seu património – enriquecimento sem causa.

Sustentado em tal factualidade, concluiu o Réu/Reconvinte pela improcedência da presente acção e, em sede de reconvenção, pediu que fosse (a) «anulada a declaração de consentimento do Réu relativa à doação celebrada entre o Autor e os Chamados» e, «em consequência, o próprio negócio, que teve por objecto o prédio identificado nos autos»; «ou, quando assim não se entender», (b) declarar-se que o Réu e a Chamada C. suportaram conjuntamente na proporção de metade cada um o custo das obras, materiais e equipamentos correspondentes à reconstrução do edifício actualmente existente no dito prédio»; (c) declarar-se que assiste ao Réu o direito a ser indemnizado pela Chamada do montante de € 48.091, 00, a título de enriquecimento sem causa; (d) declarar-se que assiste ao Réu, sendo oponível ao Autor, o direito de retenção do referido prédio até ao cumprimento daquela obrigação indemnizatória por parte da Chamada.

* iii). Por forma a garantir a legitimidade passiva quanto à aludida reconvenção deduzida pelo Réu, foi deduzido incidente de intervenção principal provocada, enquanto associados do Autor/Reconvindos, da chamada C., e dos restantes filhos do casal, D., E. e F.

Foi admitido o dito incidente e foram efectuadas as competentes citações, a da chamada F. na pessoa da curadora que para o efeito lhe foi nomeada, atenta a sua menoridade.

* iv). A chamada C. contestou o pedido reconvencional, impugnando a matéria alegada pelo Réu.

Por sua vez, os chamados E. e F. declararam fazer seus os articulados daquela C. e o chamado D. declarou fazer seu o articulado do A..

* v). Realizou-se uma audiência prévia com os fins previstos nas alíneas a)- e b)- do n.º 1 do artigo 591º do CPC, tendo-se revelado inviável a conciliação das partes.

* vi). Posteriormente, foi proferido despacho saneador, em que se julgou verificada a ineptidão do pedido reconvencional e, em consequência, foram o A. e chamados absolvidos da instância, relativamente ao mesmo. Mais, ainda, veio a conhecer-se do mérito da causa, sendo proferida sentença que julgou procedente a acção e condenou o Réu a reconhecer o direito de (com)propriedade do Autor sobre o prédio identificado nos artigos 2º e 3º da petição inicial e o condenou a restituir o mesmo.

* vii). Inconformado com o assim decidido, veio o Réu interpor recurso, no qual deduziu as seguintes conclusões recursivas: 1) A douta Sentença recorrida julgou inepta a reconvenção apresentada pelo ora Apelante, absolvendo da respectiva instância o Autor e os Chamados, pelo que, assentando a defesa do Apelante nos pedidos reconvencionais, a absolvição da instância concedida aos Apelados conduziu à procedência da acção, fundamentada no direito de propriedade de que o Apelado Autor é titular em comum e em partes iguais com os seus irmãos.

2) Contudo, o pedido reconvencional obtem apoio nos factos alegados na contestação-reconvenção, designadamente nos seus artigos 24 a 31 e 40 a 45, ou seja, que em momento de dificuldade e risco patrimonial, a Apelada ex-mulher do Apelante pretendeu doar o prédio identificado nos autos aos filhos do casal, no intuito salvaguardar esse bem relativamente à possibilidade de qualquer responsabilização por dívidas contraídas no exercício da actividade profissional do Apelante, tendo este dado o seu consentimento a tal negócio com a motivação exposta, de proteger a propriedade da esposa e a casa de morada de família, na qual aplicou enorme parte dos seus recursos económicos, e no mesmo pressuposto de que essa situação familiar, de habitação conjunta de todo o agregado, se manteria indefinidamente.

3) A situação descrita, no que concerne à doação consentida pelo Apelante, caracteriza-se como de erro sobre o objecto do negócio, isto é, sobre a natureza do mesmo e os respectivos efeitos, pois jamais admitiu como consequência da doação a possibilidade de ser impedido de habitar o edifício que ele próprio construiu e pagou em conjunto com a proprietária do terreno, nem que, face a uma hipótese de ruptura conjugal, não seria compensado das obras que custeou, uma vez que, caso tivesse prefigurado tais eventualidades, jamais teria prestado o seu consentimento, o qual enferma por isso de erro-vício que afectou a formação da vontade do Apelante, cuja vontade declarada não corresponde à sua vontade real, sendo a declaração negocial anulável ao abrigo do disposto nos artigos 247º e 251º do Código Civil.

4) Diversamente do que se entende na douta Sentença recorrida, o Apelante não alegou nem pretendeu alegar que a Apelada doadora, apesar de ter declarado que doava o imóvel, nunca quis alienar tal bem do seu património, ou que a aceitação dos donatários visou apenas permitir que o prédio transitasse simuladamente para a sua esfera jurídica, nem que, em suma, não houve qualquer correspondência entre as vontades declaradas e expressas na escritura pública e as vontades reais dos intervenientes.

5) Na verdade, o Apelante admite que houve uma intenção real de doar indo de encontro às intenções de receber dos donatários, propugnando que o vício que afectou o seu consentimento decorreu de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real não intencional, causada por uma representação inexacta da natureza e efeitos do negócio, que corrompeu a formação da sua vontade, pelo que, em vista ademais da essencialidade desse erro, tal declaração negocial é anulável.

6) Assim, de forma que reputamos inteiramente coerente com a fundamentação acabada de resumir, o pedido reconvencional visa, a título principal, a anulação do consentimento prestado pelo Apelante, o que acarreta a anulação da doação, por se tratar de um bem imóvel e casa de morada de família, afigurando-se claro que a reconvenção não contém factos susceptíveis de preencherem os requisitos da simulação no art.º 240º, faltando a divergência intencional entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, e o intuito de enganar terceiros.

7) Em consequência, salvo o devido respeito, o enquadramento postulado na douta Sentença recorrida da factualidade alegada pelo Apelante no âmbito da sua pretensão reconvencional é incorrecto, pelo que não poderá manter-se a decisão que declara a ineptidão da reconvenção, não se verificando qualquer contradição ou incoerência entre o pedido e a causa de pedir, nem alguma outra das deficiências enunciadas no art.º 186º, nº 2, do CPC.

8) De...

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