Acórdão nº 4751/20.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO BARROSO CABANELAS
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: AA instaurou a presente ação de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, DD e marido, EE, FF e marido, GG, alegando, em síntese, que é dona e legítima possuidora do prédio identificado no art. 14º da petição inicial, e que a 1ª R. é dona e legítima possuidora do prédio referido no art. 25º, os 2ºs RR. são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no art. 32º e os 3ºs RR. são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no art. 38º do mesmo articulado; que todos os prédios pertenceram a HH e II.

Alega ainda que há mais de 20 anos usa, para fins domésticos e de rega agrícola, a água proveniente do poço existente no prédio dos 2ºs RR. e que é conduzida para um depósito instalado no prédio da 1ª R., sai por um tubo e sai em linha reta até à quina poente/norte do prédio da 1ª R., aí inflete para norte, atravessa um caminho público, no sentido nascente/poente, numa distância aproximada de 13 metros, passa para o prédio dos 3ºs RR., que percorre em toda a sua extensão da extrema sul até chegar ao prédio da A.; a A. repara, limpa e conserva o poço e os tubos que conduzem a água, transita desde o poço até ao seu prédio para inspeção, reparação e acompanhamento da água, sempre com o ânimo de exercer um direito próprio; até agosto de 2020 o prédio da A. era servido apenas por esta água, não dispunha de ligação à rede pública; os 1ºs RR. iniciaram a execução de um aterro no prédio da 1ª R. e cortaram o tubo de transporte de água para o prédio da A., que não repararam, tendo colocado toneladas de terra sobre o mesmo; não tendo sido possível encontrar o tubo e repor a ligação; foi necessário contratar uma máquina retroescavadora para abrir uma vala e colocar novo tubo até à extremidade do prédio da 1ª R., o que conseguiu para o dia 6 de Junho, tendo no entanto sido impedida de entrar no prédio por um carro estacionado no local de acesso ao prédio, tendo a A. pago pela deslocação da máquina a quantia de 455,10 € Alega também que, no dia 11 de Agosto de 2020, iniciou os trabalhos de reposição do tubo, na sequência de providência cautelar decretada no procedimento cautelar n.º 2750/20...., pagando pela execução dos trabalhos a quantia de 3....,65 €; por causa da atuação dos 1ºs RR., a A. e a sua família foram obrigados a tomar banho e lavar roupa na casa de vizinhos e amigos, iam buscar água a uma fonte para cozinhar e usar nas casas de banho, o que lhe causou revolta, sofrimento e angústia, passando noites sem dormir, e sentimentos de vergonha e humilhação; os 2ºs RR. usam água do poço no prédio n.º ...87/..., sem que a ela tenham direito, o que faz com que a água do poço nos meses de verão não chegue ao prédio da A.

Finalmente, sustenta que há mais de 20 anos que o acesso a pé do prédio da A. para os prédios dos 2ºs RR. e para a Rua ... se fazia através de um caminho que partia de uma cancela existente no logradouro do .../..., para atravessar o prédio ...83/..., em mais de 12 metros, até entroncar no caminho público, atualmente, denominado Rua ...; o caminho tinha cerca de 1,50 metros de largura em toda a sua extensão e sempre o seu leito devidamente calcado, trilhado e sulcado pela passagem de pessoas; há cerca de 24 anos HH e II construíram um coberto para guardar um automóvel no prédio ...95/..., alargando o caminho da Rua ... até ao coberto, passando a ter 5 metros de largura; nas escrituras de doação foi declarada a existência dessa passagem; os 2ºs RR. construíram um muro em pedra, com cerca de 15 metros de comprimento e metro e meio de altura, que tapa o local onde antes era o caminho, impedindo a A. de o usar.

Com tais fundamentos conclui pedindo:

  1. Reconhecer que a autora é dona e legítima possuidora das duas frações autónomas que compõe o prédio identificado nos art.ºs 4.º e 5.º supra. B) Reconhecer que a autora, enquanto proprietária do prédio ...95/..., tem o direito de utilizar a água proveniente de um poço, com um metro de diâmetro e seis de profundidade, sito junto à estrema nascente do prédio ...87/..., para fins domésticos e agrícolas; C) Reconhecer que, em favor das frações autónomas do prédio ...95/... e onerando os prédios ...87/..., .../... e ...95/..., encontra-se constituída, por destinação de pai de família, servidão de aqueduto das águas provenientes do poço referido no ponto anterior, servidão com as características descritas nos art.ºs 57.º a 63.º supra; D) Absterem-se de, por qualquer forma, praticar qualquer ato que ofenda, incomode ou perturbe o livre exercício do direito de servidão de aqueduto, permitindo, à autora, o acesso aos prédios onerados para reparar, limpar ou conservarem o poço, os tanques e o tubo da servidão. Devem ainda os 1ºs RR. BB e CC; E) Ser condenados no pagamento, à autora, da quantia de EUR 9.289,75 [nove mil duzentos e oitenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos], correspondendo 4.289,75 [quatro mil duzentos e oitenta e nove euros e setenta cinco cêntimos] a danos patrimoniais e EUR 5.000,00 [cinco mil euros], a danos não patrimoniais. Devem ainda os 2ºs RR. DD e EE; F) Ser condenados a reconhecer que, em benefício da fração autónoma designada pela letra ... do prédio identificado nos art.ºs 4.º e 5.º da petição inicial e onerando os prédios ...83/... e ...34/..., melhor descritos nos art.ºs, respetivamente, 38.º e 32.º da petição inicial, está constituída uma servidão de passagem, por destinação de pai de família, com as características de modo, tempo uso e lugar referidas nos art.ºs 159.º a 157.º do mesmo articulado e, em consequência: 1. A demolirem o muro referido nos art.ºs 174.º a 179.º, no prazo máximo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que ponha termo aos presentes autos, desobstruindo a passagem, pagando, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de EUR 100,00 (cem euros), por cada dia de atraso; 2. Condenar-se os réus a respeitarem o direito à passagem sob tal caminho e a abster-se de impedir o exercício da servidão ou de praticar qualquer ato que possa prejudicar a respetiva utilização, designadamente, nele não estacionando viaturas ou colocando outros objetos que impeçam a requerente de, livremente, circular, pagando, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de EUR 100,00 (cem euros) por cada infração. G) Ser condenados a reconhecer que não têm direito de utilizar, no prédio n.º ...87/..., a água proveniente do poço melhor descrito no art.º 56.º da petição inicial, retirando deste poço e do tanque que se lhe segue todos os tubos e utensílios que vem usando para o efeito.

    Citados de forma válida e regular, contestaram os RR., em tempo, pugnando pela improcedência da ação.

    Os 1ºs R. deduziram reconvenção, que não foi admitida.

    Os 2ºs RR. deduziram reconvenção, sustentando que a servidão de passagem deve ser extinta, por desnecessidade, porquanto o prédio da A. confronta com caminho público, tendo acesso à Rua ...; permitir o exercício da servidão consubstanciaria um abuso de direito; caso se mantenha a servidão, os RR. estão disponíveis para realizar obras com vista à alteração do traçado o caminho, com a abertura e colocação de um portão no limite sul/nascente do prédio ...95.

    Pedem então que se condene a A. a reconhecer que:

    1. Não existe qualquer servidão de passagem em benefício da fração autónoma designada pela letra ... (que já não existe) do prédio identificado nos artigos 4 e 5 da p.i; b) É abusivo e ilegítimo o exercício dos direitos a que se referem as alíneas B, C e D assim como nos números 1 e 2 da alínea F) e da alínea G) do pedido, tal como alegado no anterior artigo 117 do presente articulado; Subsidiariamente, e para a hipótese de se entender que são válidos os atos e legítimo o exercício dos direitos referidos nas alíneas anteriores, deve decidir-se e condenar a autora, a reconhecer que: c) Se extinguiu, por desnecessidade, o exercício do direito de servidão de passagem referido no pedido formulado na alínea F) da petição é ilegítimo e consubstancia um abuso de direito, tal como alegado no anterior artigo 99 do presente articulado. d) Subsidiariamente (e para o caso de improceder o pedido da alínea anterior), que os réus reconvintes têm o direito de mudar a servidão, passando a mesma a ter a configuração referida no anterior artigo 146 do presente articulado. e) Em qualquer caso, deve a autora, ser condenada a abster-se de fazer passagem por qualquer parte do prédio descrito sob o número ...83-... ou por qualquer forma aceder ao mesmo.

    Replicou a A.

    Foi dispensada a realização da audiência prévia, proferiu-se despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

    Realizou-se a audiência final, tendo sido prolatada sentença com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, o Tribunal julga: . a ação parcialmente procedente, e, consequentemente, - reconhece-se que a autora é dona e legítima possuidora do prédio ...95/...; - reconhece-se que em favor do prédio ...95/... e onerando o prédio ...87/..., encontra-se constituída, por destinação de pai de família, servidão de águas provenientes do poço com um metro de diâmetro e seis de profundidade, sito junto à estrema nascente do prédio ...87/..., para fins domésticos e agrícolas; - reconhece-se que, em favor do prédio ...95/... e onerando os prédios ...87/..., .../... e ...95/..., encontra-se constituída, por destinação de pai de família, servidão de aqueduto das águas provenientes do referido poço, com as características descritas nos factos provados; - reconhece-se que, em benefício do prédio ...95/... e onerando os prédios ...83/... e ...34/..., está constituída uma servidão de passagem, por destinação de pai de família, com as características de modo, tempo uso e lugar referidas nos factos provados; - condena-se os 2ºs RR. a demolirem o muro, no prazo máximo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, desobstruindo a passagem; - absolve-se os RR. do demais peticionado; . a reconvenção...

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