Acórdão nº 2649/21.9T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., freguesia ..., ... ..., instaurou a presente ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra BB, residente na mesma morada, pedindo que se declarasse extinto, por divórcio, o casamento de ambos.

Para tanto alegou, em síntese, ter contraído casamento com a Ré em 19/07/2012, sob o regime imperativo da separação de bens, não existindo desta relação descendentes.

A Ré é uma pessoa extremamente controladora e exigia que o Autor não saísse de casa sem ser com ela, e quando este o fazia sozinho, exigia que previamente lhe dissesse para onde ia e com quem iria estar, e quando o Autor regressava a casa exigia saber por onde andou, o que fez e com quem esteve.

Quando alguém ligava ao Autor a Ré exigia logo saber quem era e o que desejava e proibiu-o de contactar com os vizinhos, com quem se dava.

Recentemente a Ré ameaçou o Autor que lhe incendiava a casa, deixando-o receoso de que concretizasse esse intento face ao tom com que lho comunicou, o que fez com não mais dormisse descansado, levando a que apresentasse queixa crime contra a Ré, a qual, por sua vez, apresentou queixa crime contra o Autor.

Face aos descritos comportamentos da Ré deixou de existir qualquer relacionamento entre ambos.

Desde há vários meses, Autor e Ré deixaram de ter comunhão de mesa, cama, trato sexual e vida afetiva, não nutrindo o Autor qualquer amor pela Ré e não existindo da parte daquele qualquer vontade de reestabelecer vida em comum com a Ré.

Realizou-se a tentativa de conciliação entre Autor e Ré a que alude o art. 931º do CPC, a qual se frustrou pois não foi possível obter o acordo dos cônjuges no sentido de se converter a presente ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento, pelo que se ordenou a notificação da Ré para contestar, querendo, a presente ação.

A Ré contestou impugnando parte da facticidade alegada pelo Autor.

Concluiu pedindo que se julgasse a ação improcedente e que se fixasse um regime provisório de alimentos e, a final, um regime definitivo de alimentos a seu favor.

Para tanto alegou, em síntese, contar 70 anos de idade, enquanto o Réu conta 71 anos de idade, estando ambos reformados.

A Ré recebe uma pensão mensal de reforma de 325,00 euros, enquanto o Réu afirma receber uma pensão mensal de reforma de 3.000,00 euros.

A Ré não tem carta de condução nem automóvel, pelo que, sempre que necessita de se deslocar, tem de o fazer de táxi, dada a inexistência de transportes públicos a horários consentâneos.

A Ré sofre de doença oncológica e psiquiátrica e necessita de tomar diariamente medicamentos, cujo custo mensal ascende a 100,00 euros.

Durante o matrimónio a Ré ocupou-se das lides domésticas e agrícolas, sendo as despesas suportadas com a pensão de reforma daquela e com o dinheiro que o Autor lhe dava, pelo que não teve qualquer hipótese de efetuar poupanças, contrariamente ao que sucedeu com o Autor.

A Ré não é proprietária nem arrendatária de casa de habitação.

Desde final de agosto/início de setembro de 2021, o Autor deixou de entregar qualquer quantia monetária à Ré, pelo que, para além da sua pensão de reforma, esta não dispõe de quaisquer rendimentos para fazer face às suas despesas correntes.

Em alimentação a Ré despende um quantitativo mensal de 300,00 euros, em vestuário despende pelo menos 50,00 euros mensais, em artigos de higiene pelo menos 40,00 euros mensais, em transportes pelo menos 60,00 euros mensais e em renda, água e luz pelo menos 450,00 euros mensais.

Acresce que a Autora necessita de pelo menos 200,00 euros mensais de dinheiro de bolso para enfrentar encargos ocasionais e pelo menos 200,00 euros mensais para satisfazer despesas com cabeleireiro, lazer, ofertas a netos e filhos, prendas de casamento e refeições em restaurantes.

Concluiu que para lhe ser garantida uma vida minimamente condigna necessita de pelo menos 1.300,00 euros mensais.

Por despacho proferido em 11/11/2021 convidou-se a Ré a deduzir reconvenção no que respeita à pensão de alimentos que peticiona.

Acatando esse convite, a Ré apresentou contestação corrigida em que pediu, a título principal, que se julgasse a ação improcedente, e deduziu pedido reconvencional subsidiário pedindo a condenação do Autor no “pagamento de uma pensão de alimentos, a título provisório à Ré, no valor mensal de 975,00 euros, e a final condenar o Autor ao pagamento de uma pensão de alimentos, a título definitivo à Ré, no valor mensal de 975,00 euros”.

O Autor-reconvindo replicou alegando que a Ré-reconvinte não alegou factos suficientes necessários à fixação da pensão de alimentos que peticiona a título provisório, e impugnando praticamente toda a facticidade alegada pela Ré-reconvinte em sede de reconvenção, alegando que logo a seguir ao casamento doou à Ré a quantia de 40.000,00 euros, que tem depositada numa conta aberta no Banco 1..., e que a mesma vendeu a casa de morada de família do primeiro matrimónio, tendo arrecadado para si o preço dessa venda, além de que, quando casou com a Ré, esta já contava sessenta anos de idade e, por isso, já tinha o seu percurso de vida realizado, não podendo ao Autor ser assacada qualquer responsabilidade pelo facto daquela não ter tido uma trajetória profissional que a fizesse, na velhice, receber uma pensão de valor superior à que recebe.

Concluiu como na petição inicial e pediu que se julgasse a reconvenção improcedente e se absolvesse o mesmo do pedido reconvencional.

Por despacho proferido em 12/12/2021, indeferiu-se “por ora, a fixação provisória de alimentos” pedida pela Ré-reconvinte, admitiu-se a reconvenção deduzida pela Ré, fixou-se o valor da presente causa em 88.500,01 euros, dispensou-se a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram objeto de reclamação, conheceu-se dos requerimentos de prova apresentadas pelas partes e designou-se data para a realização da audiência final.

Realizada a audiência final, em 09/05/2022, proferiu-se sentença em que se julgou procedente a ação e parcialmente procedente a reconvenção, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, decido julgar:

  1. A ação procedente e, em consequência, dissolvo por divórcio o casamento celebrado entre CC e BB; b) A reconvenção parcialmente procedente e condenar o autor a pagar à ré a quantia de € 170,00 (cento e setenta euros) mensais, a título de alimentos, a pagar até ao dia 8 de cada mês e desde o primeiro dia do mês subsequente à data da dedução do pedido.

Custas da ação pela ré e da reconvenção por autor e ré na proporção do decaimento”.

Inconformado com o decidido quanto ao pedido reconvencional, que o condenou a pagar à Ré-reconvinte uma pensão alimentar definitiva de 170,00 euros mensais, o Autor-reconvindo interpôs o presente recurso de apelação em que formulou as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença de fls., que julgou a reconvenção parcialmente procedente e, assim decidiu condenar o autor a pagar à ré a quantia de € 170,00 (cento e setenta euros) mensais, a título de alimentos, a pagar até ao dia 8 de cada mês e desde o primeiro dia do mês subsequente à data da dedução do pedido.

  1. Foram dados como factos provados, além de outros, os que se destacam: 1. Autor e ré casaram-se civilmente, sob o regime imperativo de separação de bens, no dia .../.../2012 – certidão de casamento junta com a p.i.

    1. A ré aufere uma pensão de reforma de € 329,00 mensais e o autor uma reforma de ... no valor mensal de € 1.486,00.

    2. A ré faz-se deslocar de táxi.

  2. À data da celebração do casamento, o recorrente tinha 62 anos de idade e a recorrida 60, conforme demonstra a certidão de casamento junta com a p.i.

  3. Ou seja, grande parte da vida profissional ativa da recorrida já havia passado e passado sem a companhia do recorrente, não tendo este contribuído para as escolhas de vida que a recorrida tomou, designadamente a opção por determinada atividade profissional, que culminou no final da sua vida ativa, na reforma de 329,00€.

  4. O recorrente discorda do julgamento da matéria de facto quanto ao ponto 10 dos factos provados, pois, a recorrida não fez prova de que despenderá todos os meses um valor aproximado a 50,00€ em medicamentos.

  5. Com efeito, o documento junto que configura uma declaração de uma farmácia, datada de 30 de dezembro, que informa que a recorrida adquire medicamentos no valor médio mensal de 50€ (cinquenta euros), não provando que no presente esteja a despender aquele valor e, mais, até quando irá despender.

  6. Esta indeterminação factual não permite ao Tribunal, de forma segura, manter como provado que no presente e para futuro a recorrida gastará o valor médio mensal de 50,00€ em medicação.

  7. A recorrida sequer se provou em que medicamentos é gasto aquele valor, que doenças detém para gastar aquele valor.

    I. Pelo que não pode o tribunal dar como provado que a recorrida gasta em média 50,00€ por mês.

  8. Pelo que, quando se lê nos factos provados 10. A ré despende, em média, cerca de € 50,00 mensais para adquirir medicamentos, deverá este facto ingressar na matéria dos factos dados como não provados, sendo retirada da matéria provada.

  9. Também, in casu, o tribunal a quo subsumiu de forma incorreta a factualidade provada ao Direito.

    L. Depois do divórcio, cada cônjuge deve prover à sua subsistência (cfr. art.º 2016º, n.º 1, do CC).

  10. A Lei 61/2008 introduziu alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, consagrado nos art.ºs 2016º e 2016-Aº do Código Civil, optando-se por aderir ao chamado princípio da autossuficiência, conferindo, como regra, ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e subsidiário.

  11. O direito a alimentos entre ex-cônjuges depende da verificação dos pressupostos gerais da necessidade...

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