Acórdão nº 487/22.0T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023
Magistrado Responsável | JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE |
Data da Resolução | 19 de Janeiro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório AA intentou contra a Sociedade Agrícola do ..., Ld.ª, procedimento cautelar de suspensão de deliberação social pedindo seja declarada a suspensão da execução da deliberação de nomeação de gerente tomada na assembleia geral de 20.12.2021, registada pela Insc. 9, AP. ...30.
Alegou para tanto e em síntese que a requerida tem o capital social de € 80.000,00, representado por 5 quotas, sendo uma de € 75.000,00, pertencente a BB, CC, DD e AA, em comum e sem determinação de parte ou direito, outra de € 3.500,00, pertencente a BB, CC, DD e AA, em comum e sem determinação de parte ou direito, outra de € 500,00, pertencente a CC, outra de € 500,00, pertencente a DD e outra de € 500,00, pertencente a AA.
As quotas de € 75.000,00 e de € 3.500,00, representativas de, respectivamente, 93,75% e 4,375%, do capital social da sociedade, foram transmitidas para as cotitulares da mesma por morte do seu titular original, EE, pai de CC, DD e AA e marido de BB.
No dia .../.../2021, em virtude do falecimento de BB, mãe das sócias CC e DD, estas procederam ao registo da transmissão de posição de herdeiro daquela, tendo as quotas de € 75.000,00 e € 3.500,00, passado a pertencer a CC, DD e AA, em comum e sem determinação de parte ou direito.
Ambas as quotas/partes são representadas por AA, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa de EE.
No dia 10 de dezembro 2021, a Requerente enviou às demais sócias da sociedade convocatória para assembleia-geral.
A 5 de janeiro de 2022, a Requerente recebeu um e-mail em que as demais sócias informavam que não lhe reconheciam representatividade, enquanto cabeça de casal, da quota representativa de 93,75% da sociedade, nem para emitir convocatórias para realização de assembleias gerais da sociedade.
Por consulta casual da certidão permanente da empresa, a 31.01.2022 a Requerente teve conhecimento que no dia 20.12.2021. reuniram em assembleia geral as sócias CC e DD, que deliberaram a nomeação de CC para o cargo de gerente.
A Requerente não recebeu qualquer convocatória e/ou aviso de receção na sua caixa postal, sendo falso que qualquer comunicação nesse sentido lhe tenha sido dirigida.
Nos termos do disposto no artigo 56.º n.º 1 al. a) do CSC, a deliberação em causa é nula por ter sido tomada em assembleia geral não convocada.
Não tendo estado presente a sócia que representa as quotas de € 75.000,00, e de € 3.500,00, não havia o quórum necessário, quer para a assembleia se constituir, quer para deliberar.
A actuação das sócias CC e DD visa o assalto ao poder da sociedade, sempre no intuito de prosseguir interesses pessoais; agem movidas pela vontade única de obter proveitos indevidos e, em último caso, devastar a sociedade, já que, obrigando-se a mesma com duas assinaturas, tudo ficará ao alcance das mesmas.
O objecto social da sociedade é a gestão de bens mobiliários e imobiliários, sendo proprietária de bens imóveis e obras de arte, que não demorará muito a ser dissipado caso a sociedade se continue a vincular apenas com as assinaturas de um lado da família, quando é outro que, por força legal, assume as funções de representante das quotas por via do cabecalato.
É muito fácil às gerentes destruírem a sociedade, celebrando negócios de dissipação do património, o que poderá acontecer de diversas formas, e negócios totalmente ruinosos para a sociedade, como aconteceu com o contrato de cessão de exploração do Convento ..., celebrado no âmbito da gerência de DD e BB, tendo ficado demonstrado que o mesmo foi manifestamente danoso para a requerida; o interesse que aquelas prosseguem não é o da sociedade, mas sim o seu interesse pessoal, que é sempre contrário ao interesse da Requerente; a requerida tem património imobiliário que ascenderá a alguns milhões de euros.
*Citada, a requerida deduziu oposição invocando: - a falta de pressupostos para o decretamento da providência, alegando, em síntese, que para além da nomeação da nova gerência e respectivo registo obrigatório, nenhuns outros actos foram praticados, nenhum prejuízo se verificou ou verifica e a deliberação foi executada; a requerente especula, conjectura e invoca factos sem qualquer fundamento, sem densidade factual que possam determinar a suspensão da deliberação; - a prejudicialidade para a causa do inventário que corre termos sob o nº 16/22.... no Juízo de Competência Genérica ..., com vista à partilha dos bens de EE, pai da requerente e das interessadas e sócias CC e DD; - a caducidade do direito que a Requerente pretende exercer, alegando que a mesma teve conhecimento da Acta no dia 19 de janeiro de 2022, através de correio electrónico enviado para o seu endereço; a requerente foi regularmente convocada para a Assembleia através de carta registada, com aviso de recepção, no dia 25/11/2021, não tendo sido recebida na sua distribuição, nem posteriormente reclamada no prazo de oito dias, apesar de avisada para o efeito; no dia 19/01/2022, através de carta registada, enviada para a morada da requerente, a Acta da Deliberação, não tendo sido recebida na sua distribuição, nem posteriormente reclamada no prazo de oito dias, apesar de avisada para o efeito; - impugna os factos alegados.
*O tribunal notificou a requerente para responder ás excepções, o que a mesma fez, dizendo: - quanto á falta de pressupostos, o art.º 380º do CPC encontra-se cumprido; - quanto á prejudicialidade, a mesma é incompatível com a natureza urgente do procedimento cautelar; - quanto á caducidade, alega que teve conhecimento do e-mail com a notificação da oposição, o referido e-mail é falso, não foi recebido pela requerente; quanto á convocatória para a assembleia, não foi recebida e nunca apareceu o aviso para levantamento da carta na caixa do correio da morada para onde foi enviada a carta; quanto á carta de 19/01/2022, a requerente encontrava-se de férias e quando regressou e verificou a caixa do correio, já não conseguia levantar a carta.
Terminou requerendo a improcedência da oposição e a notificação dos Correios ... para que indiquem o carteiro que alegadamente terá colocado o aviso na caixa do correio da requerente, para esclarecer o que sucedeu com a referida comunicação.
*O tribunal designou data para a audiência final, pronunciou-se quanto ao depoimento de parte e declarações de parte, nada tendo dito quanto á notificação dos Correios ... requerida pela requerente.
*Após vicissitudes que não relevam, realizou-se a audiência final, tendo sido proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar.
*A requerente interpôs recurso da referida decisão, pedindo seja a mesma substituída por acórdão que determine o decretamento da suspensão da deliberação social, e em consequência determine a total improcedência da oposição apresentada pela Requerida, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: A. As presentes alegações são apresentadas em virtude do indeferimento do procedimento cautelar de deliberações sociais, por se ter considerado que “não foram suficientemente alegados nem provados factos que demonstrassem a pretendida danosidade da execução da deliberação em sujeito”.
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O Tribunal entendeu que a Requerida provou que efetuou a convocatória para a Assembleia Geral, e que, por sua vez, a Requerente não provou nunca ter recebido a mesma e que a Requerente não provou quando tomou conhecimento da deliberação tomada em 20.12.2021, bem como não provou os proveitos pessoais que as gerentes retiram da gestão que fazem, nem a dissipação do património da Requerida.
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Tendo em consideração a prova que foi feita, quer documental, quer testemunhal e por declarações de parte, a Recorrente não se conforma com a valoração da prova que foi feita, pelo que considera que quanto à matéria dada como não provada deverão os 3 factos que a compõem ser considerados factos provados, a que corresponderá uma necessária adaptação da motivação da sentença, bem como da decisão final.
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Assim, resulta que a decisão do Tribunal a quo é absolutamente contrária à prova que foi produzida, o que levou a um manifesto lapso na elaboração da decisão final.
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Concretamente, no que respeita ao facto a) foi produzida prova pelas testemunhas indicadas pela Recorrente, tendo resultado claro que nunca apareceu o aviso para levantamento da carta na caixa do correio da morada para a qual foi enviada a convocatória, como, aliás se retira da prova testemunhal feita em audiência de julgamento, pela testemunha FF, que referiu que está a maioria do tempo em casa e que verifica a caixa do correio diariamente. Confirmou também que já aconteceu algumas vezes as cartas serem colocadas em caixas do correio erradas, mas os vizinhos levam sempre uns aos outros.
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Inclusivamente, confirmou que verifica a caixa do correio diariamente e que o aviso de receção correspondente à convocatória para a assembleia de 20.12.2021 nunca chegou, facto que nunca poderá ser imputável à Requerente, muito menos para efeitos de impugnação das deliberações tomadas.
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Aliás, se assim fosse significaria que o sócio que não teve conhecimento, sequer, da existência de uma assembleia de sócios tenha o ónus de a impugnar no prazo de 10 dias, o que é absolutamente disparatado, pois nenhum sócio consulta as certidões permanentes das sociedades das quais é sócio de 10 em 10 dias, por muito diligente que seja.
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Logo, imputar esta responsabilidade à Requerente significa coartar o direito que esta tem de apresentar a providência cautelar que suspenda, até decisão do processo principal, as deliberações tomadas, ou seja permite que as deliberações tomadas sejam executadas durante largos meses, quem sabe anos (pois a ação principal não configura um processo urgente), o que equivale por dizer que se assim fosse sairia completamente frustrada a ratio dos procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais.
I. Quanto a este facto também prestou depoimento a testemunha GG, marido da Requerente, que corroborou tudo o...
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