Acórdão nº 889/19.0T8GMR de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA EUGÉNIA PEDRO
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I.

Relatório A A. AA, residente na Rua ..., Guimarães, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra BB, residente na Rua ..., freguesia ..., Guimarães, Peticionando que se declare simulada a confissão de dívida efectuada pela mãe de ambos a favor do R., por a dívida em causa não existir; se declare, por via da simulação, nula e de nenhum efeito essa confissão de dívida.

A fundamentar tal pretensão, alegou, em síntese, que a sua mãe, CC, e o R., seu irmão, acordaram que aquela se confessasse devedora ao R. da quantia de 75.000,00 €, em virtude de sucessivos empréstimos efectuados nos anos de 1989 a 1991, apenas com o intuito de prejudicar a A. e demais irmãos, porquanto tais empréstimos nunca foram realizados.

O R. contestou, impugnando os factos alegados pela A.

A A. deduziu o incidente de intervenção principal provocada dos demais irmãos, que foram admitidos a intervir nos autos, como seus associados.

Citados os Intervenientes, nada disseram.

Foi realizada tentativa de conciliação, que se frustrou.

Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizada a audiência final, com observância do formalismo legal, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo o R. do pedido.

*Inconformada a A. intentou o presente recurso, terminando as suas alegações com as seguintes Conclusões ( transcrição) Da nulidade da sentença Recorrida A. A sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C.

B. As nulidades do documento de confissão de dívida, como a falta de reconhecimento da assinatura a rogo, bem como a falta de forma do contrato de mútuo, são de conhecimento oficioso (cfr. artigo 220.º e 286.º do C.C.), pelo que o tribunal a quo ao deixar de se pronunciar sobre as mesmas, feriu de nulidade sentença recorrida.

Da impugnação da matéria de facto C. Nos termos do disposto no artigo 640.º, nº 1, alínea a) do C.P.C., encontram-se incorrectamente julgados e por isso vão concretamente impugnados os factos não provados n.ºs 2, 14, 15, 16 e 17 da sentença recorrida, bem como deveriam constar dos factos provados dois factos essenciais à decisão a proferir e ainda a alínea E) dos factos provados, deveria ter diversa redacção.

D. Impõe decisão diversa, nos termos do disposto no artigo 640º, n.º 1, alínea b) do C.P.C. o documento composto de confissão de dívida, constante da certidão de dívida extraída do processo executivo e junta aos autos através de requerimento da Recorrente datado de 18/02/2020.

E. Da prova mencionada, concretamente da confissão de dívida, resulta que a mesma não se encontra autenticada e a assinatura da confitente, feita a rogo, não se encontra reconhecida por notário ou por quem esteja legalmente autorizado a fazê-lo, como advogados e solicitadores.

F. A formalidade em causa é essencial à validade do negócio/declaração, pelo que tal facto é essencial à decisão da causa, devendo por isso integrar o rol de factos provados, devendo este facto ser aí aditado, com a seguinte redacção: “A assinatura da confitente CC, a rogo, constante da confissão de dívida apresentada como título executivo e referida na alínea E) dos factos provados, não foi feita ou confirmada perante notário ou perante quem estivesse legalmente habilitado para o efeito”.

G. O contrato de mútuo alegadamente celebrado entre o R. e os seus pais, num total de 75.000,00€, a ter sido, não revestiu a forma legalmente exigida tendo em conta o seu valor (escritura pública nem de documento particular autenticado – Cfr. artigo 1143.º do C.C.).

H. Devendo por isso ser aditado à matéria de facto provada novo facto com a seguinte redacção: “Os empréstimos declarados na confissão de dívida não foram celebrados através de escritura pública, de documento particular autenticado ou por documento assinado pelo mutuário.” I. Os factos não provados 2, 14, 15, 16 e 17 foram assim incorrectamente julgados, pois a prova documental supra mencionada impunha decisão diversa, bem assim as regras do ónus da prova, desde logo porque em reposta à alegação da A. De simulação da confissão de dívida, o R. invocou a existência de empréstimos feitos aos seus pais, entre 1989 e 1991.

J. O contrato de mútuo tem natureza de contrato real (quoad constitutionem), pelo que quem invoca o contrato de mútuo tem o ónus de provar a verificação desse elemento constitutivo do contrato, no caso, a entrega do dinheiro - artigo 342.º, n.º 1 do C.C. (Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 278/08.1TBAVR.C1, datado de 17/12/2008, disponível para consulta em https://jurisprudencia.pt/acordao/119053/ ) K. Por ser de enorme relevância, veja-se a exigência da jurisprudência para que se prove a entrega do dinheiro, ainda que se esteja perante documentos autênticos, no Acórdão desta Veneranda Relação datado de 26/09/2019, processo n.º 1162/17.3T8GMR-B.G1, onde ficou decidido: “1.Apenas relativamente aos factos praticados pela autoridade ou oficial público em documentos autênticos, bem como relativamente aos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, se estende a força probatória plena conferida nos termos do nº 1 do citado artº 371 º do Código Civil, e, não a quaisquer outros, nomeadamente, carecendo de tal força probatória as meras declarações das partes no documento insertas, podendo, inclusive, vir a provar-se a sua falsidade ou desconformidade à realidade.

  1. Nos termos do nº 2 do artº 358° do Código Civil a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos, e, tem força probatória plena se for feita à parte contrária ou a quem a represente, mas já não a terceiros.

  2. Relativamente aos factos subjectivos ou do foro interno do agente ou de terceiro, " ...a prova, no domínio do direito ( processual ) , ao invés do que ocorre com a demonstração, no campo da matemática, ou com a experimentação, no âmbito das ciências naturais, não visa a certeza lógica ou absoluta, mas apenas a convicção ( o grau de probabilidade) essencial às relações práticas da vida social.» (A. Varela, in, Manual de Processo Civil, pg. 391/2).

  3. Sendo o contrato de mútuo um contrato real, quoad constitutionem, como decorre da noção legal do art. 1142. º do Código Civil, para sua constituição sempre necessário será a prova da efectiva entrega da coisa pelo mutuante ao mutuário.” L. Cabia ao R. fazer prova da entrega do dinheiro e não o tendo feito, deve o facto não provado 2 passar a integrar a matéria de facto provada, expurgando-se apenas a parte em que refere que “nem lhe pediram qualquer quantia”, passando a ter a seguinte redacção: “DD e CC nunca receberam do R. qualquer valor”.

    M. A prova do facto referido na conclusão anterior arrasta consigo para a matéria de factos provados os factos não provados 14.º a 17.º, que devem passar a integrar o rol de factos provados da sentença recorrida, uma vez que inexistindo entrega do dinheiro ao pai do R. e à sua mãe (confitente), conclui-se que o título composto de confissão de dívida era simulado, que tinha como único objectivo dar origem a um processo executivo que tinha como único objectivo enganar terceiros.

    N. A mãe da A., do R. e restantes intervenientes declarou ser devedora de uma quantia que nunca recebeu, de modo a prejudicar os seus filhos em benefício do também seu filho, aqui R.

    O. Na redacção do facto provado E) o Tribunal a quo deveria ter sido mais rigoroso e tendo em conta a força probatória plena das confissões extrajudiciais de dívida, entre as partes, exigia-se que o facto provado mencionasse que a mãe da A., R. e intervenientes declarou ter recebido e não que recebeu empréstimos do R. (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 07/09/2021, disponível para consulta em www.dgsi.pt, mas também o já supra citado Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 26/09/2019, processo n.º 1162/17.3T8GMR- B.G1.) P. Deve o facto provado E) ser alterado, passando a ter a seguinte redacção: “E) Resulta da confissão de dívida apresentada como título executivo no processo identificado que a mãe da A., R. e Intervenientes declarou ter recebido juntamente com o seu falecido marido, sucessivos empréstimos do R. entre 1989 e 1991, na quantia total de 75.000,00€.” Da impugnação da matéria de direito Q. O documento composto de confissão de dívida encontra-se assinado a rogo, rogo esse que tem de ser dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante, de acordo com o artigo 373.º, n.ºs 3 e 4 do C.C. e 154º do Código do Notariado.

    R. A falta de reconhecimento da assinatura a rogo perante notário ou perante quem legalmente esteja habilitado a fazê-lo constitui nulidade, que é de conhecimento oficioso, sendo invocável a todo o tempo, de acordo com os artigos 220.º e 286.º do C.C.

    S. De enorme importância, temos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 19/05/2020, processo n.º 1038/16.1T8PVZ.P1.S1, onde ficou decidido que: “I - Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor. Se este não os souber ou puder assinar, devem ser assinados por alguém a seu rogo, assinatura que só pode ser reconhecida como tal por via de reconhecimento presencial, sendo que também o rogo deve ser dado ou confirmado perante o notário, no próprio acto do reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante.

    II - Para que valham como assinaturas, as impressões digitais referidas no art.51.º do CN devem ser feitas na presença do notário ou da entidade com competência para o efeito.

    III - Em caso de documento particular produzido por quem não souber ou puder assinar, a assinatura a rogo reconhecida presencialmente, é elemento integrante e essencial do documento particular, requisito indispensável da validade do negócio (arts. 373.º do CC e 154.º e 155.º do CN).

    IV - Em tal...

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