Acórdão nº 84/22.0T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA AMÁLIA SANTOS
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Relatora: Maria Amália Santos 1º Adjunto: José Manuel Alves Flores 2ª Adjunta: Sandra Maria Vieira Melo Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: *I- RELATÓRIO BB demandou nesta ação declarativa com processo comum a “L... - Companhia de Seguros S.A”, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 43.740,00, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal a partir da citação até integral pagamento, com o fundamento de que no dia 23/04/2019 foi vítima de um acidente de viação causado pelo segurado da ré, tendo sofrido com o mesmo, entre outros, danos físicos, nomeadamente a nível cervical e lombar.

Requereu, no final da petição, prova pericial a realizar pelo Instituto de Medicina Legal, indicando para o efeito os competentes quesitos.

Admitida pelo tribunal a realização da perícia – com o objeto fixado pelo A -, a realizar no Gabinete Médico Legal, veio a ré, ao abrigo do disposto no art.º 480º nº 3 do CPC, declarar que pretende indicar como assessor técnico para assistir à referida perícia o Dr. CC, requerendo a sua notificação do dia e hora em que aquela iria ter lugar.

O A. veio deduzir oposição ao requerimento apresentado, alegando que uma vez que estamos perante um exame médico físico-psíquico à sua pessoa, é manifesto que este tipo de perícias é suscetível de ofender o pudor do examinando, o que deverá determinar a impossibilidade de representação da Ré para assistir à diligência. Para além disso, sendo a perícia realizada no G.M.L. por perito especializado em dano corporal na vertente médico-legal, e a idoneidade técnica do Sr. perito, que será inquestionável, poderá sempre a ré levantar ou questionar todas as dúvidas que considere convenientes após o relatório apresentado.

A este requerimento veio objetar a ré dizendo que o Autor lhe pretende coartar o direito de poder indicar um assessor técnico, faculdade essa conferida a ambas as partes. Tanto mais que segundo o alegado pelo Autor, ele ficou a padecer, em resultado do acidente, de problemas da coluna cervical e lombar, pelo que, tendo em consideração as zonas do corpo que serão objeto do exame, em termos objetivos e sociais, não são áreas capazes de afetar o seu direito de privacidade e pudor, não se estando perante uma zona privada íntima ou de caráter sexual. A presença no ato da perícia de um assessor técnico indicado pela ré, sendo também ele médico, e sendo a perícia medico legal um ato médico, não é mais lesiva do que a do próprio perito, tendo em conta que são ambos médicos e estão ambos sujeitos ao mesmo estatuto e deveres profissionais.

Acresce que o direito da Ré de se poder socorrer de assessor técnico nos exames médico-legais constitui manifestação do seu direito ao contraditório, na vertente a que se refere o nº 3 do art.º 3º CPC, ou seja, : o direito da parte, devidamente esclarecida quanto aos aspetos técnicos do concreto exame médico-legal, poder influenciar o resultado do processo, pela sindicância que venha a fazer ao relatório pericial apresentado.

* Foi então proferida nos autos a seguinte decisão (que sintetizamos): “Veio a ré requerer, ao abrigo do disposto no art. 480º nº 3 do CPC (…) que pretende indicar assessor técnico para assistir à perícia ordenada nos autos. O autor opõe-se a tal pretensão (…). “O n.º 3 do artigo 480.º estabelece que "as partes podem assistir à diligência e fazer-se assistir por assessor técnico, nos termos previstos no artigo 50.º, salvo se a perícia for suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer proteção". Pudor significa "sentimento de vergonha ou timidez causado por algo que fere a sensibilidade ou a moral de uma pessoa", "sentimento de timidez ou vergonha". Deve então, considerando o disposto nos artigos 26.º n.º 1 da Constituição da República e 80.º n.º 1 do Código Civil, interpretar-se a expressão "ofender o pudor" como abrangendo a reserva da intimidade da vida privada (…). Nessa medida, na perícia médico-legal a uma das partes, a presença da outra e/ou do seu mandatário e do assessor técnico é, muito provavelmente, "suscetível de ofender o pudor", pelo que, a verificar-se esta suscetibilidade, nos termos daquele n.º 3 não deve ser admitida a comparência destes em tal "diligência". E, como não podia deixar de ser, o juízo sobre esta matéria será, necessariamente, formulado em função do concreto objeto da perícia. Essa suscetibilidade não deixa de existir pela circunstância de o assessor técnico ser médico, pois, nesse caso sempre se trata de alguém estranho ao examinando e com quem este teria de partilhar a intimidade, quando é certo que a sua presença não é indispensável para a realização da perícia. Note-se que o assessor não fica sujeito a qualquer dever de reserva ou sigilo; antes pelo contrário, ele deverá partilhar com a parte e/ou o seu mandatário toda a informação que tenha por relevante, sob pena de não exercer devidamente a sua função. O objcto da perícia consistirá em saber se: 1 -Como consequência directa e necessária do acidente de viação supra descrito, a examinando sofreu lesões? 2. Lesões a nível cervical? 3. E a nível lombar? 4. Apresenta um desvio escoliótico, dorso-lombar de dupla curvatura? 5. Apresenta lesões de uncartrose em C5-C6 e C6-C7? 6. Na flexão total apresenta dor terminal? 7. É visível uma contratura das goteiras lombares mais acentuada à direita? 8. Demonstra dores na palpação da transição lombo sagrada? 9. Visualiza-se um agravamento acentuado de raquialgias, sobretudo a nível lombar com os esforços e sedestação prolongada ? 10. É verificável osteófitos nos pratos vertebrais de L5 e S1, junto ao disco, que reduzem o calibre desses orifícios e produzem contactos nas raízes L5 ? 11. A nível cervical é verificado um deslocamento da vértebra C7, relativamente a D1 ?(…) Mais uma vez (…) podemos afirmar que (…) há aqui aspetos de grande sensibilidade, que atingem um núcleo importante da intimidade da vida privada do autor; dito de outra forma, a presença nas diligências da perícia médico-legal do assessor técnico indicado pela ré é suscetível de ofender o pudor daquele (…). A ré vai ter conhecimento do resultado de todas as diligências levadas a cabo no âmbito da perícia, pois será notificada do teor do relatório pericial que o perito irá elaborar (artigo 484.º). Em segundo lugar, à ré assiste a faculdade de reclamar contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição que considere existir no relatório pericial (artigo 485.º). Em terceiro lugar, a ré tem o direito de solicitar esclarecimentos ao perito no decorrer da audiência de julgamento (artigo 486.º). Em quarto lugar, a ré pode requerer a realização de uma segunda perícia (artigo 487.º). Em quinto lugar, o autor não intervém na perícia nas suas vestes de parte, mas sim de um sinistrado que tem de ser observado pelo perito (…). Portanto, a impossibilidade de a ré ser assistida no exame médico-legal por um assessor técnico, contrariamente ao que afirma, não a impede de vir a "formular um juízo crítico e valorativo acerca do relatório pericial", nem confere ao autor qualquer vantagem. Aqui chegados, indefere-se a presença de acesso técnico requerida pela ré. Notifique”.

* Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a ré interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “1ª. Por despacho proferido em 14.09.2022, o Mmo. Juiz indeferiu a presença de um assessor técnico na perícia médico legal, requerida pela Ré, pelo facto de entender que a presença do assessor técnico era suscetível de ofender o pudor, tendo, assim, indeferido o requerido com base no disposto no art. 480º nº 3, parte final.

  1. A presença do assessor técnico é uma faculdade das partes, sendo certo que o assessor técnico não se confunde com o perito médico, uma vez que aquele não examina nem avalia o examinando, podendo apenas assistir à perícia.

  2. Tendo em conta o despacho proferido e a sua fundamentação, o objeto deste recurso circunscreve-se à circunstância de se saber se a presença do assessor técnico indicado pela Ré, um médico, na perícia médico legal a efetuar ao autor é suscetível de ofender o pudor.

  3. Por despacho de 14.09.2022, foi fixado o objeto da perícia que circunscreve-se apenas à região lombar e cervical do Autor, regiões do corpo que o Autor alega terem sido afetadas em consequência do acidente.

  4. Face ao objeto fixado pelo tribunal e o alegado pelo Autor na petição quanto aos danos sofridos, não pode aceitar-se que esse ato de inspeção seja capaz de afetar o direito de privacidade e pudor do autor, tanto mais que não está em causa a inspeção de uma zona íntima ou de caráter sexual.

  5. Na verdade, a questão da ofensa ao pudor tem de ser vista caso a caso e com as maiores das cautelas sob pena de se coartar um direito das partes, nomeadamente uma...

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