Acórdão nº 3244/21.8T8VCT-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023
Magistrado Responsável | LÍGIA VENADE |
Data da Resolução | 19 de Janeiro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO (conforme elaborado em 1ª instância).
Nos autos principais, por sentença transitada em julgado, declarada a insolvência de AA, tendo sido fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
Nos termos do disposto no art.º 129.º do CIRE, a AI juntou aos autos a lista dos créditos reconhecidos e dos não reconhecidos, figurando nesta o crédito invocado por M... - PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA S.A.
.
*Os autos de insolvência seguiram para liquidação do ativo, tendo sido proferido o despacho inicial referente ao pedido de exoneração do passivo restante -art.º 239º do CIRE.
*A lista de credores reconhecidos foi objeto de impugnação apresentada por M... - PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA S.A.
, decorrente de alegado contrato promessa de compra e venda/cessão de posição contratual com objeto nos veículos marca ..., matrículas ..-RB-.. e ..-VZ-.., tendo reclamado, na hipótese de não se optar pelo cumprimento do contrato de promessa de compra e venda, um crédito no montante global de € 63.668,60 euros, sendo € 63.220,00 de natureza privilegiada e € 448,60 de natureza subordinada.
À impugnação apresentada veio responder o credor Banco 1..., S.A., pugnando pela respetiva improcedência, defendendo que o alegado contrato de promessa em se baseia a impugnação da lista de créditos reconhecidos apresentada pela ora impugnante mais não é do que um expediente articulado com a Insolvente, com o único intuito de prejudicar diretamente os créditos do Banco 1..., S.A. e dos demais credores.
*Em sede de saneamento dos autos, entendeu o Tribunal que os autos não tinham complexidade que justificasse a convocação de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, foi fixado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
*À presente impugnação foi fixado o valor de € 63.668,60.
*Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que, além do mais, julgou improcedente a impugnação apresentada por M... - PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA S.A., atribuindo-lhe as custas da impugnação.
*Importa ainda atentar no seguinte: foi pedido o depoimento de parte do insolvente, o que foi indeferido por não terem sido discriminados os factos sobre que o mesmo devia recair; foi proferido acórdão por esta Relação em 13/7/2022 que revogou tal despacho no sentido de se ordenar a “notificação da impugnante para, em prazo a determinar, discriminar os factos que hão-de ser objecto do depoimento de parte.” Cumprindo-se o acórdão, o depoimento de parte foi indicado aos artigos 21º a 26º, 30º, 31º, 34º, 43º, 49º a 63º, 67º a 74º, e 78º a 81º da impugnação apresentada. Da ata elaborada e relativa à audiência que teve lugar em 11/10/2022 resulta que não foi reduzida a escrito qualquer menção do depoimento de parte prestado. Igualmente resulta que não foi exarada qualquer pronúncia das partes (quanto a essa ou a outras questões).
*A impugnante, não se conformando com a sentença proferida, apresentou recurso, terminando as alegações com as seguintes -CONCLUSÕES-(que se reproduzem) “DAS RAZÕES DE DISCORDÂNCIA I- SOBRE A MATÉRIA DE FACTO DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO – ART.º 662.º CPC 1. O Tribunal a quo deu como provada a matéria factual discorrida no item 4.1. do ponto “Da matéria de facto provada” acima transcrito, quando devê-la-ia ter dado por “provada”, com redacção distinta da supra citada, e 2. deu como não provada a matéria de facto descrita nos itens a) a f) supra enunciados no ponto “Da matéria de facto não provada”, mas, salvo o devido respeito por entendimento contrário, devê-la-ia ter dado por “provada”.
-
A) No que diz respeito à matéria de facto vertida no item 4.1. do ponto “Da matéria de facto provada”, compulsados os autos, do documento n.º ... junto aos autos pela credora reclamante com a impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, verifica-se que o veículo de matrícula ..-RB-.. foi objecto do contrato de crédito automóvel n.º ...00, celebrado entre o Banco 1..., S.A. e a insolvente.
-
Veja-se, para o efeito, o disposto no considerando do supra referido .... A Primeira outorgante celebrou dois contratos com o Banco 1..., S.A., com sede na Rua ..., ... Porto, para a aquisição de duas viaturas da marca ..., um de locação financeira número ...00, para a aquisição da viatura ..., classe A, 180 D, versão progressive, matrícula ..-VZ-.., e outro de crédito automóvel, número ...00, para a aquisição da viatura ..., classe E, 220 D, versão limousine, matrícula ..-RB-.., cujas cópias se encontram anexas ao presente contrato, sob “Anexo 1 e Anexo 2” e dele fazem parte integrante”. (Sublinhado nosso) 5. Veja-se, ainda, a resposta à impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos apresentada pelo Banco 1..., S.A., no dia 28.03.2022, na qual é referido, no seu artigo 2.º, que “no que diz respeito ao veículo de matrícula ..-RB-.., o mesmo foi objecto de um contrato de crédito celebrado entre o ora Requerente e a Insolvente, incidindo sobre o mesmo uma cláusula de reserva de propriedade a favor do Banco 1..., S.A.”. (sublinhado nosso) 6. Face ao supra exposto, resulta clarividente à saciedade que o veículo de matrícula ..-RB-.. foi objecto de um contrato de crédito celebrado entre a insolvente e o Banco 1..., S.A., e não entre a insolvente e o Banco 2..., S.A.
-
E, por isso, verifica-se que existe erro de julgamento do Tribunal a quo.
-
Pelo que, a matéria de facto discorrida no item 4.1. do ponto “Da matéria de facto provada”, o Tribunal a quo devê-la-ia ter dado “por provada” com a seguinte redacção: ❖ 4.1. O veículo de matrícula ..-RB-.. foi objecto de um contrato de crédito celebrado entre o Banco 1..., S.A. e a Insolvente, incidindo sobre o mesmo uma cláusula de reserva de propriedade a favor do primeiro.
-
B) No que tange à matéria de facto discorrida nos itens a) a f) do ponto “Da matéria de facto não provada”, o Tribunal a quo devê-la-ia ter dado por “provada”.
-
Com efeito, o Tribunal a quo desconsiderou o efeito confessório do depoimento de parte prestado pela insolvente e, consequentemente, apreciou livremente o seu depoimento, baseando- se, para esse efeito, numa alegada relação mantida por aquela (insolvente), quer com a impugnante sociedade, quer com o seu representante legal.
-
O depoimento de parte constitui um meio de prova através do qual se pode obter e provocar a confissão judicial, sendo esta uma declaração de ciência que emana da parte e em que se reconhece a realidade de um facto desfavorável ao declarante - contra se pronuntiatio – e favorável à parte contrária a quem competiria prová-lo.
-
A confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira, sendo que esta regra diz respeito aos efeitos probatórios da confissão, os quais dependem, assim, da capacidade jurídica do confitente. (Art.os 353.º n.º 1 CC e 9.º CPC) 13. O depoimento de parte é o meio pelo qual se permite provocar a confissão judicial; ora o juiz, a quem se requeira esse meio de prova, há-de verificar antecipadamente se a matéria indicada pode ou não ser objecto de confissão da parte.
-
No caso de não poder ser objecto de confissão da parte, não é possível que sobre esses factos verse o interrogatório respectivo.
-
A confissão consiste no reconhecimento que a parte faz sobre um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária. (Art.os 341.º, 352.º, 355.º, 356.º, 357.º e 358.º CC) 16. A afirmação sobre a realidade de um facto basta, assim, ao conteúdo da declaração confessória.
-
Não lhe é, pois, essencial nem específica a afirmação de que o facto que é dela objecto é desfavorável ao confitente.
-
Significa isto que o confitente não tem que declarar que o facto lhe é desfavorável, mas apenas que ele é real.
-
Para que a confissão tenha valor probatório não se exige por parte do confitente o “animus confitendi”, i.e., a parte que confessa um facto, confessa-o na convicção de que ele é exacto e não porque o pretenda fazer passar por verdadeiro.
-
Por isso é que se considera a confissão, essencialmente, como uma declaração de ciência e não uma pura declaração de vontade.
-
Note-se, ainda, que toda a confissão deve revestir a qualidade de ser inequívoca, para que dúvidas não restem sobre o seu verdadeiro alcance e significado, isto porque, gozando de especial força probatória, é de exigir que a declaração seja clara e distinta e não permita mais do que uma leitura. (Art.º 357.º n.º 1 CC) 22. Quando do depoimento prestado oralmente resulte a confissão do depoente, deve ser este ser reduzido a escrito. (Art.º 463.º CPC) 23. Acontece, porém, que, nos presentes autos, apesar de ter havido a confissão da depoente, ora insolvente, não foi o depoimento prestado oralmente reduzido a escrito, não obstante o mesmo tenha sido gravado.
-
A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, o que se verifica com a confissão efectuada pela própria parte em requerimento ou em acto judicial reduzido a escrito. (Art.º 358.º CC) 25. O facto sobre que versa a confissão judicial escrita considera-se, deste modo, provado plenamente, passando à categoria de facto sobre o qual não é admissível qualquer dúvida ou discussão, i.e., de facto inquestionavelmente adquirido para o processo.
-
Por outras palavras, a confissão obriga o confitente e vincula o juiz e oferece à parte contrária uma prova que supera todas as outras, motivo por que os jurisconsultos antigos a designavam de rainha das provas ou a prova máxima ou superlativa.
-
Face ao supra exposto e, ainda, ao que infra se verterá, mal andou o Tribunal a quo, em primeiro lugar, por não ter reduzido a escrito o depoimento de parte na sua vertente confessória (assentada), que teria valor probatório de prova plena contra o confitente, e, 28. em segundo, por não ter considerado como confissão o depoimento de parte prestado pela insolvente, uma vez que se trata de uma verdadeira confissão judicial provocada. (Art.os 463.º CPC e 347.º...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO