Acórdão nº 59/18.4T8VNF-F.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO [[1]] O autor BB intentou, em 19-02-2021, no Tribunal de Comércio de VN de Famalicão, por apenso ao respectivo processo de insolvência, esta acção especial de separação de bens (artºs 146º e 148º, do CIRE) contra os réus: 1º Massa Insolvente de AA e CC; 2º Insolventes AA e CC: 3º Credores da referida Massa.

Pediu que seja declarado dono e possuidor legítimo – e consequentemente que o mesmo seja separado e restituído – de um certo prédio, que identificou como urbano, inscrito na ... sob o artº ...14º da freguesia ..., concelho ..., o qual é parte do misto descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...41, da referida freguesia – descrição que integra os artigos urbanos ...14..., ...15º e o ... rústico.

Alegou que aquele prédio foi indevidamente apreendido para a referida Massa, pois que é sua propriedade.

Com efeito, apesar de registado em nome do Insolvente seu irmão e de, por isso, englobado na hipoteca constituída em garantia de um mútuo contraído por aquele, o imóvel ter-lhe-ia sido doado verbalmente pelo pai, em 1998, o qual o construiu em terreno dele, juntamente com outras duas casas igualmente doadas aos seus irmãos. Trata-se de uma moradia unifamiliar independente. Não foi possível o destaque, uma vez que o terreno estava sujeito a ónus de não fraccionamento. No entanto, desde aquela data exerce sobre ele actos possessórios (habita-o, paga a água, luz, telefone, remodelou-o com obras, dá-o de arrendamento, paga os impostos e contribuições) em termos que conduziram à prescrição aquisitiva (usucapião).

Feitas as citações, apenas contestaram a Massa (essencialmente, impugnando por desconhecimento, os factos, e invocando a presunção derivada do registo a favor dos Insolventes) e o credor “L...” (igualmente, impugnando o alegado, invocando a dita presunção e argumentando que, nas escrituras de mútuo com hipoteca, os Insolventes reconhecerem que adquiriram da vendedora “I..., Sociedade Imobiliária, SA”, o prédio (com duas casas) e que ele se destinava exclusivamente a sua habitação própria e permanente. Tal sociedade foi, aliás, representada, no acto, pelo próprio autor e pelo irmão Insolvente, pelo que, mesmo que a doação verbal (formalmente nula) lhe tivesse atribuído a posse, o certo é que o prédio (no seu todo) foi, consciente e declaradamente (também pelo autor), adjudicado aos Insolventes.

Na resposta, o autor, além de manter a sua versão, argumentou ainda que, sendo verdade ter representado a “I...” naquele acto notarial, “a venda apenas pretendia abranger aquela que era a habitação dos Insolventes e que correspondia ao art.º ...15º” como resulta do preço declarado.

A contestante “L...” apresentou tréplica (admitida), reiterando a sua tese.

Subsequentemente, por despacho, fixou-se o valor da causa, sanearam-se tabelarmente os autos, identificou-se o objecto do litígio, enunciaram-se os temas da prova, apreciaram-se os requerimentos indicativos dos respectivos meios e marcou-se a audiência final.

Esta, após vários adiamentos, realizou-se em duas sessões (09 e 30-03-2022), nos termos e com as formalidades narradas nas actas, no seu decurso tendo sido inquiridas duas testemunhas e tomadas declarações do autor.

Em 14-07-2022, foi proferida a sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo os réus do pedido.

Apelou o autor, apresentando, a título de conclusões, o seguinte texto: “1. O recorrente não se conforma com a douta decisão, em crise, porque considera que a mesma deveria ter julgado como provados, os factos constantes das alíneas a) a p) dos factos não provados.

  1. Do depoimento da testemunha DD, ter-se-ia de retirar que, aquando do contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca cuja cópia foi junta aos autos como DOC. nº ... pela Ré L... SARL, o Autor informou o banco que dentro da mesma descrição predial estava incluída “uma casa” que não era sua, que era dum seu familiar e que esta casa não foi avaliada para efeitos de garantia deste mútuo. Mais se conclui que na altura a testemunha se comprometeu a apurar junto dos seus superiores uma forma de alterar a hipoteca se e quando conseguissem autonomizar os imóveis na descrição predial.

  2. Ou seja, ter-se-iam de dar como provados os factos vertidos nas alíneas n), o) e p) dos factos não provados elencados na sentença.

  3. Esta testemunha, à data funcionário do Banco 1..., depôs de forma totalmente isenta e desinteressada, não tem qualquer relação de amizade com o Insolvente ou com os seus familiares, sendo ademais, funcionário do Banco que era credor do Insolvente.

  4. Explicou a razão pela qual tinha ficado a constar da escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca o artº 1114º, propriedade do Autor, e que esse artigo, nem sequer tinha sido avaliado para efeitos do crédito que o banco veio a conceder e que o Banco tinha assumido o compromisso verbal de rever a hipoteca, assim que o Insolvente e o seu familiar destacassem os imóveis, passando a mesma a incidir apenas sobre o imóvel/casa de habitação do Insolvente, único bem avaliado para efeitos de atribuição do crédito.

  5. No que toca aos pontos a), b), c), d), e), h), m), dos factos não provados entende o Recorrente que o depoimento da testemunha EE, obrigava a dar como provados aqueles factos.

  6. Esta testemunha, que conhece a família do Autor e dos Insolventes há muitos anos e que foi quem, na qualidade de desenhador de construção civil, tratou dos projetos e das licenças de construção e utilização dos bens propriedade da família, explicou a razão pela qual as duas moradias com utilização independente se mantiveram registadas numa única descrição e que tinha sido contratado pelo pai, que lhe pagou, para desenhar e licenciar as casas que este ía dar aos filhos.

  7. Mais afirmou, que quem vive nas casas são os filhos explicando que quanto ao prédio dos autos, numa das casas vivem os Insolventes e na outra, contígua, a segunda a contar do início da Avenida, vive o Autor e não ter dúvidas de que as casas eram para os filhos, tanto mais que foram eles que entraram lá para dentro! 9. Entende ainda o recorrente que a matéria em apreciação nos autos não se enquadra em nenhuma das hipóteses em que a lei veda o recurso à prova testemunhal.

  8. O teor das declarações de parte prestadas pelo Autor, relacionando-as com os depoimentos das testemunhas, impunha dar como provada a matéria dos artigos a),b),c),d),e),f),g),h),i),j),k),l),m), dos factos não provados.

  9. Das mesmas e da sua relação com o que disseram as testemunhas resultam provados os atos de posse do Autor sobre a moradia e a data a partir da qual existem esses atos.

  10. Nos termos do disposto no Artº 466º, nº 3 do CPC, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.

  11. Nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação e, como acontece no caso em apreço, as mesmas se mostrem consentâneas com a restante prova produzida em juízo, mormente a restante prova testemunhal.

  12. Concluindo, entende o Recorrente que provou que paga as despesas inerentes à utilização da casa, fazendo contas com o seu irmão, que mandou fazer e pagou as obras de remodelação de que a moradia foi objeto em 2011, que esta é a sua residência o que é do conhecimento de todos que com ele convivem, vizinhos e família.

  13. Ou seja, o Autor provou tem vindo a usar e a fruir do referido prédio urbano destinado a habitação, ininterruptamente, de forma pública e pacífica, nomeadamente habitando-o e permitindo que outros habitem nele, dispondo livremente das suas utilidades, dando-o de arrendamento, executando nele obras e pagando os impostos e as contribuições que gera, desde há mais de 20 anos, à vista de toda a gente e afirmando-se perante toda a gente como proprietário, sem oposição de ninguém; dia após dia, sem nenhuma interrupção, e com a intenção e o animus de quem pretende comportar-se e se comporta como seu proprietário.

  14. Conforme o disposto no art.º 1251º do CC, “Posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real” Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1257.º”, ou seja, que se presume a posse em nome de quem exerce o poder de facto.

  15. Ficando demonstrado que quem exerceu e exerce o poder de facto sobre o prédio há mais de 20 anos é o Autor, cabia aos Recorridos vir demonstrar que, apesar do exercício deste poder de facto, o Recorrente não era possuidor em nome próprio essa prova não foi produzida, pelo que se deveria ter dada como provada a posse do Recorrente.

  16. Tendo decorrido, entre a data do seu início (2000) e a data da presente ação (2022), um período superior a vinte anos, estão reunidas todas as condições para o Recorrente ter adquirido, por usucapião, o direito de propriedade sobre o prédio dos autos (cfr. artigo 1296.º, 2.ª parte, do CC), devendo este, em conformidade, ser-lhe judicialmente reconhecido.

  17. Depois do encerramento da discussão em 1ª instância as partes só podem apresentar documentos com as alegações de recurso se tiver ocorrido impossibilidade da sua apresentação até àquele momento.

  18. O Autor apenas agora logrou obter o documento cuja junção requer, por que só na presente data foi o mesmo emitido pelos serviços administrativos da Junta de Freguesia.

  19. A sentença em apreço padece, assim, a nossos ver, de erro notório na apreciação da prova, o que se requer seja declarado.

    TERMOS EM QUE, concedendo provimento ao presente recurso e proferindo acórdão a revogar a decisão que ora se impugna, farão V. exas., Senhores Desembargadores, a habitual e sempre esperada, J U S T I Ç A!”.

    Com a peça alegatória, o autor juntou um Atestado de Residência, datado de 11-08-2022, justificando que “apenas agora logrou obter o...

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