Acórdão nº 5242/21.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.

*ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. AA (aqui Recorrente), residente na Rua ..., ..., em ..., Guimarães, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB (aqui Recorrida), residente na Rua ..., em ..., Guimarães, pedindo que: · a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 107.703,95, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo-lhe movido uma outra e prévia acção, pedindo a sua condenação a restituir-lhe a quantia de € 113.423,95, que lhe emprestara, viu aí ficar provada a transferência a favor dela do montante que agora e aqui peticiona; mas não a prévia celebração de qualquer contrato de mútuo que a justificasse (conforme igualmente invocara).

Mais alegou que, tendo ainda ficado provado, numa outra acção que pendeu entre ele e a aqui Ré (BB), que viveram em união de facto, tendo as entregas de dinheiro havidas entre ambos ocorrido no seu decurso, viu-se nessa medida empobrecido e ela enriquecida; e, cessada a dita união de facto, esse enriquecimento deixou de ter causa justificativa.

Defendeu, por isso, ter direito à devolução do montante que aqui peticiona, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.

1.1.2.

Regular e pessoalmente citada, a Ré (BB) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente; e deduzindo reconvenção, onde pediu que: · o Autor fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 116.650,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a notificação da contestação/reconvenção até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo a união de facto havida entre ela e o Autor (CC) sido judicialmente declarada dissolvida, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2014, já se encontraria prescrito o direito que aquele aqui invoca, uma vez que não a demandou para o seu reconhecimento nos três anos seguintes àquela data.

Mais alegou que, tendo já estado pendentes, entre as mesmas partes, quatro outras acções, a presente repetiria parcialmente as respectivas causas de pedir (consequências patrimoniais da união de facto havida) e os respectivos pedidos (a condenação da contraparte a reconhecer direitos, ou pretensos direitos, decorrentes da vida que tiveram em comum); e, por isso, estaria verificada nos autos a excepção de autoridade de caso julgado (conforme discriminação que fez da factualidade provada em cada um daqueles outros autos).

Alegou ainda que foi o Autor (CC) quem beneficiou patrimonialmente da união de facto mantida entre ambos desde 1996, locupletando-se com o valor global de € 116.650,00, que lhe pertencia exclusivamente, conforme vários negócios e actos jurídicos, que discriminou.

Pediu, por isso, em sede de reconvenção, a condenação do mesmo no seu pagamento.

1.1.3.

O Autor (CC) replicou, pedindo que se julgassem improcedentes as excepções deduzidas; e inadmissível a reconvenção ou, subsidiariamente (prevenindo a hipótese inversa), improcedente a mesma.

Alegou para o efeito, sempre em síntese, contar-se o prazo de três anos de prescrição do seu direito do momento em que deixou de ter à sua disposição outro meio de o fazer reconhecer; e isso apenas teria sucedido em 10 de Maio de 2019, com o trânsito em julgado da sentença que não reconheceu a existência dos contratos de mútuo que alegara como causa da restituição, pela Ré (BB), da quantia monetária que aqui reclama.

Mais alegou não se verificar ainda a excepção de autoridade de caso julgado, já que a causa de pedir aqui invocada (enriquecimento sem causa) seria distinta de todas as outras alegadas nas prévias acções judiciais.

Alegou ainda ser a reconvenção legalmente inadmissível, uma vez que extravasaria o disposto no art. 266.º, n.º 2, do CPC; e, se assim não fosse, verificar-se quanto a ela a excepção de autoridade de caso julgado (uma vez que assentaria em factos já julgados em prévios autos pendentes entre as mesmas partes), bem como a excepção de prescrição (já que a Ré tê-la-ia deduzido depois de terem decorridos três anos desde a última sentença que julgara improcedente idêntica pretensão sua contra ele próprio).

Por fim, o Autor (CC) alegou serem falsos os factos alegados pela Ré (BB) para fundar as respectivas defesa e reconvenção, reiterando a sua alegação e o pedido inicial.

1.1.4.

Foi proferido despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; e saneador, certificando a validade e a regularidade da instância, e julgando procedente a excepção de prescrição, invocada pela Ré (BB).

1.1.5.

Inconformado com esta decisão, o Autor (CC) interpôs recurso de apelação, pedindo que fosse provido, julgando-se improcedente a excepção de prescrição e ordenando-se o prosseguimento dos autos.

1.1.6.

Foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 15 de Junho de 2022, julgando procedente o recurso de apelação interposto; e, por isso, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra, julgando não verificada nos autos a excepção peremptória de prescrição do direito do Autor (prosseguindo os mesmos os seus normais e posteriores termos).

1.1.7.

Devolvidos os autos à primeira instância, foi proferido saneador-sentença, julgando verificado nos autos «o efeito positivo da decisão judicial proferida na ação n.º 4939/16.3T8GMR» e improcedente a presente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Nestes termos, decide-se: 1) Julgar não verificada a exceção dilatória do caso julgado material invocada pela Ré; 2) Conhecendo do mérito, julgar a ação improcedente e, em consequência, absolver a Ré, BB, do pedido formulado pelo Autor, AA.

Custas da ação a cargo do Autor.

Valor processual: fixa-se em € 224 353,95, montante correspondente à soma do valor atribuído pelo Autor à ação (€ 107 703,95) com o valor atribuído pela Ré à reconvenção (€ 116 650,00), tudo em conformidade com o disposto nos arts. 297/1 e 299/1, 2 e 3, do CPC.

Registe e notifique.

(…)» *1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta sentença, o Autor (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se revogasse aquela decisão, ordenando-se a prossecução dos autos.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões): 1 - Nas palavras do Tribunal a quo, a decisão definitiva proferida na acção de processo comum n.º 4939/16.3T8GMR, que correu termos pelo Juízo Central Cível ... - Juiz ..., instaurada pelo aqui A. contra a Ré, constitui caso julgado material (efeito positivo) que impõe a improcedência a acção; 2 - Na douta sentença recorrida decide-se que, não tendo o Autor logrado provar em acção anterior a causa alegada para a deslocação patrimonial (no caso, o contrato de mútuo), está-lhe vedado o recurso a qualquer outra acção com diferente causa de pedir, designadamente, fundada no instituto do enriquecimento sem causa; 3 - Porém, nenhum dos autores e jurisprudência citada na douta sentença recorrida sufraga a decisão do Tribunal a quo; 4 - Embora a autoridade de caso julgado possa abranger não apenas a decisão sobre o pedido, mas também as decisões sobre os fundamentos, só adquirem autoridade de caso julgado em processos subsequentes as decisões sobre as questões essenciais relativas à causa de pedir da acção anterior, ou seja, as decisões sobre os factos constitutivos delimitados pela previsão da norma jurídica aplicável, essenciais à procedência da acção; 5 - O autor de uma acção fundada exclusivamente na celebração de um contrato de mútuo, onde peticiona a condenação do réu a restituir-lhe as quantias entregues ao abrigo daquele contrato, tem o ónus de alegar todos os factos integradores daquela causa de pedir, mormente, a entrega do dinheiro e a assunção, pelo réu, da obrigação de o restituir; 6 - Mas não é obrigado, naquela acção, a invocar os factos integradores de qualquer outra causa de pedir, designadamente da restituição com fundamento no enriquecimento sem causa; 7 - Por isso, ainda que a primeira acção improceda porque o autor não logrou provar a causa da entrega do dinheiro, isto é, o contrato de mútuo, não está impedido de intentar outra acção, formulando o mesmo pedido, com fundamento no instituto e regras do enriquecimento sem causa; 8 - Só está vedada esta possibilidade, ao abrigo do efeito positivo do caso julgado, caso o autor não tenha logrado provar na primeira acção a deslocação patrimonial, isto é, a entrega do dinheiro; 9 - No caso dos autos, a sentença proferida na acção de processo comum n.º 4939/16.3T8GMR, que julgou improcedente o pedido do Autor (com fundamento exclusivo na obrigação de restituição decorrente do contrato de mútuo), não se pronuncia sobre os requisitos do enriquecimento sem causa, desde logo porque, mesmo sem esforço de interpretação da respectiva fundamentação, expressamente os considerou excluídos da causa de pedir; 10 - Não tendo sido o enriquecimento sem causa invocado como causa de pedir, no anterior processo - como resulta claramente da douta sentença ali proferida - poderia sê-lo, como veio a acontecer, no presente processo; 11 - É contrário ao princípio da unidade da ordem jurídica e a da coerência das decisões judiciais, que o Autor veja a sua pretensão indeferida num primeiro processo, por não ter alegado e nem invocado o instituto e as regras do enriquecimento sem causa, apesar de ter provado a transferência patrimonial (a entrega de avultadas quantias de dinheiro), mas não a causa alegada para essa transferência (o contrato de mútuo), e, depois, num segundo processo onde invoca apenas o enriquecimento sem causa, lhe ser dito, por outro Tribunal, que a questão ficou decida ou esgotada na primeira acção; 12 - A douta...

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