Acórdão nº 640/07-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Junho de 2007
Magistrado Responsável | ANTÓNIO MAGALHÃES |
Data da Resolução | 12 de Junho de 2007 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: * A e mulher B intentaram a presente acção com processo sumário contra C pedindo que: a) se declare que são donos e legítimos possuidores do prédio descrito no art. 1º da p.i.; b) se condene o réu a cortar os pinheiros existentes no seu prédio, concretamente junto à linha divisória deste com a propriedade dos réus; c) se condene o réu a pagar-lhes a título de danos patrimoniais a importância já liquidada de 3.827,00€, acrescida de juros de mora legais desde a citação até integral pagamento; d) e se condenar o réu a pagar-lhes todos os montantes que estes vierem a despender com as limpezas que sejam forçados a fazer, até ao efectivo corte dos pinheiros, bem como os demais prejuízos que venham a sofrer, os quais, por ainda não estarem determinados, serão liquidados em execução de sentença.
Para tanto, alegam que no logradouro do prédio do réu existem dois pinheiros junto à linha divisória com o prédio dos autores cujos ramos invadem o espaço aéreo deste prédio; que destes pinheiros caem pinhas e caruma para o caminho paralelo de acesso dos autores à sua garagem e habitação, em todo o logradouro que circunscreve a casa de habitação dos autores e no telhado da mesma, dado que a casa dos autores fica em nível inferior à do réu; que essa caruma e essas pinhas obrigam os autores a limpar constantemente o logradouro para evitar alguma queda; que a caruma acumulada no telhado já provocou e provoca entupimento dedos algerozes, provocando infiltração de humidade nos tectos e nas paredes, o que obriga os autores, durante o ano, a mandar limpar duas vezes o telhado e os algerozes; que as raízes dos pinheiros se introduziram no terreno dos autores provocando inúmeras fissuras no pavimento e no muro junto à garagem e anexos; que solicitaram ao réu que cortasse os pinheiros ou pelos menos os ramos que pendem sobre a propriedade dos autores mas aquele nada fez, como nada fez em relação às raízes; que o uso da faculdade do art. 1366º do CC de que os autores não lançaram ainda mão para evitar problemas também não resolve os problemas, designadamente o da caruma que vai continuar a ser a arrastada por força do vento para o seu prédio, não evita que as raízes depois de cortadas voltem a crescer; para além dos aborrecimentos e incómodos os autores receiam ser atingidos por uma pinha ou que o seu veículo o seja; receiam também que uma tempestade derrube os pinheiros para cima da sua casa; alegam, ainda, prejuízos com a limpeza do telhado e reparação do pavimento.
Contestaram os réus, recusando o direito dos autores ao corte dos pinheiros, que está vedado por legislação que cita, invocando, ainda, o disposto no art. 1366 do CC.
Responderam, ainda, os autores, sustentando que só o corte dos pinheiros é susceptível de remover os prejuízos constantes que a situação acarreta Foi proferido despacho saneador, que afirmou a regularidade da lide, dispensando-se a selecção da matéria de facto.
Realizou-se, depois, o julgamento, no decurso do qual se procedeu a uma inspecção ao local e que culminou com a decisão da matéria de facto que não foi objecto de reclamação.
Após o que foi proferida sentença que conclui “Pelo exposto, nos termos de Direito invocados, julgo a acção parcialmente procedente e: a) declaro os autores donos e legítimos possuidores do prédio urbano, constituído por casa de dois pavimentos e logradouro. sito no Lugar do Calvário, freguesia de Loivo, concelho de Vila Nova de Cerveira, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 166 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Cerveira sob o n° 00731/250996; b) absolvo o réu dos demais pedidos.
Custas pelos autores.
Registe e notifique.” Desta sentença vieram os autores interpor recurso, rematando a respectiva alegação com as conclusões que se transcrevem: “1 ° - O disposto no art. 1366° do Código Civil apenas define os limites da licitude da plantação das árvores e a possibilidade do dono do prédio vizinho eliminar as raízes e os galhos que ultrapassem tal limitação.
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- Todavia, a referida limitação física não pode circunscrever a responsabilidade pelos danos que advenham de qualquer plantação, na medida em que, caso assim fosse, estariam totalmente desprotegidos todos os direitos e garantias dos vizinhos.
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- O nosso ordenamento jurídico contempla normas que impõem restrições à liberdade dos titulares do direito de propriedade, concretamente quanto às relações de vizinhança.
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- Segundo o art. 1346° do Código Civil "o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes do prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substância para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.
" 5° - Tal norma tem especialmente em vista a emissão ou projecção de agentes físicos com carácter de continuidade ou, pelo menos, de periodicidade, que tenham a sua fonte em determinado prédio e perturbem a utilização normal do prédio contíguo.
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- Todavia, a enumeração constante do art. 1346° do Código Civil não é taxativa, dando apenas um conceito geral.
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- Pelo que, cabe ao intérprete da norma enquadrar, no referido preceito, as diversas situações que aí tenham acolhimento.
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- Ora, o facto dos pinheiros implantados na propriedade do Réu largarem caruma que se dissipa por todo o prédio dos Autores, terá, necessariamente, de ter enquadramento no referido normativo.
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- Pois que, não seria razoável que a lei facultasse a possibilidade do vizinho se opor à emissão de corpos gasosos, ou de pequenas partículas, e não possibilitasse a oposição à projecção de corpos de maior volume, neste caso, caruma, pinhas, ramos, etc.
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- Assim sendo, assiste aos Autores o direito de se oporem à projecção de caruma para a sua propriedade.
11 ° - Tanto mais que, está clamorosamente provado nos autos que a emissão da caruma que atinge a propriedade dos Autores provoca um prejuízo substancial para o uso do imóvel.
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- Acresce que, não pode o titular da faculdade de plantar as árvores até à linha divisória exercer tal direito prejudicando direito de terceiros.
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- Segundo o disposto no art. 334° do Código Civil "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.)) 14° - Ora, in casu, a actuação do Réu excede claramente os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes.
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- É inconcebível que o Réu, no exercício do seu direito de propriedade, provoque danos no prédio vizinho, onerando, assim, terceiros com prejuízos que advém do seu exercício.
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- O abuso de direito consubstancia o exercício de qualquer direito por forma anormal, quanto à sua intensidade, ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo de direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm que suportar.
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- Assim, face aos danos que o exercício do direito de propriedade do Réu provoca no prédio dos Autores, é manifesto que estamos perante uma situação de abuso de direito.
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- Pelo que, deve o Réu indemnizar os Autores pelos prejuízos sofridos.
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-- Sendo certo que, não obstante a faculdade consagrada na segunda parte do n° 1 do art. 1366° do Código Civil -"arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ela propendem, se o dono da árvore, sendo rogado judicialmente ou extra judicialmente, o não fizer dentro de três dias - a verdade é que, os Autores não poderia, nem podem, evitar os danos em causa nos autos.
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- É manifesto que, in casu, o corte das galhas dos pinheiros que impendem sobre o logradouro do prédio...
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