Acórdão nº 729/07-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelCARVALHO MARTINS
Data da Resolução10 de Maio de 2007
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência, na Secção Cível no Tribunal da Relação de Guimarães: I. A Causa: Aurora S..., nos autos identificados em epigrafe, não se conformando com a decisão, de fls. 202-204, que julgou incompetente em razão da matéria, o presente tribunal, dela veio interpor recurso de agravo, alegando e formulando as seguintes conclusões: 1) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, ao julgar que o presente Tribunal é incompetente para julgar esta causa, remetendo-o para os Tribunais administrativos e fiscais.

2) Cumpre desde logo referir que contrariamente ao constante no douto despacho estamos na presença de actos de gestão privada e não de gestão pública.

3) De facto Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado 1 Volume, 4 Edição, pág 510, refere que “(...) os actos de gestão privada são, de modo geral, aqueles que embora praticados pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, estão sujeitos às mesmas regras que vigorariam para a hipótese de serem praticados por simples particulares. São actos em que o Estado ou a pessoa colectiva pública intervém como um simples particular, despido do seu poder público (...) “.

4) Ora, salvo melhor opinião, a prática médica não apresenta qualquer diferença quando exercido em estabelecimento publico ou a titulo particular ou privado.

5) A ser assim, não se concebe que o Mmo. Juiz a quo, considere que exista um conjunto de deveres (ainda que de carácter funcional) e que no seu Douto despacho não especifica, bem como a existência de um nexo de vínculos estabelecidos nas relações utente/Administração da saúde/funcionário, para justificar a qualificação de que estaríamos na presença de um acto administrativo e não de um acto privado sujeito às normas civis.

6) No âmbito do exercício em estabelecimentos públicos de saúde, ainda existe hoje alguma indefinição, “discutindo-se ainda se os actos aí praticados devam ser class em actos de gestão privada ou actos de gestão pública “. Autores como Freitas do Amaral entendem que deve ser considerado de gestão pública e o art. 22 da Constituição Portuguesa, refere que “O Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis, de forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo de outro.” 7) Num Hospital público, os médicos no desempenho das suas funções, estabelecem relações jurídicas de diversa índole. O Hospital tem para com o doente internado um contrato hospitalar, assume a responsabilidade de meios, pelo que fornece serviços de hotelaria, presta serviços, instalações, internamento, pessoal médico, enfermagem, etc.

8) Ao fornecer serviços de medicina, fá-lo através de funcionários especializados, integrados num serviço com autonomia a vários níveis: técnica, administrativa e por vezes financeira. Estes Serviços estão organizados e hierarquizados através do Director, nomeado de acordo com a lei do País e escolhido entre os médicos mais diferenciados — Chefes de Serviço. Resulta desta organização que o acto do médico é “destacável” como vimos atrás, mas também individualizado quando se trata de o Hospital assumir a responsabilidade por uma reparação civil.

9) Há contudo que se saber se, com estas condições, a doutrina se inclina ou não para a independência do médico, conduzindo à responsabilidade individualizada, em que cada um responde pelos seus actos. Aceita-se que entre os médicos do mesmo Serviço, exista uma relação de subordinação, onde não é possível extrair a responsabilidade individual. Se um Serviço está organizado com obrigatoriedade de cumprimento de “Guide Lines” e protocolos e embora o médico os cumprisse, sempre que haja necessidade de atribuir responsabilidade, haverá que indagar sobre a boa ou insuficiente fundamentação, de tais regras Standerizadas. Se o médico aplica o princípio da autonomia como médico, responde ele perante os actos.

10) Os Hospitais do SNS têm vários estatutos jurídicos (SPS, EPE, SA, PPP). Vamos localizarmo-nos apenas nos Hospitais do Sector Público. Estes hospitais estão sujeitos a um regime jurídico das leis do trabalho especial, com Serviços hierarquizados, sendo que, como atrás foi referido, o Director é um médico provido em Chefe de Serviço, com o grau de Assistente Hospitalar graduado, o que confere aos Serviços garantia de boa prática médica.

11) A jurisprudência Portuguesa adopta o princípio segundo o qual cabe ao Estado o dever de indemnizar sempre que demonstrada a existência do facto, praticado pelo agente do Serviço que, nessa qualidade, causar dano.

12) No entanto a responsabilidade do Estado, no âmbito do SNS, deriva do facto de o Estado dever organizar os Serviços de Saúde, atribuir-lhes financiamento adequado para estruturas, equipamentos e funcionamento, nomear os gestores de acordo com critérios legalmente definidos, definir regulamentos, exigências e critérios de selecção de funcionários, aprovar planos de acção para a actividade assistencial.

13) Em suma, ter assumido um contrato com os cidadãos, através do qual estes têm possibilidade de aceder, mediante as condições do “contrato” (estatuto do SNS, Legislação base, etc.) à intervenção médica mesmo tendo em consideração as limitações admitidas pela Lei de Bases da Saúde.

14) In casú, salvo melhor opinião, estamos na presença de responsabilidade em relação aos actos dos órgãos, agentes ou representantes no exercício de actividade de gestão privada — vide neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra, 20-10-1978, in Colectânea de Jurisprudência, 4° - 1162.

15) Pelo que deve ser julgada improcedente a...

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