Acórdão nº 1728/07-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GONÇALVES
Data da Resolução20 de Setembro de 2007
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: No presente incidente de qualificação de insolvência que corre por apenso aos autos de insolvência em que é Requerida “Q... - Indústria de T..., L.da” e é requerente Abel S...

, o Exmo. Sr.

Administrador da Insolvência e o Digno Magistrado do Ministério Público vieram propor a qualificação da insolvência como culposa.

Citados para o efeito, o gerente José C...

e a sua mulher Maria C...

vieram alegar a caducidade do parecer do Exmo. Ex.mo Sr. Administrador da Insolvência, considerando o teor dos pareces conclusivos e sem qualquer factualidade, alegando também que os bens retirados da empresa pertenciam a terceiros ou ao próprio requerido.

Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória, a qual veio a merecer reclamação que foi deferida.

Procedeu-se a julgamento e, a final, o Ex.mo Juiz proferiu sentença em que se decidiu o seguinte: a) Qualificar como culposa a insolvência de “Q... – Indústria de T..., Lda.”, com sede na Rua de O..., ...97, U..., em Guimarães, matriculada na C.R.C. de Guimarães sob o n.º 502028149 (correspondente à antiga 3015/880816), considerando que essa qualificação abrange o gerente da devedora, José C..., residente na Urbanização do Pedral, Bloco C, Lote B., 765, 1º direito, Candoso (Santiago), 4835-245 Guimarães; b) Decretar a inabilitação de José C..., pelo período de dois anos, para a prática de quaisquer actos referentes ao seu património ou a patrimónios por si geridos que não sejam de mera administração, sendo necessário para os demais (actos de disposição de bens entre vivos) autorização do curador a nomear; c) Declarar José C... inibido para o exercício do comércio durante um período de três anos, não podendo, durante igual período, ocupar de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; d) Determinar a perda de quaisquer eventuais créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo referido José C... e condená-lo a restituir todos os bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.

Inconformado com esta sentença, dela recorreu o requerido José C...

, que alegou e concluiu do modo seguinte: 1° - Sobe a V. Exas. o presente recurso da douta sentença que qualificou a insolvência como culposa, decretou a inabilitação do recorrente, declarou-o inibido para o exercício do comércio e determinou a perda de quaisquer créditos por si detidos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente.

  1. - Desde logo, ao presente recurso devia ter sido qualificado como de Agravo, a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo atendendo ao disposto no artigo 14°, n.° 6, al. b) do CIRE e aos artigos 733°, al. a) do n.° 1 do artigo 734° e n.° 1 do artigo 740° todos do CPC 3° - Ora, a sentença recorrida qualificou a insolvência como culposa, decretando a inabilitação e inibição do Recorrente por entender aplicar-se o disposto no artigo 186°, n.º 1, n.º 2, al. a) e 189° do CIRE.

  2. - Nos termos do artigo 186°, n.º 1 do CIRE, a insolvência é considerada como culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores nos três anos anteriores ao início do processo.

  3. - São requisitos da qualificação da insolvência como culposa: a) o facto (acção ou omissão) do agente; b) que, em consequência desse facto se possa dirigir um juízo de censura ao agente a título de culpa (que nos casos dos n.° 2 e 3 se presume) c) que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada em consequência do acto culposo; d) a existência de uma relação de causalidade entre a conduta do devedor e o estado de insolvência.

  4. - O n.º 3 do mesmo artigo consagrou uma presunção de culpa grave quando ocorram determinadas situações nele previstas, a saber: a) não tiverem cumprido o dever de requerer a declaração de insolvência nos termos do artigo 18° b) estando o devedor obrigado a prestar contas anuais, a submetê-las a fiscalização ou depositá-las na conservatória do registo comercial, os seus administradores não cumpram estes deveres no prazo legal 7° - Enquanto o n.º 2 da mesma norma tipifica actos ou comportamentos que, quando praticados pelos administradores, considera-se "SEMPRE" culposa a insolvência.

  5. - É já unânime que enquanto o n.° 3 desta norma prevê uma presunção iuris tantum, ilidível mediante prova em contrário, no n.° 2 é estabelecida uma presunção iuris et de iure, ou seja, inilidível.

  6. - Analisando a aplicação do n.° 3 do artigo 186° do CIRE, entendeu o Tribunal (e bem) que, não obstante se ter verificado que o administrador não cumpriu o dever de requerer a declaração de insolvência nem depositou as contas na Conservatória do Registo Comercial, o certo é que a matéria factual dos autos não era suficiente para se poder concluir pela verificação dos seus pressupostos.

  7. - Aplicou, então, o artigo 186°, n.° 2, al. a) do CIRE por entender que os factos provados nele podiam ser subsumíveis.

  8. - Ora, de acordo com esta norma, "considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor." 12° - Tal norma concretiza os actos que corporizam o facto (acção ou omissão) do agente e é composta pelos seguintes requisitos: a) acto de destruição, danificação, inutilização, ocultação ou desaparecimento; b) no todo ou em parte considerável; c) o património do devedor.

  9. - O incidente em causa tem por base o requerimento de Abel S... e os Pareceres do Ex.mo Administrador de Insolvência e do Digno M.° P.°, sendo estes, em termos factuais, manifestamente insuficientes e incipientes para o efeito pretendido, pois não contêm factos suficientes e susceptíveis de, após a produção da prova, se poder considerar preenchida a al. a) do n.° 2 do artigo 186°.

  10. - Mas, primeiro, haverá que saber-se quem deve produzir a prova, ou seja, qual é a parte onerada com esse encargo.

  11. - Nos termos do artigo 342° do Código Civil, "1. Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

    1. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita." 16° - O ónus da prova deve ser lançado sobre quem alega o facto e o direito, recaindo sobre quem tem interesse em alegar.

  12. - Nesta matéria de averiguação da responsabilidade do gerente na insolvência da empresa, aquele que exige a responsabilidade (o requerente da insolvência Abel Silva, o Administrador de Insolvência e M. P.) é que terá que alegar e provar que o gerente praticou o facto do qual pretende fazer derivar a responsabilidade e que praticou com culpa.

  13. - No entanto, em matéria de qualificação de insolvência, haverá que ter em atenção a existência das supra referidas presunções, já que as regras do ónus de prova podem inverter-se conforme estatui o artigo 344° do Código Civil.

  14. - Ora, é sabido que neste n.º 2 encontra-se consagrada uma presunção iuris et de iure, ou seja, em que não é admissível prova em contrário.

  15. - Nesta norma estão previstos comportamentos dos administradores do insolvente que não seja pessoa singular, situações objectivas, impossíveis de transformação/geração de qualificação da insolvência como fortuita, porque a lei impõe que, mediante a verificação das situações aí previstas, a insolvência é sempre considerada culposa.

  16. - No fundo, estipula-se que, nas situações aí previstas, se considera sempre como culposa a insolvência, isto é, causada ou agravada por dolo ou culpa grave do devedor ou dos administradores, desde que provadas objectivamente quaisquer das situações aí indicadas.

  17. - Então, o que se presume na norma é a CULPA e não o facto ilícito praticado pelo agente que terá que ser objectivamente provado.

  18. - Neste caso, o Legislador previu que, quando provado o facto, deveria, desde logo, ser presumida a culpa do agente, ou seja, basta a prova do facto para se considerar sempre culposa a insolvência.

  19. - No n.° 2 do artigo 186° do CIRE (por prever uma presunção inilidível), não é possível ao administrador produzir prova em contrário, tentando demonstrar que, apesar de ter ocorrido aquele facto, não agiu com culpa.

  20. - Desta forma, não existindo qualquer inversão do ónus de prova, era sobre o requerente da Insolvência, o Administrador da insolvência ou o M.° P.° que impendia o ónus de provar o facto e, caso o lograssem obter, então...

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