Acórdão nº 468/08.7TBMNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelANTÓNIO DA COSTA FERNANDES
Data da Resolução22 de Junho de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Apelação nº 468/08.7TBMNC.G1 (Proc. nº 468/08.7TBMNC, T J de Monção) Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório: M …..

, contribuinte fiscal nº …… , e mulher, …..

E, contribuinte fiscal….., residentes, …… propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, na forma sumária, contra: A …..

, contribuinte fiscal nº …… residente em ….., Peticionando que: 1. Se declare que são legítimos donos e possuidores do prédio rústico denomi- nado “Ínsuas”, de cultura arvense e vinha em ramada, sito no lugar da Bemposta, fre- guesia de Valadares, Monção, inscrito a seu favor, na respectiva matriz, sob o art. 119; 2. A condenação do réu a: a) Reconhecer tal direito; b) Proceder à limpeza do seu prédio na respectiva estrema nascente, bem como à do muro que o delimita nessa mesma confrontação, designadamente dele extraindo raízes e todo o tipo de vegetação que no mesmo cresce, de modo a evitar o perigo e o dano que representa o facto de esse muro estar em perigo de ruir; c) Em alternativa, autorizá-los a procederem ao corte da vegetação que cresce no prédio deste e no muro de suporte, na sua confrontação nascente, que obstaculizem a conservação e aproveitamento da vinha que se encontra na referida confrontação; d) Pagar-lhes a indemnização que vier a ser fixada, em ulterior liquidação, pelos anos em que estiveram impedidos de tratarem a ramada existente na confronta- ção poente do seu prédio e colher os respectivos frutos; e) A abster-se, no futuro, de violar, por qualquer forma, o seu direito de propri-edade sobre o aludido prédio; f) Pagar-lhes, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 50,00 € por cada dia de atraso no cumprimento da sentença, após o trânsito desta em julgado.

Para tanto, alegaram, em síntese, que: - São donos e legítimos possuidores do referido prédio; - O réu é proprietário de um prédio confinante, situado em plano superior; - Na estrema poente do seu prédio têm uma ramada ou latada com vinha; - O prédio do réu tem, na zona em que confronta com o seu, um muro de supor-te de terras, o qual se encontra por limpar desde há cerca de 4 a 5 anos; - Deste então, do prédio do réu e do muro pendem sobre a latada silvas, peque- nos sobreiros, canas e carvalhos de pequeno porte, facto que os impede de tratarem da latada e de colherem as uvas que ali frutificam; - Por isso, algumas videiras já secaram e outras encontram-se encobertas por ervas daninhas, silvas e outros pequenos arbustos; - Anteriormente, o réu ou os seus ante possuidores sempre procederam à limpe- za do respectivo prédio, na estrema, e do muro, pelo menos uma vez por ano.

O contestou, impugnando a factualidade alegada pelos autores, pugnando pela improcedência da acção e peticionando a condenação daqueles como litigantes de má fé, em indemnização de montante não inferior a 1.500,00 €.

*** Por sentença de fls. 104 a 116, a acção foi julgada parcialmente procedente, com o seguinte segmento decisório: - Declarar reconhecido o direito de propriedade e a posse dos autores relativa- mente ao prédio rústico que ficou identificado; - Condenar o réu a reconhecer a propriedade dos autores sobre esse prédio; - Absolver o réu dos demais pedidos contra si formulados.

*** Os autores recorreram, pretendendo a revogação da sentença e que a acção seja julgada totalmente procedente, tendo alegado e retirado as seguintes conclusões: 1ª Os autores peticionaram que os réus fossem condenados: - A procederem à limpeza do seu prédio, na respectiva estrema nascente, bem como à limpeza do muro que o delimita, nessa mesma confrontação, designadamente dele extraindo raízes e todo o tipo de vegetação que no mesmo cresce, de modo a evitar o perigo e o dano que representa o facto de esse muro estar em risco de ruir; - A pagar-lhes a indemnização que vier a ser fixada, em ulterior liquidação, pelos anos em que estiveram privados de poderem tratar a ramada existente na confrontação poente do seu prédio; - A abster-se, no futuro, de violar, por qualquer forma, o direito de propriedade dos autores sobre o prédio identificado; 2ª Relativamente a tais pedidos foram os réus absolvidos; 3ª Ficou provado que “0 muro em causa apresenta sinais de algum desaba- mento de terras” (ponto 21), o que de forma objectiva representa um perigo para o prédio dos autores, pois tais terras caem nele, e que o réu “desde há 4 ou 5 anos não procede à limpeza do muro em causa” (ponto 19); 4ª O perigo que representa o muro com sinais de desabamento de terras, não tem enquadramento no preceituado no art. 1366º do Cód. Civil; 5ª Não podem os autores ser obrigados a consentir que, do muro, continuem a desabar terras para o seu prédio; 6ª Não é aos autores que compete limpar e reparar o muro, para que tal situa- ção tenha fim, é ao réu, dono dele, que compete evitar, prevenir e vigiar o perigo que actualmente o mesmo representa; 7ª Ao decidir em sentido contrário, está-se a dar cobertura a uma flagrante viola- ção do direito de propriedade dos autores e a uma situação que, nem o direito, nem a justiça consentem; 8ª Não se pode dizer que, com a cobertura do disposto no mencionado art. 1366º, os autores poderiam proceder ao corte das silvas e arbustos que, do muro do réu, ocupam o prédio deles e invadem a latada, impossibilitando que a mesma seja tratada, de modo a produzir uvas; 9ª Tal normativo, tem a sua ratio na faculdade de conferir, ao proprietário, a possibilidade de um aproveitamento agrícola do prédio até aos seus limites, ou seja até à linha divisória, plantando e semeando; 10ª ln casu, ficou provado que a latada do prédio dos autores se encontra parci-almente sobreposta por silvas, canas e arvoredo de pequeno porte, que brota desde o prédio do réu e do referido muro; 11ª As silvas, canas e arvoredo de pequeno porte não foram plantados, nem semeados, nem fazem parte de qualquer aproveitamento agrícola do prédio do réu e parte deles não se encontra na linha divisória (muro); 12ª Manter as silvas, canas e arvoredo de pequeno porte no prédio e no muro, que se sobrepõe à latada dos autores, não representa para o réu qualquer utilidade no aproveitamento do seu prédio, o que implica a não aplicabilidade do disposto no art. 1366º; 13ª O réu e seus antecessores sempre reconheceram (pontos 8 e 19 dos factos provados) a obrigação de manterem o muro limpo, de modo a não causar danos ou prejuízos aos autores, nomeadamente não pondo em causa a normal fruição da latada; 14ª O réu sempre reconheceu e assumiu tal obrigação de limpar e proceder à manutenção do muro, limpando-o, pelo menos, uma vez por ano; 15ª O art. 3º do Cód. Civil, refere que os usos, como é aqui o caso, se não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis; 16ª Sempre foi uso o réu limpar o muro, o que de nenhum modo é contrário aos princípios da boa fé, e, como tal, deve ser atendível juridicamente e aquele condenado a continuar a limpá-lo; 17ª A manutenção de silvas, canas e arvoredo de pequeno porte, que brotam do muro e do prédio do réu e que se sobrepõem à latada dos autores, é lesiva do direito de propriedade dos autores, mesmo que se venha a considerar o direito destes, nos termos do art. 1366º do Cód. Civil; 18ª A inutilização ou impossibilidade de aproveitamento pelos autores da latada viola, de forma grosseira, o direito de propriedade destes que devem ser indemnizados; 19ª O art. 70º, 2, do Cód. Civil, permite à pessoa ofendida ou ameaçada reque- rer as providências adequadas às circunstâncias do caso, sobretudo à defesa do seu direito de defesa de propriedade e do uso pleno dos seus bens; 20ª Nenhum direito assiste ao réu de permitir a invasão por silvas e arbustos do prédio dos autores, nem estes são obrigados a suportar tal situação; 21ª O recurso à acção directa por parte dos autores só poderia ter alguma eficá- cia se estes permanentemente, pelo menos uma vez por ano, procedessem, à sua custa, à limpeza do muro do réu; 22ª É impensável impor a um proprietário que, com periodicidade, tivesse que proceder à limpeza e remoção das silvas, arbustos e demais vegetação que impende sobre o seu prédio, só para evitar os prejuízos que insistentemente e de forma contínua o terceiro lhe está a causar; 23ª A recusa do réu a limpar o muro, que sempre limpou, representa uma con-duta incompatível com o uso, os bons costumes e com o fim social ou económico desse direito, por isso, abusiva, nos termos do art. 334º do Cód. Civil, o que sempre tornaria ilícita a conduta do réu; 24ª Conforme refere o Acórdão do STJ, de 24-02-1999, in BMJ 484, 246: “o abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal, quanto à intensidade ou à sua execução de modo a comprometer o gozo dos direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular e as consequências que outros têm que suportar”; 25ª O réu ao recusar-se a limpar o muro e a proceder à sua reparação, nas par- tes em que está a degradar-se, querendo atirar para cima dos autores esse ónus de limparem, pelo menos uma vez por ano, o dito muro e repará-lo, viola de forma fla- grante os usos e costumes que sempre praticou, utilizando o poder contido na estrutura do direito...

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