Acórdão nº 8/04.7TBEPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO B..., natural de Espanha, onde reside na Rua ....., Vigo, Espanha, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra o DR. C..., advogado, com escritório na Rua ......, Esposende, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 30.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação até integral pagamento.

Alega, em síntese, que foi vítima de um acidente de viação, ocorrido em 17.11.1996, em consequência do qual sofreu graves danos físicos, psicológicos e materiais e que, tendo em vista a reparação dos referidos prejuízos, mandatou o R. como advogado, a quem entregou a documentação necessária para a obtenção da indemnização pretendida, tendo outorgado a seu favor uma procuração em 13.01.1998. Contudo, em 10.10.2001, a A. continuava sem ver ressarcidos os seus prejuízos, apesar de ter solicitado ao R. informações sobre o decurso do processo.

Alega ainda que, por manifesta falta de diligência do R. na condução do processo bem como por demora injustificada na resolução do assunto, em meados de Outubro de 2001 revogou o mandato que conferira ao R., tendo obtido em “08.11.2002” acordo com a Seguradora D... em condições muito desfavoráveis, em virtude desta seguradora entender que a sua responsabilidade se encontrava prescrita, sem que tivesse sido praticado qualquer acto tendente à interrupção da prescrição, pelo que acabou por aceitar um valor que não reparou todos os prejuízos que sofreu.

Conclui ter sofrido um prejuízo efectivo que computa em € 30.000,00, da exclusiva responsabilidade do R.

* Regularmente citado o R. contestou, aceitando que assumiu perante a A. a obrigação de praticar os actos jurídicos tendentes a defender os legítimos interesses daquela e que, no exercício desse encargo, efectuou diversas diligências junto das seguradoras eventualmente responsáveis, sendo que a Cª de Seguros E... alegou que o capital seguro se havia esgotado com os restantes sinistrados e a Cª de Seguros D... declinou a sua responsabilidade durante vários meses, só vindo a assumi-la face às decisões proferidas em dois processos diferentes relativos ao mesmo acidente.

Alega ainda, que desenvolveu então diversos contactos telefónicos e pessoais com a seguradora, tendo conseguido que esta efectuasse uma avaliação médica à A., como era sua pretensão. Por outro lado, em Outubro de 2001, o R. tinha já preparada a petição inicial, pronta para dar entrada em Tribunal, tendo remetido cópia da mesma à Companhia de Seguros D... e à própria A., uma vez que esta fazia questão de fazer uma revisão prévia daquela peça processual. Porém, ao verificar que o R. já tinha a acção devidamente elaborada para dar entrada em tribunal, a A. decide revogar o mandato e confiar o assunto a outro mandatário, agora sem receio da prescrição.

Conclui pela improcedência da acção e requer a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros F..., para a qual transferira a sua responsabilidade profissional como advogado.

* Na réplica, a A. mantém a posição assumida na petição inicial, impugna os factos alegados pelo R., alegando que, pouco tempo depois de ter entregue o assunto a outro advogado, o assunto foi definitivamente negociado e resolvido com a D..., tendo porém sempre presente “o cutelo” da prescrição do seu direito à indemnização.

* Por despacho proferido a fls. 91 foi indeferido o incidente de intervenção principal deduzido pelo R. e, na sequência do despacho de fls. 116 a 118, aceitando o convite, veio a A. apresentar nova petição inicial, devidamente corrigida, à qual o R. renovou a contestação oportunamente apresentada.

* Foi proferido despacho saneador, fixada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, que não foram objecto de qualquer reclamação.

* Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, tendo o tribunal respondido à base instrutória nos termos constantes do despacho proferido a fls. 273 e ss., sem reclamações.

Foi proferida sentença, na qual o Réu foi absolvido do pedido.

* Inconformada, veio a Autora interpor recurso de apelação.

O recurso foi recebido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações deste recurso a apelante formula as seguintes conclusões (sic): 1 - O presente Recurso de Apelação é interposto da douta Sentença que nos autos em referência julgou totalmente improcedente a pretensão da A., ora Apelante, e absolveu do pedido o Réu, aqui Recorrido, bem como a reapreciação da prova gravada; 2 - Conforme resulta da douta Sentença, provou a Apelante a existência de um contrato de mandato com o Apelado, bem como os factos que estiveram na origem da celebração de tal contrato, tendo em vista a defesa dos seus interesses e a reparação dos seus prejuízos decorrentes do acidente de que foi vítima.

3 - Mais ficou provado que o acidente ocorreu em 17/11/1996 e que o contrato de mandato foi celebrado com o R. finais de 1997, inícios de 1998; 4 - Provado também que a A. outorgou em 13/01/1998 a procuração necessária á intervenção judicial do aqui R.; 5 - Ficou ainda provado que em Outubro de 2001 a aqui Apelante se não encontrava ainda ressarcida pela Seguradora D... dos danos e prejuízos que lhe foram causados pelo acidente referido.

6 - A Apelante celebrou contrato de mandato com o R. Apelado e outorgou procuração para efeitos judiciais, bem como provado fixou que durante cerca de 5 anos, e durante a pendência do contrato de mandato celebrado com o Apelado, a Apelante não viu ressarcidos os seus danos e prejuízos, nem intentada qualquer acção judicial para esse efeito; 7 - Se é certo que a Meritíssima Juiz a quo baseou a resposta data aos quesitos 10º, 22º, 23º, 24º, com fundamento exclusivo no depoimento da testemunha perito da seguradora, igualmente certo é que não atendeu aos depoimentos das testemunhas arroladas pela Apelante, que confirmaram as diversas insistências da Apelante para que o assunto fosse resolvido de uma forma ou de outra; 8 - São incorrectas as respostas dadas aos quesitos 8º, 9º, 22º, 24º, 32º, 34º e 37º da douta Base Instrutória, que estão em manifesta oposição com a prova produzida, nomeadamente testemunhal, em sede de Audiência de Julgamento; 9 - Sobre tais questões foram elucidativos os depoimentos das testemunhas arroladas pela Apelante, que supra se reproduzem e aqui dão por integralmente reproduzidos para tos os efeitos legais; 10 - Da correcta interpretação da prova produzida não pode deixar de se concluir de outra forma quanto ás consequências a retirar no plano do Direito, que não seja que, perante esta interpretação dos factos, o exercício pelo Apelado do contrato de mandato não foi correcto, adequado e de acordo com as normas que especificamente o regem e dos fins visados com a sua celebração.

11 - E do depoimento das testemunhas da A. – que atrás se transcreveram – deve concluir-se que a Apelante sempre manteve uma atitude colaborante, prontificando-se a efectuar os actos, exames e a prestar as demais informações solicitadas pelo Apelado, bem como a inércia do mesmo no exercício do aludido contrato de mandato.

12 - Por outro lado, é inegável que entre A. e Ré existiu uma relação contratual derivada de um contrato de mandato judicial; 13 - O mandato judicial é um contrato que constitui um negócio tipicamente privado, entre dois sujeitos privados e que configura poderes para que o advogado mandatário actue judicialmente em favor do constituinte que o contrata, competindo-lhe representar e defender os seus clientes junto dos tribunais, ou seja, exercer o mandato judicial.

14 - O que é igualmente facto inegável é que a A. dirigiu diversas comunicações ao R. relativamente ao exercício do contrato de mandato pelo R., e pedindo a sua resolução de forma adequada e célere, designadamente mediante a apresentação de acção judicial contra os responsáveis civis pelos danos para ela emergentes do acidente de viação de que foi vítima.

15 - A pretensão da A. deduzida nos presentes autos funda-se exclusivamente no contrato de mandato celebrado com o R. e na invocada responsabilidade profissional resultante da inércia ou inadequação do exercício do aludido contrato de mandato; 16 - Verificam-se todos os pressupostos da obrigação de indemnizar.

17 - Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida revela erro notório na apreciação da prova, pois descura aspectos essenciais dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento que, a serem valorados devidamente, culminariam necessariamente numa decisão diversa da que foi proferida.

18 - Não foram, por conseguinte, no que a esta matéria concerne, tidos em conta os depoimentos das testemunhas supra referidos em sede de Audiência de Julgamento.

19 - A douta Sentença revidenda não considera que atento o facto de se aplicar ao caso sub judice o artigo 799º do CC há uma inversão do ónus da prova.

20 - Se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do mandato que firmou com o cliente, constitui-se, para com ele, em responsabilidade civil contratual; 21 - Não resultou provado matéria que permita ao Tribunal concluir que o R. utilizou todos os meios ao seu dispor, e tratou com zelo a questão que lhe estava confiada, pelo que o R., ao ter assim agido, actuou de forma culposa - culpa essa que, aliás, se presume, já que estamos no âmbito da responsabilidade contratual, e que não logrou ilidir, cfr. artº 799º do C.Civil.

Nestes termos e nos melhores de Direito que doutamente se suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, com todas as legais consequências, nomeadamente a revogação e/ou anulação da Sentença revidenda, concluindo pela procedência do pedido da Apelante, com o que Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, farão, como sempre, verdadeira e sã JUSTIÇA.

* Não foram apresentadas contra-alegações.

* O recurso veio a ser admitido neste Tribunal da Relação, na espécie e com os efeitos e...

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