Acórdão nº 473/08.3TBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução14 de Dezembro de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A.. e marido B.. intentaram contra C.. e mulher D.., E.. e marido F.. e G.. e mulher H.., acção com processo sumário em que pedem que se declare que os autores têm direito de preferência na venda do prédio identificado na petição e, em consequência, se adjudique aos autores o referido prédio, preferência essa que lhes é conferida pelo artigo 1380.º, n.º 1 do Código Civil.

Os autores depositaram a quantia global de € 7011,03, relativa ao valor da compra, despesas notariais, IMT e despesas com o registo predial.

Contestaram os segundos réus/compradores alegando que o prédio em questão nos autos se encontra encravado entre um regato, o prédio dos autores e quatro prédios pertencentes aos contestantes, sendo que onera com servidão de passagem oito prédios pertencentes aos contestantes, pelo que a preferência na alienação do mesmo sempre seria dos réus contestantes. Além do mais, o prédio em causa nos autos confronta a norte com outro prédio dos contestantes, que tem a área de 5680 m2, pertencendo-lhes, também por aí, o direito de preferência, nos termos do artigo 1380.º n.º 2, alínea b) do Código Civil. Finalmente, alegam que o prédio em litígio foi oferecido aos autores pelo preço e pelas condições pelas quais foi vendido, não tendo os autores manifestado vontade de preferir.

Responderam os autores, impugnando a matéria de facto alegada pelos contestantes, designadamente quanto à propriedade dos prédios confinantes e às suas áreas, bem como à alegada servidão de passagem, alegando, ainda, a existência de um curso de água a dividir as propriedades dos réus.

Foi elaborado despacho saneador, sem selecção da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 787.º do CPC.

Efectuou-se inspecção ao local e levantamento topográfico dos prédios.

Após julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos contra eles formulados.

Discordando da decisão, vieram os autores interpor recurso, tendo formulado as seguintes Conclusões: 1. O Direito de preferência em causa tem a sua origem na Lei 2116 de 14 de Agosto de 1962.

  1. Segundo a Base VI, n.º 1 dessa lei, os proprietários dos terrenos confinantes com um prédio rústico alienado gozavam do direito de preferência desde que esse prédio tivesse área inferior à unidade de cultura.

  2. Com a entrada em vigor do Código Civil, artigo 1380 n.º 1, o direito de preferência só passou a aproveitar aos proprietários de prédios confinantes com a área também inferior à unidade de cultura.

  3. Preceitua hoje o artigo 18 n.º 1, do DL n.º 384/88 de 25 de Outubro, que “os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.

  4. Na génese deste diploma legal, esteve uma profunda preocupação com o progresso da agricultura portuguesa, tendo como principal objectivo orientar este progresso no sentido de aumentar a produção no sector agro-alimentar, em ordem a satisfazer as necessidades do país e a reduzir o volume de bens importados, rentabilizando os meios de produção, aumentando a competitividade da actividade agrícola, proporcionando à população rural um nível de vida mais próximo dos padrões verificados noutros sectores de actividades.

  5. Tal preocupação resulta inequivocamente do preâmbulo do DL supra referido.

  6. Este progresso tão desejado encontrou desde cedo um entrave originado pela fragmentação e dispersão da propriedade e das explorações agrícolas.

  7. No sentido de obviar a esta condicionante negativa, entendeu o legislador estabelecer como principio subjacente ao normativo legal transposto no artigo 18 do diploma em análise e no artigo 1380 n.º 2 a) e c) do código Civil, por remissão daquele, o de contribuir para a concentração da propriedade, tendo em conta os referidos interesses agrários, promovendo o reagrupamento espontâneo da propriedade, “ por forma a que a transmissão de qualquer terreno implicasse a sua aquisição por um proprietário confinante, e havendo vários, por aquele que mais benefícios alcançasse e mais vantagens oferecesse, sob o ponto de vista da estrutura agrária local” Neste sentido Ac. Rel. Coimbra de 12 de Setembro de 2006 (jusnet4762/ 2006) e ainda (parecer n.º 32/VII, da Câmara Corporativa, de 21-04-60, sobre o projecto de Decreto de Lei de que resultou, mais tarde, a lei n.º 2116, de 15-06-62) primeiro diploma que estabeleceu as bases a que deveria obedecer o emparcelamento da propriedade rústica, com vista a conseguir explorações, economicamente rentáveis.

  8. O direito de preferência baseado na confinância de prédios “integra-se assim num conjunto de medidas legais tendentes a combater a excessiva pulverização da propriedade rústica, que oferece inconvenientes, de ordem económica, pela menor produtividade dos prédios, quando estes se reduzem a proporções muito limitadas”.

  9. “Os objectivos da Lei, ao permitir a unificação de terrenos confinantes, são os de evitar a dispersão e de conseguir formar prédios com dimensão óptima, tornando-os, assim, mais rentáveis e produtivos. Ac. Rel. Coimbra 12 de Setembro de 2006.

  10. Uma vez esclarecidos os princípios subjacentes ao direito de preferência consagrado nas disposições combinadas dos artigos 1380 n.º1 do Cód. Civil e 18.º n.º 1, do Dl n.º 384/88, de 25 de Outubro (Lei do emparcelamento), a solução que se pretende ver esclarecida com a presente alegação é a de saber se aquele direito de preferência só será concedido quando a venda é feita a quem não seja proprietário confinante com o prédio vendido, ou se, sendo vários os proprietários confinantes a pretenderem comprar aquele prédio, existe um direito recíproco entre proprietários confinantes, sendo critério decisivo da atribuição do direito de preferência (não se tratando da venda de prédio encravado), a obtenção de área que mais se aproxime da unidade de cultura.

  11. “A letra da lei, que tem de ser entendida em termos convenientes e razoáveis, impostos pelas regras da interpretação, não afasta o que o espírito do legislador reclama, a bem do princípio da unidade do sistema jurídico, consagrado no artigo 9º do código civil, ou seja, que sendo vários os prédios confinantes, a cada um dos respectivos proprietários assiste um direito de preferência autónomo e distinto, limitando-se a lei a estabelecer, nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1380, do Código Civil um critério de prioridade entre vários os preferentes (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, III, 1987, 274; RC, de 16/11/82, Cj, ano VII, T5, 26; RC, de 17/02/78, CJ, ano III, T2, 272; Rp, de 6/2/76, CJ, Ano I, T1, 96).” 13. São requisitos do direito real de preferência, a que alude o artigo 1380º, do CC, a existência de dois prédios confinantes que pertençam a proprietários diferentes, que ambos sejam aptos para cultura, sem que os dois atinjam ou transcendam os limites da área mínima de cultura, que um deles tenha sido vendido ou dado em cumprimento, que o preferente seja dono do prédio confinante com o prédio alienado, e que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante ou, sendo-o, na hipótese de concurso de preferentes proprietários de prédios confinantes, não se tratando de um caso de alienação de prédio encravado, aquele que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura, para a respectiva zona.” 14. A venda de prédio rústico a proprietário de prédio com aquele confinante não afasta, por...

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