Acórdão nº 6132/08.0TBBRG de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelMANSO RAÍNHO
Data da Resolução14 de Dezembro de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência na 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães: "A" intentou acção sumária, ao abrigo do art. 146º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e por apenso aos autos da insolvência de "D", correntes pelo 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, contra "B", "C" e "D" e mulher "E", peticionando que fosse reconhecido a seu favor, para ser graduado no lugar devido, o crédito de €60.000,00, bem como que fosse reconhecido direito de retenção sobre o prédio que indica.

Alegou para o efeito, em síntese, que o insolvente e mulher lhe prometeram vender a fracção autónoma que especificam, cuja posse lhes foi conferida, tendo sido passado o sinal de €30.000,00. Sucede que o promitente vendedor veio a ser declarado insolvente e o Administrador da Insolvência decidiu não cumprir o contrato. O incumprimento da promessa implica a devolução à Autora do dobro da quantia do sinal prestado e confere direito de retenção sobre a coisa.

Os demandados foram citados, sendo os credores por via edital conforme o estabelecido no nº 1 do art. 146º do CIRE.

Não foi apresentada qualquer oposição.

Foi de seguida proferida sentença que julgou procedente o pedido.

Inconformada com o assim decidido, apela a credora Caixa Geral de Depósitos, S.A.

Da sua alegação extrai as seguintes conclusões: 1ª. O contrato-promessa de compra e venda relativa à identificada fracção é de natureza meramente obrigacional, porquanto não foi celebrado por escritura pública nem sujeito a registo.

  1. A discussão dos autos prende-se com a disciplina legal a aplicar aos negócios em curso à data dessa declaração, cujo cumprimento foi recusado pelo Administrador de Insolvência.

  2. Tais contratos estão sujeitos à disciplina legal específica, consagrada nos artºs 102º a 119º do CIRE.

  3. O actual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), que sucedeu ao revogado Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), veio instituir uma nova filosofia (“autónoma e distinta”) que visa, fundamentalmente, garantir os direitos dos credores na sua globalidade, razão pela qual estes passam a ter um papel absolutamente preponderante e definitivo nas decisões a tomar em sede insolvencial, mormente no que concerne aos destino dos negócios em curso, o que justifica que o Administrador de Insolvência surja com poderes reforçados relativamente aos seus anteriores congéneres (Administrador Judicial e Liquidatário Judicial).

  4. No que concerne aos negócios em curso à data da declaração de insolvência, foi introduzido um princípio geral no artº 102º do CIRE segundo o qual cabe ao Administrador de Insolvência optar pelo cumprimento ou recusa do cumprimento dos contratos.

  5. Em caso de recusa do cumprimento por parte do Administrador, a indemnização à contraparte está limitada “ao valor da prestação do devedor, abatido do valor da contraprestação de que a outra parte ficou exonerada…”, pelo que, e citando Menezes Leitão, “a denominada recusa de cumprimento gera uma indemnização por incumprimento, em que o legislador manda aplicar integralmente a teoria da diferença”.

  6. Em sede de princípio geral, optando o Administrador de Insolvência pela recusa do cumprimento do negócio em curso, por assim entender ser mais vantajoso para a pluralidade de credores, o valor da indemnização à contraparte fica limitado ao dano provocado, ainda que com significativas restrições.

  7. Para além disso, o crédito indemnizatório resultante da opção pelo não cumprimento do contrato é um crédito sobre a insolvência (artº 102º, nº 3, alínea d), iii)), de natureza comum, como, aliás, expressamente o referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda em CIRE Anotado, nota 10 ao artº 102º.

  8. Para além do princípio geral postulado pelo artº 102º do CIRE, o artº 119º do mesmo diploma vem atribuir carácter absolutamente imperativo às disposições constantes dos artºs 102º a 118º, sendo nula qualquer convenção ou cláusula que exclua ou limite o seu âmbito de aplicação.

  9. Esta expressa menção a cláusulas ou convenções é necessariamente extensível a disposições de carácter legal, constantes de lei geral, que postulem regimes indemnizatórios diversos do estabelecido nesta especial lei do regime insolvencial, em obediência ao princípio da derrogação da lei geral por lei especial.

  10. O tratamento legal a dar aos negócios em curso à data da declaração de insolvência obedece ao princípio geral constante do artº 102º do CIRE, com as excepções previstas nos artigos subsequentes e só com essas excepções, por força da limitação imposta pelo artº 119º.

  11. O contrato-promessa de compra e venda que motiva o presente recurso é de natureza meramente obrigacional (ou seja, sem eficácia real), com tradição da coisa prometida vender (in casu, as fracções prediais), em que o insolvente ocupa a posição de promitente vendedor.

  12. O anterior CPEREF abordava as promessas de contrato no seu artº 164º-A, introduzido pelo DL 315/98, que estabelecia dois específicos regimes para os casos de promessa com eficácia real (nº 2 do artº 164º-A) e para os casos de promessa sem eficácia real (nº 1 do mesmo artigo).

  13. No caso de promessa com eficácia real, o legislador do CPEREF consignou o direito do promitente-comprador à celebração do contrato ou à respectiva execução específica, mantendo o falido promitente alienante vinculado à celebração do negócio. Esta norma do nº 2 do artº 164º-A do CPEREF foi adoptada pelo legislador do CIRE que, com a introdução do requisito da tradição, a consagrou no artº 106º, atribuindo assim ao contrato-promessa de compra e venda com eficácia real e com traditio um tratamento especial (o do artº 106º) e diferenciado (por referência à regra geral do artº 102º).

  14. No caso de promessa sem eficácia real, o CPEREF, no seu artº 164º-A, nº 1, postulava a regra da respectiva extinção ipso iure com a declaração de falência, com restituição ao promitente-comprador do dobro do sinal prestado.

  15. Optou o legislador de então (o do CPEREF) pela manutenção do regime geral constante do art 442º do Código Civil, razão pela qual tem vindo a ser dominante (mas não unânime) o entendimento segundo o qual, na vigência do CPEREF, o beneficiário da promessa (sem eficácia real) que obteve a tradição da coisa goza do direito de retenção que lhe é conferido pela alínea f), do nº 1, do artº 755º do Código Civil, exactamente enquanto medida de protecção do direito ao crédito resultante do artº 442º.

  16. Sucede que esta norma do nº 1,do art 164º-A do CPEREF não foi transposta para o CIRE. Por isso, tendo o legislador do CIRE fixado um regime geral para os efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso ao qual atribui natureza imperativa (salvo as excepções consagradas no próprio CIRE) e tendo tomado a opção expressa de não consignar qualquer regime especial ou de excepção...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT