Acórdão nº 2537/21.9T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução25 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 2537/21.9T8STB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I – RELATÓRIO 1.

O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do Estado - Ministério das Finanças – Serviços Sociais da Administração Pública (SSAP), instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o CENTRO HOSPITALAR DE SETÚBAL, E.P.E., pedindo que: «a) Seja qualificado o “Protocolo” celebrado entre o CHS e os SSAP, como contrato de comodato, artºs 1129 e sgts do C.Civil; b) Seja declarada sem justa causa a denúncia unilateral efetuada pelo CHS do Protocolo de Cooperação e anexos celebrado em 01.02.1994, artº 1140 C. Civil; c) Ainda que se considere assistir direito ao CHS para denunciar unilateralmente o Protocolo, seja declarado que o mesmo agiu com abuso de direito, nos termos do disposto no artº 334 do C.Civil, ao “venire contra factum proprium” e de má fé, pois manteve a convicção nos SSAP de que o Protocolo se manteria, razão pela qual estes efetuaram avultados investimentos nas instalações, e sem que nada o fizesse prever, concederam um prazo exíguo para o abandono das instalações; d) Em consequência, nos termos dos artºs 562, 563, 564 e 798 do C. Civil, seja o CHS condenado no pagamento da indemnização pelos danos emergentes e lucro cessante, no valor de 25.000,00€; - E ainda na obrigação de indemnizar, nos termos do enriquecimento sem causa, nos termos dos artºs 1138 e 1273 do C. Civil, as benfeitorias necessárias efetuadas nas instalações das “Casas do Outão” pelos SSAP, no valor de 150.667,69€».

Em fundamento, alegou que, no dia 1 de fevereiro de 1994, foi celebrado entre os então denominados Serviços Sociais do Ministério da Saúde e o Hospital Ortopédico do Outão, um “Protocolo de Cooperação”, em cujos termos o Hospital Ortopédico do Outão cedeu aos Serviços Sociais do Ministério da Saúde, instalações que se encontravam devolutas e, em ordem a obviar à sua degradação, designadamente, os espaços denominados “Lar das Enfermeiras” e “Casas do Faroleiro”, podendo ainda ser extensivo ao “Conventinho”, instalações que estavam na área do Hospital, em Setúbal.

Os Serviços Sociais, em contrapartida, procederiam à recuperação dos referidos espaços a fim de neles implantarem equipamentos sociais, inseridos no âmbito das suas atribuições.

Tal Protocolo foi complementado por Aditamentos celebrados em 02.01.1996, em 16.10.1997, e em 01.06.1998, sendo que o mesmo não estabelecia prazo de validade nem qualquer contrapartida monetária pela utilização dos espaços.

Sendo atribuições dos SSAP, além do mais, desenvolver um sistema de ação social complementar da generalidade dos trabalhadores da administração pública e no seu âmbito, os SSAP, e as entidades que os antecederam, desde a celebração do Protocolo e ao longo dos anos, procederam à reabilitação e recuperação totais das referidas instalações, constituídas por apartamentos, moradias e espaços exteriores envolventes, bem como a todas as obras de manutenção necessárias.

Uma vez que as instalações colocadas à disposição se encontravam degradadas e devolutas, os então Serviços Socias do Ministério da Saúde efetuaram ali um avultado investimento inicial e posteriormente, as entidades que lhe sucederam continuaram a realizar obras de restauro e recuperação, por forma a poderem fazer o seu uso.

Assim, para além da recuperação inicial das instalações, nos anos de 2007/2008, após a formação dos SSAP, foram efetuadas, de novo, reparações globais nos Apartamentos e Casa do faroleiro, tendo para o efeito sido substituídas todas as canalizações, casas de banho, chão e reparação das paredes, portas, janelas, etc..

Tais instalações eram usadas pelos SSAP como equipamento de lazer utilizado pelos seus beneficiários e ainda por familiares de doentes do Hospital do Outão, conforme ficou acordado no Aditamento ao Protocolo de 16.10.1997.

Em 2011, os SSAP efetuaram pequenas reparações nos apartamentos do Outão e procederam ainda à impermeabilização do local sito entre os quartos dos apartamentos e uma antiga parede situada por detrás dos mesmos, em face de uma infiltração aí existente; em 2015, fizeram obras de beneficiação e recuperação das casas do Outão, em 2016 e 2017, efetuaram ali reparações diversas, e em 2017, sendo que de todas as obras era dado conhecimento ao Eng.º do Património do Outão, tendo o Hospital do Outão ou o Centro Hospitalar de Setúbal dado a sua autorização, nunca tendo manifestado qualquer desacordo ou descontentamento com tal realização, sendo as mesmas necessárias e indispensáveis à utilização e manutenção das instalações com condições de habitabilidade e conforto para acolher os hóspedes, beneficiários dos SSAP e familiares e doentes do Hospital do Outão.

Mais alegou que, nessas obras realizadas entre 2007 e 2018[3], que discriminou, foram despendidos 150.667,69€, tendo direito ao ressarcimento desse valor, porque sem a realização de tais obras não poderiam os SSAP fazer uso das instalações para os fins que se encontravam vocacionados estatutariamente, uma vez que, em face da degradação das mesmas, se encontravam sem condições de habitabilidade e fruição.

Em 10.08.2017, o Centro Hospitalar de Setúbal EPE comunicou ao Presidente do SSAP a denúncia unilateral do Protocolo de Cooperação celebrado em 01.02.1994, concedendo o prazo de 4 meses para a entrega das instalações, invocando os seguintes fundamentos: 1- “O CHS não é detentor de seguro de responsabilidade civil, por acidentes ocorridos nas instalações e áreas circundantes do Hospital Ortopédico de Santiago do Outão; 2- Verificam-se problemas de canalização nos apartamentos, por cima do Serviço de Contencioso, com risco de segurança para os trabalhadores que ali prestam serviço; 3- Existe manifesta incompatibilidade entre as duas atividades, de lazer e missão hospitalar; 4- Incumprimento de condições mínimas de boa vizinhança, por parte dos beneficiários, designadamente no que respeita às normas de estacionamento; 5- A praia privativa do HOSO não possui qualquer meio de segurança/socorro; 6- A existência de uma dívida de 14.198,10€ por parte dos SSAP, com violação do nº 9 do Protocolo”.

Porém, os SSAP sempre cumpriram com os seus deveres e diligenciaram pelo respeito das regras do Hospital, por parte dos beneficiários, nunca tendo o CHS manifestado anteriormente qualquer desagrado por tal utilização, o que os faz concluir não assistir qualquer razão ao CHS nos motivos invocados para justificar a denúncia do Protocolo.

O facto de o CHS não possuir seguro de responsabilidade civil, nunca foi relevante, já que os SSAP sempre arcaram com a responsabilidade pelos seus beneficiários, a qual se enquadra nas suas competências legais.

Além de que recentemente, os SSAP celebraram contrato de seguro por acidentes pessoais, com a Companhia de Seguros Tranquilidade.

Paralelamente, os SSAP sempre procederam às reparações nas instalações de que faziam uso, pelo que, a existirem problemas com canalizações na zona dos apartamentos, estas não se encontravam localizadas na sua área de intervenção. Tão pouco se verificou alguma interferência entre a área de lazer dos beneficiários e a unidade hospitalar, porque o uso se fazia de forma autónoma, sem prejuízo para qualquer um. E no que respeita à dívida reclamada, os SSAP não receberam qualquer comunicação de que tais montantes se encontravam em dívida, nunca se tendo escusado aos pagamentos desde que solicitados para o efeito.

Caso se entenda assistir razão à denúncia unilateral do Protocolo, os SSAP têm o direito de ser ressarcidos dos valores que despenderam nas obras de restauro, reparação, e beneficiação levadas a cabo nas instalações, necessárias para a sua fruição, mas que não podem ser levantadas pelos SAAP, encontrando-se valorizadas no valor das obras aí desenvolvidas, à data em que fizeram entrega das instalações, no dia 30.01.2018, tendo retirado das mesmas apenas os móveis e objetos de sua pertença, deixando-as, pois, com todas as melhorias, recuperação e restauros efetuados, necessárias para a fruição das instalações, em estado cuidado e apto a ser-lhe dado qualquer uso.

Por outro lado, a denúncia do protocolo, sem que nada a fizesse prever, desencadeou o cancelamento de todas as reservas de uso pelos beneficiários, já existentes para o ano de 2018, que vieram a ser reembolsadas, no valor de 3.610,69€, sendo que se estima que os SSAP deixaram de receber no ano de 2018, 34.419,95€.

Mais invocou que ao denunciar o Protocolo o R. incorreu na responsabilidade de indemnizar os SSAP pelos danos emergente e lucro cessante, que se avaliam em 25.000,00€.

2.

Regularmente citado, o réu contestou, impugnando motivadamente os factos atinentes aos fundamentos para denúncia do “Protocolo”, defendendo que, tratando-se de um contrato de comodato, era legítimo ao réu pôr-lhe termo, o que exclui qualquer ilicitude e consequentemente qualquer responsabilidade indemnizatória. Mais invocou que, ainda que existisse o direito ao pagamento do crédito que a Autora reclama para compensação das obras realizadas, o mesmo encontra-se prescrito por força do disposto no artigo 482.º do Código Civil[4].

No que respeita ao pedido de pagamento de benfeitorias alegou ainda que as obras de adaptação realizadas pelos Serviços Sociais constituíram uma condição contratual prévia à utilização cedida para os fins do comodato, pelo que discorda da qualificação das obras como benfeitorias. Acresce que, sendo um contrato de comodato, os SSAP apenas teriam direito a reaver as benfeitorias necessárias e a levantar as benfeitorias úteis, ou, em alternativa, a receber o valor destas segundo as regras do enriquecimento em causa. Porém, as obras levadas a cabo visaram a habitabilidade e fruição dos apartamentos, indispensáveis à sua utilização como equipamentos sociais e para através da sua exploração, auferir lucros, pelo que não tinham como finalidade a conservação ou melhoramento dos locais em que foram...

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