Acórdão nº 2323/22.9T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução26 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA e mulher, BB, intentaram, no Juízo Local Cível ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca ..., o presente procedimento cautelar não especificado contra CC e marido, DD, formulando os seguintes pedidos: 1 – Ser decretada a medida cautelar de recolha e de guarda dos 2 (dois) animais de estimação “Serra da Estrela” dos requeridos, um macho e uma fêmea, ou outros quaisquer animais de companhia que os requeridos venham a ter, no topo poente esquerdo da propriedade dos requeridos (o extremo oposto à propriedade dos requerentes) - assinalado no documento nº ... em anexo, com círculo, a cor vermelha - em local a construir/ a adquirir pelos requeridos para o efeito, no prazo máximo de 10 dias após o decretar da presente providência cautelar, no seguinte período: - Dias úteis: período compreendido entre as 20.30h até às 7.30horas; - Dias não úteis (fins de semana e feriados): período compreendido entre as 20.30horas e as 9.00horas.

2 – Ser decretada medida cautelar de sanção pecuniária compulsória, no quantitativo diário de 100,00 € (cem euros), por cada dia de incumprimento dos requeridos da obrigação de recolha e guarda dos animais de companhia.

Alegam, para o efeito e em síntese, que os requeridos residem uma casa contígua à sua e que são proprietários de dois cães adultos de raça “Serra da Estrela” que permanecem na propriedade, dia e noite, sendo que, a partir do ano de 2020, os animais em causa passaram a ladrar diariamente, contínua e persistentemente, com início à chegada a casa dos requeridos (pelas 18.30/19.00h), intensificando-se pelas 20.30horas e até as 02.00h da madrugada, comportamento esse que perdura até às 6.00h/6.30h da madrugada, e que o fazem no jardim frontal e no passeio da casa dos requeridos (com cota mais alta que a da casa dos requerentes), de frente para a residência dos requerentes, que fica a menos de cinco metros de distância destes últimos.

A requerente mulher tem uma necessidade acrescida de repouso por força de um grave problema de saúde de que foi acometida em 2018. Cerca de um ano após a privação regular de repouso, provocada pelo ladrar contínuo dos referidos animais, a sua situação clínica agravou-se, sendo que, actualmente, só adormece com o auxílio de medicação para o efeito, e também carece da toma de medicação para o controlo do seu estado de ansiedade diurno.

A situação descrita agita e perturba os dois filhos menores (EE, com 9 anos, e ..., com 4 anos, respectivamente) do casal na hora de dormirem, tanto assim que o mais velho passou a tomar medicação natural para a indução mais precoce do sono, ao que acresce que, em consequência do comportamento dos animais, deixaram de frequentar a sala de estar, onde permaneciam até à hora de se deitarem.

*Citados, os requeridos deduziram oposição, pugnando pela improcedência do procedimento cautelar (ref.ª ...15 - fls. 27 a 33).

Para tanto alegaram, em resumo, que, segundo o alegado pelos requerentes, os factos descritos na petição inicial já ocorrem há vários anos, pelo que não se verifica um dos requisitos de que depende o decretamento das providências requeridas, seja ele o do fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do direito invocado, ao que acresce que, desde Junho de 2021, os requeridos vêm guardando os seus cães durante a noite, resolvendo a situação.

No mais, impugnam a versão factual descrita pelos requerentes na petição inicial, alegando ser falso que os cães ladram diariamente e de forma ininterrupta, e que ladram, sim, quando vêem alguém estranho, quando existem barulhos estranhos, quando alguém bate ao portão, quando estão na presença de gatos no quintal ou no caminho, ou quando são provocados por alguém, como sucedeu com o filho dos requerentes, que, em meados de Junho de 2022, mandou um pau para acertar na cadela, ao que acresce que a mãe e o irmão do requerente, que residem praticamente em frente dos requeridos, são proprietários de um conjunto de gatos que andam continuamente soltos no caminho e frequentemente tentam e passam, muitas vezes, para o quintal dos requeridos, o que faz com que os cães ladrem.

*Foi realizada a audiência final (ref.ªs ...92, ...91 e ...03).

*Posteriormente, o Tribunal “a quo” proferiu decisão, em que, na procedência parcial do procedimento cautelar, decidiu (ref.ª ...42 - fls. 44 a 52): «1. Determinar que os requeridos CC e DD recolham e guardem, designadamente na sua casa de habitação, entre as 21h00m e as 7h00m, por forma a que não prejudiquem ou perturbem, com o seu latido, o descanso e o sono dos requerentes, os dois cães identificados no elenco de factos sumariamente provados.

  1. Condenar os requeridos CC e DD no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 100,00 € (cem euros) por cada dia que violem o dever referido em 1. 3. Indeferem-se os restantes pedidos formulados pelos requerentes.

    Custas por requerentes e requeridos, na proporção de 1/5 e de 4/5, respectivamente.

    Registe e notifique, sendo ainda os requeridos de que incorrem na pena do crime de desobediência qualificada se infringirem a providência cautelar decretada, considerando o disposto no artigo 375.º do CPC».

    *Inconformados com esta decisão, os requeridos dela interpuseram recurso e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (ref.ª ...52 - fls. 53 a 96): «1. O presente recurso tem como objeto a declaração de nulidade da sentença, a reapreciação da matéria de facto e a incorreta aplicação do Direito aos factos dados como provados.

  2. O tribunal “a quo” deu como provados entre outros os seguintes factos: 13. Em data não concretamente apurada do ano de 2020, os referidos cães passaram a ladrar diariamente, de forma persistente, o que sucede quando os requeridos chegam a casa, ou seja, pelas 18h30m/19h00m, até às 6h00m/6h30m da madrugada 14. Os dois cães ladram num volume muito alto e, por vezes, em uníssono.

  3. E fazem-no habitualmente no jardim frontal da casa dos requeridos, de frente para a residência dos requerentes, ou no passeio da propriedade dos requeridos, de frente para a residência dos requerentes.

  4. Os jantares dos requerentes são sempre perturbados pelo ladrar dos referidos cães, o que dificulta a comunicação da família no horário de reunião familiar, obrigando-os a jantar apressadamente, com desagrado e com tristeza.

  5. Por não conseguirem suportar o ladrar dos dois cães dos requeridos, os requerentes deixaram de frequentar a sala de estar, como costumavam fazer, ou seja, após o jantar e o adormecer das crianças, onde costumavam ver televisão juntos e onde permaneciam até à hora de se deitarem, acabando por colocaram televisão no seu quarto de dormir, um pouco mais afastado do local de onde os dois animais ladram.

  6. A requerente mulher só adormece após a toma da medicação que foi forçada a iniciar para o efeito, fruto do comportamento dos referidos animais.

  7. Por outro lado, o ladrar diário dos dois cães, no horário de adormecer dos dois filhos dos requerentes, agita e perturba o mais velho, impedindo-o de adormecer quando se prepara para o fazer, deixando-o agitado.

  8. A requerente mulher, no ano de 2018, sofreu um aneurisma cerebral.

  9. Tal situação de saúde deixou a requerente mulher em risco de vida, tendo sido hospitalizada por um período não concretamente apurado, deixando sequelas.

  10. Em consequência disso, a requerente mulher é portadora de uma incapacidade permanente global, susceptível de variação futura, de 61%.

  11. A requerente mulher, por força do referido, tem uma necessidade acrescida de repouso.

  12. Cerca de um ano após a privação regular de repouso da requerente mulher, provocada pelo ladrar dos dois cães dos requeridos, a requerente mulher começou a acordar, diariamente, com vómitos, tonturas e com náuseas.

  13. A requerente mulher precisou também de recorrer a ajuda médica especializada em virtude de ter sido afectada no seu estado geral de saúde, fruto do estado de ansiedade causado pela impossibilidade do suficiente descanso à sua reparação diária, atenta a sua condição de saúde.

  14. Assim, a requerente mulher iniciou a toma de psicofármacos em Agosto de 2021, que mantém até hoje.

  15. E teve necessidade de recorrer a acompanhamento de psiquiatria, para além do acompanhamento de neurologia que mantém desde que sofreu o aneurisma.

  16. A requerente mulher temer o agravamento do seu estado de saúde e, inclusive, teme pela sua vida, caso esta impossibilidade de repouso/descanso se prolongue.

  17. Os cães dos requeridos apenas ladram quando veem alguém estranho, quando existem barulhos estranhos, quando alguém bate ao portão, quando estão na presença de gatos no quintal ou no caminho, ou quando são provocados por alguém.

  18. Os requeridos trabalham todo o dia e têm filhos menores em idade escolar.

  19. A partir do mês de Junho de 2021, os requeridos passaram a guardar os cães durante a noite, entre as 23h00m e as 7h00m, pelo que durante esse período os animais não ladram.

  20. Os factos considerados provados estão em clara oposição entre si e alguns deles com a decisão, consubstanciando a nulidade prevista no artº615º nº1 al.c) do C.P.C..

  21. No facto 13 considerou-se provado que: “Em data não concretamente apurada do ano de 2020, os referidos cães passaram a ladrar diariamente, de forma persistente, o que sucede quando os requeridos chegam a casa, ou seja, pelas 18h30m/19h00m, até às 6h00m/6h30m da madrugada” 5. Por seu turno nos factos 29 e 31 consignou-se apurado que: “29. Os cães dos requeridos apenas ladram quando veem alguém estranho, quando existem barulhos estranhos, quando alguém bate ao portão, quando estão na presença de gatos no quintal ou no caminho, ou quando são provocados por alguém”.

  22. Ora, não é possível que os cães ladrem diariamente de forma persistente (facto 13) e ladrem apenas quando veem alguém estranho, quando existem barulhos estranhos, quando alguém bate ao portão, quando estão na presença de gatos no quintal ou no caminho, ou quando são provocados por alguém (facto 29), ou...

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