Acórdão nº 1351/21.6T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO AA e BB intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra CC e mulher DD, pedindo que:

  1. Se considerem impugnados, para todos os efeitos legais, os factos justificados na escritura pública de justificação outorgada a 5 de Novembro de 2019, no Cartório Notarial ..., sito na Avenida ..., Edifício ..., loja ..., em Chaves, exarada de folhas trinta e seis a folhas trinta e sete - verso do livro de notas para escrituras diversas número sessenta e três - B; b) Seja declarada ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial de forma a que os RR. não possam, através dela, registar qualquer direito sobre o prédio rústico, situado no lugar ..., actualmente freguesia ... (..., ..., ... e ...), concelho ..., composto de vinha, olival e terra de cultivo, com a área de dezanove mil duzentos e oitenta e quatro metros quadrados, a confrontar do norte com ... e ..., nascente com EE, sul com caminho público e poente com FF e Junta de Freguesia ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...95 e anteriormente inscrito na matriz rústica da freguesia ... (extinta) sob o artigo ...97, com o valor patrimonial de € 1.385,54; c) Seja cancelado qualquer registo efectuado com base no documento aqui impugnado.

    Para tanto alegam, em síntese, que em 5 de Novembro de 2019 os RR. outorgaram escritura pública na qual declararam que são donos e legítimos possuidores do prédio rústico identificado no artº. 2º da petição inicial, que o mesmo não está descrito na Conservatória do Registo Predial ... e que não têm qualquer título formal de onde resulte pertencer-lhes o direito de propriedade sobre o prédio, mas que iniciaram a sua posse por volta do ano de 1988, altura em que o adquiriram por compra meramente verbal a GG e mulher HH.

    Mais declararam que, desde aquela data, têm sempre usado e fruído o prédio, cultivando-o, colhendo os seus frutos, pagando todas as contribuições por eles devidas e fazendo essa exploração com a consciência de serem os seus únicos donos, à vista de todo e qualquer interessado, sem qualquer tipo de oposição há mais de 20 anos, o que confere à posse a natureza de pública, pacífica, contínua e de boa fé, razão pela qual adquiriram o direito de propriedade sob o referido prédio por usucapião.

    Sucede que as declarações dos RR. na referida escritura não correspondem à realidade, porquanto aqueles não são, nem nunca foram, titulares de qualquer direito sobre o referido prédio, o qual, aliás, se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ..., com inscrição de aquisição do direito de propriedade a favor do Autor.

    Referem, ainda, que o prédio rústico descrito na escritura de justificação notarial aqui impugnada integra e faz parte do prédio misto identificado no artº. 26º da petição inicial, tendo o A. adquirido o direito de propriedade sobre este prédio através de uma doação feita pelos seus avós GG e HH, por escritura pública datada de 1972.

    O A. marido, por si e pelos seus antecessores, sempre ocuparam e administraram o referido prédio, limpando-o, conservando-o, retirando dele os frutos e rendimentos, ou consentido que o façam, pagando as respectivas contribuições o que sucede há mais de 50 anos, à vista de todos, sem oposição de quem quer que fosse, de forma ininterrupta e consecutiva, na convicção e intenção de que o prédio lhes pertencia.

    Os RR. eram vizinhos do A. marido, sendo que este, no ano de 1991, autorizou os RR. a cultivarem o prédio e dele retirarem os frutos e proventos que produzisse, bem como a utilizá-lo, tendo de o restituir quando tal lhe fosse pedido.

    Os RR. utilizam o prédio há mais de 30 anos, nunca tendo pago para o efeito qualquer renda ao A. marido.

    No ano de 2019 os RR. arrogaram-se titulares do direito de propriedade sobre o referido prédio perante a I..., com vista a receber o valor da indemnização pela sua expropriação.

    Os factos alegados foram dados como provados no âmbito do processo nº. 406/20.9T8CHV, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de – Juízo Local Cível ... – Juiz ..., no qual os RR. foram autores e o A. marido foi réu/reconvinte, tendo em 27/12/2020 sido proferida sentença que julgou a reconvenção deduzida pelo A. marido contra os RR. parcialmente procedente e, em consequência, reconheceu o A. como titular do direito de propriedade sobre o prédio misto descrito na petição inicial, sendo os RR. condenados a restituir ao A. o aludido prédio livre e devoluto de pessoas e bens, e a absterem-se de praticar qualquer actos que perturbem, obstem ou impeçam o gozo do direito de propriedade do Autor.

    Os aqui RR. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 2/07/2021 e transitado em julgado, confirmou a decisão da 1ª instância, estando assim demonstrado que o A. é titular do direito de propriedade sobre o prédio misto identificado no artº. 56º da petição inicial, do qual faz parte o prédio rústico descrito no artº. 57º daquele articulado e objecto da escritura de justificação notarial impugnada na presente acção.

    Os RR. apresentaram contestação, na qual reconheceram que no âmbito do mencionado processo nº. 406/20.9T8CHV foi reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre o aludido prédio, pelo que não o põem em causa.

    Deduziram reconvenção, reclamando uma indemnização no valor total de € 54.805,00 pelas obras e benfeitorias realizadas no prédio, que descriminam nos artºs 22º a 51º da contestação, pela valorização que o mesmo terá tido em virtude da sua conduta e que se reflecte no valor indemnizatório atribuído pela expropriação, e ainda pelo pagamento de IMI.

    Concluem, pugnando pela procedência da reconvenção, com a consequente condenação dos AA. a pagarem aos RR. a quantia de € 54.805,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

    Os AA. apresentaram réplica, pugnando, desde logo, pela inadmissibilidade da reconvenção deduzida e, numa segunda linha, impugnando a factualidade alegada pelos RR. em sede de reconvenção.

    Terminam, reiterando o alegado na petição inicial e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional contra eles formulado, pedindo ainda a condenação dos RR. como litigantes de má fé numa multa correspondente a 15 UC’s e em indemnização a favor dos AA. de quantia não inferior a € 2.000,00 para cada um deles.

    Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido o seguinte despacho [transcrição]: «Nos presentes autos vieram os Réus deduzir pedido reconvencional, pedindo a compensação por benfeitorias e despesas realizadas com o prédio objecto da escritura de justificação, referido na petição inicial, bem como uma compensação pela valorização que o referido prédio terá tido em virtude da sua conduta e que se reflete no valor indemnizatório a título de expropriação.

    Ora, o artº 266º, nº. 1 e 2 do CPC estabelece as situações em que é admissível a dedução do pedido reconvencional, sendo que o pedido das benfeitorias e as despesas com a coisa exige que, por via da acção, seja solicitada a entrega dessa mesma coisa.

    Nos presentes autos os Autores apenas colocam questões relacionadas com a validade jurídica de uma escritura pública, a qual pretendem ver declarada ineficaz, em nenhum momento requerendo qualquer entrega.

    Mais se acrescenta que no âmbito do processo 406/20.9T8CHV já transitada em julgado foi ordenado a entrega do referido prédio aos aqui autores.

    Assim sendo, e uma vez que afigura inexistir fundamento para a dedução de pedido reconvencional vai o mesmo indeferido.

    Custas da reconvenção pelos Réus.

    Notifique.» Seguidamente, tendo o Tribunal “a quo” considerado que os elementos constantes dos autos permitiam conhecer do mérito da causa, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório: 1. Declaro ineficaz a escritura de justificação notarial outorgada por CC e DD, nos termos da qual declararam ter adquirido por usucapião o «prédio rústico sito no lugar ..., freguesia ... (freguesia ..., ..., ... e ...), concelho ..., composto de vinha, olival e terra de cultivo, com a área de 19.284m2, a confrontar do norte com ... e ..., nascente com EE, sul com caminho público e poente com FF e Junta de Freguesia ..., inscrito na matriz sob o art. ...95º, anteriormente inscrito na matriz rústica da freguesia ... (extinta)...

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