Acórdão nº 3689/21.3T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução24 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatora: Cristina Neves 1.ª Adjunta: Teresa Albuquerque 2.ª Adjunto: Falcão de Magalhães Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO BB, CC e DD, intentaram acção declarativa, sob a forma única de processo comum, contra AA, peticionando a restituição, pelo R., das quantias entregues a título de sinal e antecipação de preço de imóvel, no montante de € 40.000, acrescido dos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento a serem contabilizados após a citação do R.

Para o efeito alegam que celebraram com o R. contrato promessa de compra e venda de imóvel, sujeito à obtenção de empréstimo por parte dos AA., que o não conseguiram, facto que comunicaram ao R. que se recusa a devolver esta quantia.

* Regularmente citado, veio o réu alegar, em suma, o incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda por parte dos AA., promitentes compradores, que não lhe comunicaram no prazo de 10 dias previsto no contrato, a não aprovação do crédito, manifestando após contacto telefónico o seu desinteresse na aquisição do imóvel, razão pela qual designou escritura pública de compra e venda, advertindo os AA. que perderia o interesse na celebração do contrato, se não comparecessem, solicitando assim em reconvenção que sejam declarado definitivamente incumprido este contrato e seja decretada a perda do sinal entregue pelos AA.

* Findos os articulados, foi proferido despacho, em 04/05/2022, pelo tribunal recorrido, nos seguintes termos: “Considera-se desnecessária a realização de audiência prévia, até para evitar deslocações desnecessárias de intervenientes processuais, dispensando-se a realização da mesma para efeitos do disposto no art. 593.º, n.º 1, do CPC, a não ser que alguma das partes, no prazo de 10 dias, invoque algum motivo atendível para a sua realização.

Notifique.” * As partes nada vieram requerer, pelo que em 09/06/2022, foi proferido novo despacho com o seguinte teor: “Através de uma análise meramente perfunctória parece-nos ser possível desde já conhecer do mérito da causa, por isso, para evitar decisões surpresa, concede-se o prazo de 10 dias, para as partes, querendo, alegarem o que tiverem por conveniente a esse propósito – cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC.

Notifique.

” *** Mais uma vez, nada dizendo as partes, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção procedente, se condenou o R. no pedido e se julgou a reconvenção improcedente e se absolveram os AA. dos pedidos formulados pelo R, absolvendo igualmente AA. e R. dos pedidos de condenação por litigantes de má fé.

* Não conformado com esta decisão, impetrou o R. recurso da mesma relativamente à matéria de direito, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “

  1. Os presentes autos tiveram início com a entrada em juízo, no dia 12.10.2021 de uma acção de processo comum. Tal acção era consequência da celebração de um contrato promessa compra e venda, celebrado em 21 de Dezembro de 2020, em que o R. prometia vender pelo preço de 178 500,00€, a fração autónoma descrita nos autos. Na sequência da celebração do contrato foram entregues ao R. 40 000,00€ a título de sinal. O negócio definitivo nunca se chegou a celebrar. A acção recai assim sobre o conteúdo e interpretação das clausulas contratuais e a validade/invalidade da resolução do contrato-promessa e hipotética devolução do sinal que reside o dissidio. Em sede de petição inicial os AA. peticionaram que o R. fosse condenado no pagamento de 40 000,00€ acrescidos de juros até efectivo e integral pagamento. Tal pagamento corresponderia assim à restituição do sinal.

  2. O R. contestou e apresentou reconvenção pedindo que o CPCV fosse considerado resolvido por incumprimento definitivo. Os AA. replicaram.

  3. Após, o Tribunal a quo decidiu julgar a acção totalmente procedente e, em consequência, absolver os Autores do pedido formulado pelo Réu em sede de reconvenção.

  4. Os elementos fornecidos pelo processo impõem claramente decisão diversa daquela que foi proferida nos autos.

  5. Em 04.05.2022 foi proferido despacho com o seguinte conteúdo: Considera-se desnecessária a realização de audiência prévia, até para evitar deslocações desnecessárias de intervenientes processuais, dispensando-se a realização da mesma para efeitos do disposto no art. 593.º, n.º 1, do CPC, a não ser que alguma das partes, no prazo de 10 dias, invoque algum motivo atendível para a sua realização.

    - Notifique’’ f) As partes não se pronunciaram pelo que em 26.05.2022 foi proferido novo despacho: Convido os Ilustres Mandatários a remeterem os articulados em “Word” editável, no prazo de 10 dias, para o email que a Secção indicará – cfr. artigos 6.º e 7.º, do CPC.

  6. Em seguida, em 09.06.2022 foi proferido despacho com o seguinte conteúdo: Através de uma análise meramente perfunctória parece-nos ser possível desde já conhecer do mérito da causa, por isso, para evitar decisões surpresa, concede-se o prazo de 10 dias, para as partes, querendo, alegarem o que tiverem por conveniente a esse propósito – cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC.

  7. Posteriormente em 11.07.2022 foi então proferida a sentença da qual ora se recorre.

  8. Teremos que analisar, desde logo o art. 593º nº 1 do CPC que nos remete para o art. 591º do CPC. Após a transcrição de todos os despachos posteriores aos articulados, bem como os normativos que são aplicáveis à fase processual em causa, ressaltam três falhas processuais: -Ausência de audiência prévia; -Ausência de alegações.

    - Ausência de audiência de julgamento; j) Em sede de sentença pode ler-se que as partes foram notificadas nos termos e para os efeitos do art. 591 nº 1 al. b) do CPC. Ora, apenas por lapso manifesto tal pode constar da sentença. A esse respeito, e onde certamente foi criada a confusão no julgador, transcrevemos supra o despacho de 09.06.2022. As partes não foram notificadas para apresentar alegações nos termos do art. 591º do CPC. Foram sim notificadas para se pronunciarem nos termos do art. 3º nº 3 do CPC, quanto ao facto do tribunal entender que estava em condições de conhecer do mérito da causa. As partes não foram notificadas para alegações nos termos do art. 591º do CPC. E não podemos deixar de evidenciar que existe um despacho prévio que ‘’prescinde’’ da realização da audiência prévia e bem sabemos que as alegações de facto e direito previstas no art. 591º do CPC ocorrem durante a audiência prévia. Ora se tal audiência prévia foi dispensada não pode assim ocorrer um acto que lhe é próprio sem que a mesma tenha lugar.

  9. Dos despachos transcritos resulta que embora fosse dispensada a audiência prévia, sempre haveria de ocorrer audiência de julgamento com os atos que lhe são próprios.

  10. Aliás, existe diversa jurisprudência que esclarece que as alegações de facto e direito previstas no art. 591º do CPC têm de ser orais, pois de outro modo era ter um entendimento completamente desviante do ali preceituado.

  11. Assim, andou mal o Tribunal a quo ao proferir sentença e entender pela desnecessidade de realização de julgamento, ou qualquer outra diligência, nomeadamente a audiência prévia.

  12. Terminada a fase dos articulados, as partes foram notificadas da sentença, proferida no âmbito do artigo 547º e 595ºnº 1 al.b) do CPC.

  13. O artigo 591º nº al. b) e d) do CPC fixa as finalidades da audiência prévia. Desse artigo retira-se que a regra é a da realização da audiência prévia, podendo esta ser dispensada apenas nas situações previstas no artigo 592º do CPC, ou seja, quando há revelia ou quando proceda exceção dilatória, já debatida nos articulados. Nenhuma dessas situações se aplica ao caso dos autos. Além das situações previstas no artigo 592º do CPC, a audiência prévia pode também ser dispensada nos casos em que o processo deva prosseguir, não se ‘’perecendo’’ em sede de saneador sentença, e a audiência se destinasse apenas para determinar a adequação formal, identificar o objecto do litigio e a enunciar os temas da prova. O mesmo vale por dizer que não havendo revelia, considerando o valor da acção, e se o juiz entender/ponderar que pode proferir decisão de mérito da causa, o juiz deve convocar sempre audiência prévia destinada à discussão de facto e de direito pelas partes. No campo das hipóteses, a discussão pelas partes, em diligência própria, poderá confirmar ou invalidar a existência dos pressupostos para conhecimento imediato do mérito da causa.

  14. No caso dos autos nenhuma audiência prévia foi convocada e não foi dada oportunidade às partes de alegarem de facto e de direito. No sentido da interpretação acima já se pronunciou o Tribunal da Relação de Évora em 10 de Maio de 2018, 10 de Outubro de 2019 e da Relação de Guimarães em 17 de Janeiro de 2019.Acresce que quer com a petição inicial, quer com a contestação dos ora recorrentes, foi indicada prova testemunhal, naturalmente, para as partes fazerem prova do alegado em sede de articulados e por entenderem ser essencial para a boa decisão, configurando também uma manifestação expressa de interesse na realização dessa audiência.

  15. Acresce que as partes não foram notificadas, posteriormente à fase dos articulados, para se pronunciarem sobre a dispensa de audiência de julgamento. Quer-se com isto dizer que a decisão proferida comporta ainda uma violação do exercício do contraditório, pelo que entende o R. que a sentença a proferir apenas podia sê-lo depois da audiência de julgamento. A não ser assim era essencial a existência de diligência para as partes discutirem de facto e de direito, a audiência prévia.

  16. Estamos perante uma nulidade que comporta a omissão de uma diligência obrigatória nos termos da lei e que pode influenciar a decisão final. Por outras palavras, e voltando à questão central, da lei resulta que não pode ser proferida sentença, nos termos em que foi nos presentes autos, sem que previamente tenha sido possibilitada às partes, que deviam ser convocadas para diligência própria, a discussão de facto e de direito. E mais, o próprio artigo 593º refere...

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