Acórdão nº 2833/17.0T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Janeiro de 2023

Data24 Janeiro 2023
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação n.º 2833/17.0T8CBR.C1 Juízo Central Cível de Coimbra – Juiz 1 _________________________________ Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]: I-Relatório AA intentou contra C..., SA a presente ação declarativa, de condenação, pedindo: “

  1. Ser declarado que foi a condutora da viatura ..-JJ-.. quem causou única e exclusivamente o acidente sofrido pela Autora; b) Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de €174.596,04, a título de indemnização pelo Défice Funcional Permanente sofrido pela Autora; c) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €50.000,00, a título de dano de afirmação pessoal; d) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €35.000,00, a título de prejuízo sexual; e)Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €50.000,00, a título de dano biológico; f)Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €5.250,00, a título de prejuízos sofridos pela privação do uso do motociclo, g)Numa quantia global de €349.846,04, a que deverão acrescer os competentes juros de mora devidos, desde a citação até efectivo e integral pagamento”.

    Alegou para o efeito, em síntese, a ocorrência de um acidente de viação em que intervieram o motociclo com a matrícula ..-NJ-.. (tripulado pela A.) e o ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-JJ-.., seguro na Ré, que se produziu em virtude de a condutora deste não ter respeitado as regras que lhe impunham a paragem do veículo junto ao ponto de intersecção das vias, tendo ido invadir a mão de trânsito do veículo conduzido pela A. quando esta se aproximava do cruzamento, cortando a sua marcha, e bem assim a ocorrência causal dos danos que especificou.

    * A Ré contestou apresentando uma diferente dinâmica do acidente e por cuja produção, segundo referiu, foram responsáveis ambas as condutoras. Para além disso, impugnou genericamente os danos alegados, dizendo ainda que, de todo o modo, a haver condenação, deve ser deduzido o montante que já pagou no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória que correu termos sob o n.º 3674/15.... (apenso A).

    * Realizado julgamento foi, a 20.06.2022, proferida sentença (ref. 88718459), contendo o seguinte dispositivo (na parte que ao presente recurso interessa) “Pelo exposto, julgo a presente acção, no que toca à Autora e Ré, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente, decido: i) Condenar a Ré C..., SA a pagar à Autora AA, a quantia liquida de €150,000,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios à taxa legal vigente, actualmente de 4%, vencidos e vincendos, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

    ii) Condenar a Ré C..., SA a pagar à Autora AA a quantia actualizada de €200.000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à mesma taxa aludida atrás, vencidos a contar da data da prolação da sentença até integral e efectivo pagamento.

    iii) Relegar para liquidação ulterior de sentença, a indemnização a arbitrar à autora, a título de dano patrimonial futuro, relacionável com o previsivel agravamento do défice funcional permanente da integridade fisico-psiquíco de 53 pontos; iv) Relegar para liquidação ulterior de sentença, a indemnização a arbitrar à autora, a título de dano futuro prevísivel, relacionável com necessidade permanente de ajudas medicamentosas, a saber: analgésicos, psicofármacos e Betmida; e com a necessidade permanente de tratamentos médicos regulares, a saber: tratamentos de fisioterapia e acompanhamento médico-psiquiátrico.

    v) (À)s quantias indemnizatórias arbitradas em 1) e 2) deduz-se o valor indemnizatório provisório de €20.000,00 já pago pela Ré C..., SA à Autora AA, no âmbito dos apensos A e B dos procedimentos cautelares de arbitramento de reparação provisória”.

    * Irresignada, a A. interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever: I - A Recorrente insurge-se, fundamentalmente, contra o critério empregue e contra o valor arbitrado pelo Tribunal a quo no que concerne à indemnização fixada para ressarcir os danos de caráter patrimonial (dano patrimonial futuro – dano biológico na vertente patrimonial), por entender que a quantia fixada não tem a virtude de ressarcir integralmente os danos oriundos do sinistro objeto dos presentes autos atenta a sua gravidade e extensão.

    II - Para a determinação da indemnização pela perda futura da capacidade de ganho, o tribunal a quo socorreu-se do critério enunciado no art. 48º, nº 3, al. b) da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, que determina que, no cálculo da pensão para sinistrados em acidentes de trabalho afetados por uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a mesma seja fixada entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.

    III - A recorrente exercia funções a coberto de contrato de trabalho em funções públicas, logo, o regime adotado pelo tribunal a quo, cremos é inadequado tendo em conta a natureza do vínculo laboral existente entre a recorrente e a sua entidade patronal à data do sinistro e tendo em consideração que o acidente objeto dos autos é, simultaneamente de trabalho e de viação.

    IV – Atualmente, fruto das baixas taxas de juro associadas aos depósitos a prazo e à elevada taxa de inflação a que se assiste, o benefício pelo recebimento imediato de capital que deveria ser recebido de forma repartida ao longo do remanescente de esperança de vida da recorrente é residual, inexistindo qualquer benefício significativo daí decorrente; na verdade para atingir taxas de rentabilidade mais ou menos competitivas o capital a depositar tem que ser muito mais elevado do que em tempos passados.

    V - A decisão recorrida, salvo o devido respeito, não teve em consideração o aumento do SMN, e ainda refere que, sem prejuízo de elevada taxa de inflação a que assistimos, e as atualmente muito baixas – quase nulas – baixas de rentabilidade (seguras) do capital investido, particularmente no que concerne aos depósitos a prazo, existiria um benefício indesmentível pelo recebimento imediato de uma quantia que deveria ser recebia ao longo dos próximos 43 anos de vida, o que colide com a orientação mais recente do Supremo Tribunal de Justiça.

    VI -Os critérios ater em conta para alcançar, com recurso àequidade, o valor apto a ressarcir os danos patrimoniais da recorrente – dano biológico na vertente de dano patrimonial – deverão ser, assim, os seguintes: (i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente); (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências).

    VII - Na fixação da indemnização pelo dano biológico na sua vertente patrimonial concorrendo outros fatores, a operação meramente aritmética pode revelar-se excessivamente onerosa, merecendo destaque a decisão com base na equidade, em articulação com os critérios anteriormente referidos.

    VIII - O quadro sequelar da recorrente é de tal forma grave que a aventada possibilidade da recorrente exercer outras atividades da sua área de preparação técnico-profissional, com esforços acrescidos é, segundo as regras da experiência comum, e a própria concorrência do mercado de trabalho, uma possibilidade particularmente reduzida.

    IX - Conferindo particular ênfase à equidade, critério que entendemos adequadíssimo – sem prejuízo da incerteza e insegurança com que pode ser criticado – mas procurando reduzir ao máximo o subjetivismo e arbítrio nesta matéria, tendo em conta que o sinistro que vitimizou a recorrente ocorreu em 14 de abril de 2014, sendo que nessa data, assim como no ano de 2013, o salário mínimo ascendia a € 485,00 ilíquidos, e atualmente, o salário mínimo ascende à quantia de € 705,00 (setecentos e cinco euros ilíquidos), considerando a retribuição anual liquida da autora e o aumento do SMN, cremos que a indemnização pelo dano biológico, atenta a gravidade das lesões da recorrente, deveria ter sido fixada em valor jamais inferior a € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros)”.

    Rematou pedindo a revogação da decisão na parte impugnada, condenando-se a Ré no pagamento da quantia de € 250.000 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

    * Respondeu a Ré defendendo que o quantum indemnizatório encontrado pelo tribunal de primeira instância, se apresenta como adequado, equilibrado, justo e razoável, revelando-se, o valor defendido pela recorrente, absolutamente desproporcional e inadequado ao caso em concreto.

    * A Ré interpôs recurso subordinado, formulando em tal peça processual as seguintes conclusões: “

  2. Manifesta-se, pelo presente recurso, a posição convicta de que a douta sentença em crise se afastou daquilo que tem vindo a ser a prática jurisprudencial quanto à fixação da indemnização pelo dano não patrimonial.

    b) Aliás, o tribunal a quo não cita um único acórdão para sustentar a prolação do seu juízo de equidade ou fundamentar o valor ressarcitório que alcançou.

    c) A jurisprudência superior tem, em casos semelhantes ao dos presentes autos, fixado indemnizações inferiores – cfr. ponto V das alegações.

    d) Há um caso – citado no ponto VI das alegações – em que efetivamente foi fixada, pelo STJ, uma indemnização de 200.000,00 € pelo dano não patrimonial, mas que se traduz num caso bem mais grave...

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