Acórdão nº 2229/22.1T8ACB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Janeiro de 2023
Data | 24 Janeiro 2023 |
Órgão | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO
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O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público veio em 14 de Outubro de 2022 instaurar processo especial de promoção e protecção, ao abrigo do disposto no artigo 72º, 1 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, quanto ao menor de nome AA, nascido em .../.../2022 (actualmente com seis meses de idade) acolhido em Casa de Acolhimento ..., filho de BB e de CC, visando estes.
O processo decorre seus termos.
Está na fase de instrução.
É esse o processo principal, de que este Apenso – o A – é o de recurso em separado.
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Com a ref.
citius 101791369 e em 31 de Outubro de 2022 o Senhor Juiz prolatou o seguinte douto despacho (revisão da medida – artigo 62º da LPCJP): Da revisão da medida.
Os presentes autos dizem respeito ao menor AA, nascido em .../.../2022 (dois meses de idade) acolhido na Casa de Acolhimento ..., filho de BB e de CC.
Em 25-07-2022, os progenitores assinaram com a CPCJ ... um acordo de promoção e protecção, ao abrigo do qual foi aplicada à criança a medida cautelar de acolhimento residencial, com a duração de seis meses e revisão trimestral.
Por despacho de 18-10-2022 determinou-se a notificação dos progenitores para, querendo, se pronunciarem sobre a revisão da medida cautelar de acolhimento residencial.
O Ministério Público veio promover a suspensão das visitas do progenitor CC porquanto tais visitas não servem o superior interesse desta em desenvolver laços afectivos com um estranho, com os argumentos de que CC não é o progenitor da criança, apesar de a ter perfilhado; que nas suas próprias declarações enquanto arguido, o mesmo assume que não é o pai biológico da criança, mas apenas que pretende cuidar dela como se fosse filho; que assumiu que conheceu a progenitora pela rede social Whatsapp, que a contactou unicamente com o intuito de estabelecer uma relação de amizade, que no decurso das conversas confessou à progenitora a sua vontade de ser pai, que tem uma relação com um companheiro, sendo que, nessa altura, desconhecia a questão da gravidez, estando a progenitora ainda no ....
O progenitor veio opor-se à suspensão das visitas, mais requerendo a entrega do menor cfr. requerimentos de 24-10-2022 e de 26-10-2022 [9144044].
A Defensora do menor veio aderir à promoção do Ministério Público - cfr. requerimento de 27-10-2022 [9148649].
Vejamos.
O juízo do Ministério Público sobre a suspensão das visitas, ainda que devidamente fundamentada e perceptível no seu desiderato, basta-se com a convicção indiciária de que o progenitor não é o verdadeiro progenitor do menor e que a confiança para adopção vai ser decretada.
Ora, sem ferir tal convicção, importa dizer que, para nós e no âmbito desta revisão cautelar, aderir a essa convicção indiciária como se fosse uma convicção judicial corresponderia à violação de fundamentos e princípios basilares de Direito processual.
Em qualquer processo de promoção e protecção em que a confiança à adopção seja o projecto de vida, a suspensão de contactos antes do decretamento da medida corresponde a uma antecipação do efeito da inibição das responsabilidades parentais.
Não o fazemos, por exemplo, durante o prazo de recurso do próprio acórdão que decreta a medida após debate judicial.
Ou seja, mesmo nos processos em que o perigo surge do agregado familiar de origem, após o decretamento do acolhimento, a suspensão de visitas exige uma ponderação acrescida, qualificada e estruturada sobre a suspensão de visitas.
No nosso caso não há qualquer perigo concreto, actual ou efectivo para o menor caso essas visitas se mantenham. Neste aspecto, inexistindo perigo concreto, actual ou efectivo, o Ministério Público pretende a suspensão apenas e só como medida cautelar da confiança, numa espécie de providência cautelar da adopção sem demonstração de perigo de lesão mas apenas de aparência do direito. Este racional, em processos de promoção e protecção deve demandar algum juízo “cum grano salis”, especialmente porque pode ferir o decurso do processo de fragilidades processuais susceptíveis de contender com a validade de uma decisão final, que se quer tomada em total respeito pela legalidade adjectiva e substantiva.
Depois, a convicção indiciária que estriba a promoção corresponde apenas e só as declarações informais e confessórias do progenitor e que se apresentam irrelevantes para o processo-crime e até para a acção de impugnação da paternidade que, entretanto, foi deduzida.
Ou seja, para o julgador do processo-crime e da acção de impugnação, aquelas declarações nunca poderão valer como confissão desses factos, sendo necessário, para a formação da convicção judicial sobre a falsidade da declaração de perfilhação, o decurso do processo com a aquisição probatória de forma legal, válida e por recurso aos meios de prova tipificados na lei.
Assim, inexistindo perigo concreto, actual ou efectivo para o menor caso essas visitas se mantenham, afigura-se-nos contraproducente que se permita a formação de convicção judicial absoluta neste processo sobre os mesmos factos e sobre os quais a formação dessa convicção nos processos próprios se encontra impedida.
O que vale por dizer o seguinte, se o Ministério Público entende formada tal convicção pode sempre requerer o encerramento da instrução e o prosseguimento do processo para debate judicial e para decretamento da medida de confiança para adopção. E anota-se também uma advertência final: a proceder esta linha de argumentação a medida de confiança vai sempre proceder ou o pai registado não é o verdadeiro pai - estaríamos perante o perigo de uma rampa deslizante em todas as situações em que na fase da instrução a medida de confiança se apresentasse como a única possível.
Atente-se que o processo foi autuado a 17-10-2022, e logo em 18-10-2022, o Tribunal solicitou ao ISS, I.P. SATT a elaboração de relatório social de avaliação diagnóstica no prazo de 30 dias, com vista ao apuramento das condições de vida dos progenitores e definição do projecto de vida da menor, com eventual proposta de medida de promoção e protecção.
Esse relatório ainda nem sequer está junto aos autos.
Este é o sentido do nosso arrazoado e para efeitos apenas e só da revisão neste momento: a antecipação de um efeito definitivo de uma medida de confiança para adopção, a propósito de uma revisão cautelar de medida provisória, estando pendentes processos crimes e de impugnação de paternidade, sem perigo concreto, actual ou efectivo para o menor, corresponderia a um exercício desproporcional, arbitrário e ab-rogante dos princípios vertidos no art.º 4.º da LPPCJP, nomeadamente:
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Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto suspender as visitas implica a descontinuidade de relações de afecto definidas pelo acordo de promoção e protecção vigente, sendo o interesse do...
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