Acórdão nº 5560/17.4T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução24 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Carlos Moreira Adjuntos: João Moreira do Carmo Fonte Ramos ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

AA, intentou contra a Companhia de Seguros A... SA, ação declarativa, de condenação com processo comum.

Pediu: A condenação da ré no pagamento da dívida do autor ao B..., S.A., no montante de € 80.000,00, bem como, ao autor, da quantia de € 25.000,00, provenientes dos seguros efetuados e a que respeitam, respetivamente, as apólices ...93 e ...57, em ambos os casos com juros, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou: Contratou o primeiro seguro como condição para um crédito bancário para obras de reconstrução em habitação própria, posteriormente, o segundo, e que ambos garantem o pagamento do capital em caso de invalidez absoluta e definitiva, situação em que o autor se encontra, pelo que reclama o correspondente pagamento.

A ré contestou.

Disse que o contrato celebrado apenas poderia ser acionado no caso de estarem reunidas todas as condições contratuais, e que se não verifica estar o autor totalmente incapacitado de trabalhar, não apresentar uma incapacidade de 75% nem carecer, em permanência, de acompanhamento de terceira pessoa.

Ademais, aquando da celebração do contrato, o mesmo autor prestou falsas declarações relativamente ao seu estado de saúde.

Pediu: A improcedência da ação e a sua absolvição.

O autor replicou.

Disse que quanto ao primeiro dos seguros, que só posteriormente começou a sentir dores na anca, dois meses antes da operação, pelo que nada havia a declarar, e que quanto ao segundo, informou o funcionário bancário que preencheu os documentos dessa intervenção, que era, aliás, já do seu perfeito conhecimento.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Julgo a presente acção improcedente, pelo que absolvo a ré do pedido.

    Custas pelo autor.» 3.

    Inconformado recorreu o autor.

    Rematando as suas alegações com as seguintes, aliás, prolixas, conclusões: 1. Salvo o devido respeito, a recorrente entende que a douta sentença em causa não é conforme aos princípios gerais do Direito e às normas jurídicas, porquanto: - O tribunal recorrido conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento - no que respeita à apreciação da anulabilidade dos contratos de seguro, a qual não foi invocada pela ré (não obstante esta ter alegado a prestação de declarações falsas no momento do preenchimento do questionário clinico); - A fundamentação fática da sentença impunha uma decisão de direito conforme ao pedido.

  2. Na presente ação, o autor pediu a condenação da ré no pagamento das quantias de €80.000,00 e €25.000,00, referentes ao capital seguro dos contratos, do ramo vida, com esta celebrados, titulados pelas apólices ...93 e ...57, respetivamente.

  3. O primeiro contrato de seguro foi celebrado em setembro/outubro de 2006, teve início nessa data e foi realizado como condição de concessão de um empréstimo bancário que o autor e a esposa solicitaram ao B..., S.A. (Cfr. i – factos provados - petição, pontos 2, 3, 4, 5 e 6; contestação – 2, da fundamentação de facto da sentença recorrida).

    4. O segundo contrato foi celebrado em 14.08.2008 (Cfr. i – factos provados - petição, ponto 9; contestação – 5, da fundamentação de facto da sentença recorrida).

  4. Ambos os contratos abrangiam a cobertura de invalidez definitiva e absoluta, conceito este, que aparece definido nas respetivas condições gerais da seguinte forma: «Existe invalidez absoluta e definitiva quando se verificam cumulativamente os seguintes factos: a) A pessoa segura possuir uma incapacidade absoluta e definitiva superior a 75% (TNI – Tabela Nacional de Incapacidades em vigor à data do sinistro) com incapacidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa. b) Existir comprovada incapacidade recuperável para exercer qualquer atividade remuneratória.» 6. Cabia ao recorrente provar, como elementos constitutivos do seu direito, que se encontrava na situação de invalidez, tal qual definida nas condições gerais da apólice.

  5. Salvo devido respeito, o recorrente considera que logrou fazer a prova que lhe competia e que os fundamentos fáticos da sentença recorrida conduzem à procedência do seu pedido.

  6. De facto, da fundamentação fática da sentença recorrida consta: «i – factos provados petição 16. Em setembro de 2007, o autor sofreu uma intervenção cirúrgica na anca esquerda.

  7. Em julho de 2013, o autor sofreu um acidente doméstico.

  8. Em julho de 2013 o autor caiu na banheira da sua casa quando se encontrava a tomar banho.

  9. A queda provocou um traumatismo na anca esquerda.

  10. A aludida situação provocava (e provoca) fortes dores ao nível da anca e dos membros inferiores e dificultava-lhe (e dificulta) os movimentos com as pernas.

  11. Ademais, o autor não conseguia permanecer muito tempo numa qualquer posição, já que as dores ao nível das costas e da anca tornavam-se insuportáveis.

  12. Devido a essa situação, o médico ortopedista que acompanhava o autor sugeriu a realização de uma intervenção cirúrgica para colocação de uma prótese total da anca esquerda.

  13. A aludida intervenção cirurgia não resolveu o problema do autor e em abril de 2015 este foi sujeito a uma nova intervenção com vista à revisão da prótese.

  14. A cirurgia não só não conseguiu efetuar a recolocação artoplástica como acabou por detetar a existência de uma disfunção nervosa ao nível do nervo ciático.

  15. O autor padece de perturbações neurológicas ao nível do nervo ciático do aldo esquerdo, como uma paralisia das órteses do pé esquerdo.

  16. Devido a essa situação, o autor só consegue deslocar-se com a ajuda de duas canadianas e de uma tal do tipo Heidelberg.

  17. O autor só consegue caminhar, de forma contínua, poucos metros e, sempre com o apoio de duas canadianas.

  18. Não consegue manter-se na mesma posição durante muito tempo.

  19. Sente dores na região lombar do pé.

  20. E uma espécie de «formigueiro» em toda essa zona.

  21. Face á situação clínica do autor, o seu médico concluiu que aquele se encontrava numa situação de incapacidade para o trabalho de 100%.

  22. O Gabinete de Seguros de Invalidez do cantão de Fribourg, após uma avaliação media na pessoa do autor, veio a concluir que aquele se encontrava numa situação de invalidez de 100% desde 01.05.2015. (...) réplica 22.

    Face a esse quadro clínico de que padece, o autor encontra-se impossibilitado, de forma irreversível, de exercer uma atividade remuneratória coerente com as suas habilitações.» (Negrito nosso).

  23. Face ao aludido quadro factual, encontra-se plenamente demonstrado que o autor padece de uma incapacidade, definitiva (irreversível) e absoluta (impeditiva do exercício de uma qualquer atividade remuneratória coerente com a sua área de preparação técnico profissional).

  24. Importa nesta fase esclarecer que o Tribunal acompanhou o juízo técnico cientifico constante do relatório médico pericial realizado nos presentes autos, do qual consta a seguinte anotação quanto á repercussão da doença do autor na atividade profissional: «Repercussão Permanente na Atividade Profissional (corresponde ao rebate das sequelas no exercício da atividade profissional habitual da vitima – atividade à data do evento, isto é, na sua vida laboral, para utilizar a expressão usada na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, tratando-se do parâmetro de dano anteriormente designado por Rebate Profissional).

    Neste caso, as sequelas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional bem como assim de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.» 11. Mais tarde, em complemento á aludida perícia, o Senhor Perito do Gabinete Médico legal e Forense do ..., a propósito do grau/quantificação da desvalorização das sequelas do autor, veio esclarecer: «Nas perícias em âmbito de Direito Civil a repercussão na atividade profissional é avaliada de outra forma, nestas, e de acordo com a doutrina médico-legal nesta matéria e com as normas emanadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, no que se refere estritamente ao aspeto profissional, esta afetação é designada por Repercussão Permanente na Atividade Profissional e não é alvo de quantificação, mas sim feita uma descrição do rebate das sequelas no exercício da atividade profissional habitual da vítima – atividade á data do evento, isto é, na sua vida laboral, para utilizar a expressão usada na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, tratando-se do parâmetro de dano anteriormente designado por Rebate Profissional.

    Ou seja, não é feita valorização numérica com recurso ao anexo I do Dec.Lei 252/07.» 12. A este propósito convém relembrar que a cláusula contratual definidora de invalidez absoluta e definitiva constante dos contratos de seguro em análise (já acima transcrita) não remete para a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, apontando, apenas, para a Tabela Nacional de Incapacidades à data do sinistro, pelo que, face á legislação em vigor e à natureza da questão jurídica em causa, a avaliação médica, tal qual foi mencionado pelo senhor perito e ordenado pelo Tribunal, foi feita nos termos do Direito Civil.

  25. A propósito da apreciação de uma situação, na qual se colocava, também, esta questão da quantificação da incapacidade absoluta e definitiva, o Supremo Tribunal de Justiça, pronunciou-se, recentemente, no acórdão de 02.03.2021 (in Proc. n.º 2615/18.1TVRL.G1.S1), nos seguintes termos: «No mesmo sentido se tem de considerar o facto de, para além do recurso à assistência de terceira pessoa ainda se exigir um grau de incapacidade igual ou superior a 85%.

    De facto, exigir um tal grau de incapacidade quando com grau inferior a pessoa se encontra já em situação de invalidez absoluta e definitiva, isto é, total e definitivamente incapaz de exercer atividade remunerada seria da mesma forma frustrar o objetivo visado que é da seguradora vir a proceder ao pagamento quando a pessoa segura esteja absolutamente incapaz.

    (...) A finalidade específica do contrato...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT