Acórdão nº 0586/12.7BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução25 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a qual julgou procedente a presente acção administrativa especial deduzida pelas autoras, ora recorridas – S..., S.A.; P..., S.A. e a E..., S.A. – visando o indeferimento dos requerimentos de isenção do Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), relativamente a eletricidade adquirida a terceiros, e destinada a ser usada para produção de electricidade pela via da co-geração nas suas Centrais de Produção.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 250 a 255 do SITAF; 1ª Com a decisão de julgar ilegais as decisões, da Autoridade Tributária e Aduaneira, de indeferimento dos pedidos de isenção de ISP formulados pelas ora recorridas, a sentença do tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 89º, nº 2, alínea a), do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC); 2ª Com efeito, o artigo 89º, nº 2, alínea a) do CIEC prevê apenas a isenção de imposto sobre a eletricidade utilizada para produzir eletricidade, e para manter a capacidade de produzir eletricidade, não contemplando a isenção de ISP a sobre a eletricidade utilizada para produzir eletricidade e calor; 3ª O legislador encarregou-se de expressamente isentar de imposto os produtos referidos na alínea d), do n.º 1 do artigo 89.º, quando utilizados na produção de eletricidade ou de eletricidade e calor, ao contrário do que fez na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo em que não está prevista isenção do imposto para a eletricidade utilizada para produzir eletricidade e calor; 4ª É de salientar que entre os produtos isentos referidos na alínea d), do nº 1 do artigo 89º quando utilizados na produção de eletricidade ou na produção de eletricidade e calor não se inclui a eletricidade.

5ª Não procede o argumento histórico usado na douta sentença recorrida, segundo o qual quer os produtos utilizados para a produção de eletricidade, quer os produtos utilizados para cogeração, sempre beneficiaram de isenção de ISP, uma vez que o legislador nunca distinguiu a produção de eletricidade e a produção de eletricidade e calor para a atribuição do benefício de isenção, porquanto o ISP sobre a eletricidade foi introduzido com a aprovação da Lei 64-B/2011 de 30 de dezembro, tendo entrado em vigor em janeiro de 2012.

I.2 – Contra-alegações Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância pelas recorridas, N... PAPER SETÚBAL, S.A., N... BRANDS, S.A e E..., S.A. com o seguinte quadro conclusivo: A. Está aqui em causa saber se deve ou não ser reconhecida isenção de ISP a electricidade usada para produzir electricidade e para manter a capacidade de produzir electricidade, em ambiente de cogeração (por oposição a outros processos produtivos de electricidade).

  1. Ora, a isenção da electricidade rege-se pela alínea a) do n.º 2 do artigo 89.º do CIEC, e nesta última norma, a relevante para o caso, a formulação da isenção não distingue as formas ou processos tecnológicos de produção da electricidade.

  2. Não tem, pois, sustentação o argumento de que, como no direito nacional não está expressamente prevista a isenção do ISP para a electricidade utilizada para produzir electricidade pela via da cogeração, então não haveria lugar à isenção.

  3. Com efeito, no direito nacional também não está expressamente prevista a isenção do ISP para a electricidade utilizada para produzir electricidade em centrais térmicas convencionais (a gás ou a carvão), em centrais hidráulicas, em centrais solares, etc..

  4. E nem por isso deixa de ser pacífica a existência da isenção de ISP em todos esses casos, ao abrigo justamente desta mesma alínea a) do n.º 2 do artigo 89.º do CIEC.

  5. É que, sendo genérica a formulação da lei, como é, por oposição a especificar ou detalhar (v.g. por referência aos vários processos tecnológicos de produção de electricidade), cabem lá todos os processos tecnológicos de produção de electricidade.

  6. O Tribunal a quo sufragou justamente, julga-se que bem, esta posição.

  7. E o TJUE já se pronunciou no sentido de que é isso justamente que impõe a Directiva 2003/96/CE do Conselho, na isenção imperativa aí prevista conjunta e indistintamente no seu artigo 14.º, n.º 1, alínea a), para os produtos energéticos e para a electricidade, usados para produzir electricidade e para manter a capacidade de produzir electricidade (acórdão de 7 de Março de 2018, proferido no processo n.º C-31/17 (Cristal Union) e, complementarmente, acórdão proferido no processo n.º C-90/17).

    I. Quer com base na letra da lei, quer com base na sua teleologia (evitar duplas tributações e distorções da concorrência), quer com base nos objectivos ambientais (o disparate ambiental de deixar de fora da isenção obrigatória o processo de produção de electricidade em cogeração), o TJUE rejeitou enfaticamente a tese interpretativa na qual a AT insiste neste seu recurso (a qual havia sido então tentada também pela AT francesa).

  8. E mais acrescentou o TJUE, para que dúvida não haja, que a norma do artigo 15.º, n.º 1, alínea c), da mesma Directiva 2003/96, na qual se prevê isenção facultativa e na qual se fala expressamente da cogeração, não afasta esta conclusão (designadamente, não a afasta via recurso a raciocínio a contrario sensu, que também a nossa AT tenta impor).

  9. A final, é esta a conclusão inequívoca e cristalina a que chegou o TJUE (citado processo n.º C-31/17 (Cristal Union)): “Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que a isenção obrigatória prevista nesta disposição é aplicável aos produtos energéticos [e à electricidade, uma vez que a norma comunitária de isenção em causa aplica-se indistintamente e conjuntamente a ambas as realidades, enquanto inputs da produção de electricidade] utilizados para a produção de eletricidade [também] quando estes produtos sejam utilizados para a produção combinada de eletricidade e de calor, na aceção do artigo 15.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva.”.

    L. Donde que, e a AT já o sabia, era escusado ter convocado a intervenção de mais um tribunal, no caso o STA, para se ocupar deste assunto, estando ele já, e sendo isso do conhecimento da AT, perfeitamente clarificado pelo TJUE.

  10. Em todo o caso, se dúvida ainda assim subsistir, cumpra-se então com a obrigação de consultar o TJUE nos termos prescritos no procedimento de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.

    I.3 - Parecer do Ministério Público Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo: “O presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no artigo 151º do CPTA, que prevê a competência do STA quando as partes, nas alegações, suscitem apenas questões de direito e o valor da causa seja superior a € 500.000 euros.

    Sucede que no caso concreto dos autos a Mma. Juíza "a quo" fixou no despacho saneador o valor da ação em € 30.001,00 euros, valor este que não foi contestado e foi mantido na sentença recorrida.

    Assim sendo, não se mostra reunido um dos requisitos legais previstos no citado normativo legal, motivo pelo qual a competência para a apreciação do recurso está atribuída ao TCA.

    Afigura-se-nos, assim, que deve ser excecionada a incompetência hierárquica deste tribunal e determinar-se a remessa dos autos ao TCA Sul, por ser o territorialmente competente.

    ” I.4 – Por despacho do Exmo Relator a fls. 360 do SITAF foram as partes notificadas do douto parecer do Ministério Público e sobre o mesmo veio a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a solicitar a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul para apreciar o recurso.

    I.5 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II - FUNDAMENTAÇÃO II.1 – De facto A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 222 a 240 e seguintes do SITAF: 1. A Sociedade P..., SA. com o NIPC n.º ..., tem como atividade principal a “Produção de eletricidade”, CAE 40110, com licença de estabelecimento e exploração de uma Central de cogeração constituída por uma turbina de compressão que aciona um gerador de 15000KVA, sito no lugar de ..., freguesia do Sado concelho de Setúbal (cf. declaração de inscrição no registo/início de atividade constante de fls. 4 e licença de exploração constante de fls. 8 a fls. 10 do PAT).

    1. A Sociedade E..., SA com o NIPC n.º ..., tem licença de estabelecimento e exploração de uma Central de cogeração e de uma Central termoelétrica (cf. declaração de inscrição no registo/início de atividade constante de fls.14 e licença de exploração constante de fls. 12 do PAT).

    2. A Sociedade S..., S.A. com o NIPC n.º ..., tem licença de exploração de uma Central de cogeração, sito no lugar de ..., freguesia do Sado concelho de Setúbal (cf. licença de exploração constante de fls. 4 e fls. 5 do PAT).

    3. Em 20/1/2012, a Sociedade, E..., SA apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira um pedido de isenção do ISP sobre a eletricidade “utilizada para produzir eletricidade, e para manter a capacidade de produzir eletricidade (artigo 89.º, n.º 2, alínea a) do CIEC” nos termos constantes de fls. 21 e seguintes do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido.

    4. Em 20/1/2012, a Sociedade P..., SA. apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira um pedido de isenção do ISP sobre a eletricidade “utilizada para produzir eletricidade, e para manter a capacidade de produzir eletricidade (artigo 89.º, n.º 2, alínea a) do CIEC” nos termos constantes de fls. 12 e seguintes do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido.

    5. Em 20/1/2012, a Sociedade, E..., SA apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira um pedido de isenção do ISP sobre a eletricidade “utilizada para produzir eletricidade, e para manter a capacidade de...

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