Acórdão nº 02576/15.9BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução25 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga - que, julgando procedente a impugnação deduzida por AA contra o acto de indeferimento tácito do recurso hierárquico por si apresentado e os actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) relativos aos anos de 2009 a 2012, no valor global de EUR 7.053,76, anulou as liquidações impugnadas e, condenou a Fazenda Pública à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido até à data do termo do prazo de execução espontânea ou até à data da emissão da nota de crédito se esta for anterior aquela – recorre para este Supremo Tribunal 1.2.

Nas alegações de recurso jurisdicional conclui a Recorrente nos seguintes termos: “I - O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, que julgou totalmente procedente a presente impugnação judicial, “anulando-se as liquidações de IRS impugnadas e, bem assim, condenando-se a Fazenda Pública à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido até à data do termo do prazo de execução espontânea ou até à data da emissão da nota de crédito se esta for anterior aquela.”.

II - Douta sentença essa que, a nosso ver, e salvaguardado o devido respeito que a mesma nos merece, bem como salvaguardado o devido respeito por melhor entendimento, não se pode manter na ordem jurídica na medida em que: c) Enferma da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea e) do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2º do CPPT, e, d) Incorre em erro de julgamento em matéria de direito, em suma, por ter decidido que “a expressão “matéria tributável”, utilizada no nº 4 do art.º 78º da LGT, não deverá ser entendida em sentido estrito, mas sim em sentido amplo por forma a abranger todas as situações em que a tributação levada a cabo redunde na prática de uma “injustiça grave ou notória”, pelo que mal andou a Administração Tributária quando considerou que “as deduções à colecta, mormente as que se relacionam com pessoas com deficiência fiscalmente relevante, não se enquadram no conceito de revisão de matéria tributável constante do art.º 78.º, n.º 4 da LGT.”, e, em sequência, ter decidido que “Em consequência, resulta inválido o despacho de indeferimento em crise nos autos e, bem assim as liquidações de IRS impugnadas.”. Vejamos: III - Tal como flui da sentença aqui posta em crise, no que tange ao pedido da alínea B) do pedido formulado, a final, na petição inicial, a M.ma Juíza, ao invés de condenar a AT “a restituir o IRS a mais liquidado e pago por não ter sido levado em consideração o atestado de incapacidade acima mencionado, acrescido dos juros indemnizatórios previstos no art.º 43.º da LGT”, tal como peticionado pelo impugnante, condenou a AT a, pura e simplesmente, anular na sua totalidade “as liquidações de IRS impugnadas e, bem assim, condenando-se a Fazenda Pública à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido até à data do termo do termo do prazo de execução espontânea ou até à data da emissão da nota de crédito se esta for anterior aquela.”.

IV – A nosso ver, a M.ma Juíza do Tribunal “a quo”, ao decidir anular, tout court, “as liquidações de IRS impugnadas” condenou a AT “em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”, dado que tal pedido de anulação das liquidações impugnadas nunca foi, de forma expressa ou tácita, formulado pelo impugnante na petição inicial.

V – A nosso ver, a existir condenação da AT (o que, só por mera hipótese se admite), a anulação das liquidações aqui em causa deverá ser meramente parcial (cfr. artigo 100º da LGT), devendo a mesma cingir-se à parte em que as liquidações de IRS aqui em causa se mostram influenciadas pela não consideração das deduções à coleta previstas no artigo 87º do CIRS – o que não sucedeu.

VI – Assim, salvo melhor entendimento, deve a sentença aqui em análise ser declarada nula, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea e) do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2º do CPPT, com todas as legais consequências – o que se requer.

SEM PRESCINDIR: VII – A questão (de direito) que se coloca nos presentes autos é a de saber se no conceito de revisão da matéria tributável constante do nº 4, do artigo 78.º da LGT, se encontram ou não abrangidas as deduções à coleta, nomeadamente as que se relacionam com pessoas com deficiência fiscalmente relevante, previstas no artigo 87º do CIRS.

VIII – Como é sabido, o artigo 78º da LGT comporta quatro situações distintas, duas de “revisão ordinária” e duas de “revisão extraordinária”, a saber (nesse sentido, Casalta Nabais, José, Direito Fiscal, 5ª Edição, Almedina, 2010, p. 335): a) Revisão por iniciativa do sujeito passivo, a efetuar dentro do prazo de reclamação, com fundamento em qualquer ilegalidade – artigo 78.º, nº 1, da LGT – Revisão ordinária; b) Revisão por iniciativa da administração tributária, a ser realizada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços – artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT – Revisão ordinária; c) Revisão do ato tributário por motivo de duplicação de coleta, a efetuar no prazo de quatro anos, seja qual for o fundamento – artigo 78º, nº 6, da LGT – Revisão extraordinária, e, d) Revisão excecional da matéria tributável, mediante autorização do dirigente máximo do serviço, a efetuar nos três anos posteriores ao do ato tributário, com fundamento em injustiça grave ou notória – artigo 78.º, nºs 4 e 5 – Revisão extraordinária.

IX – Destarte, é evidente não só o caráter excecional do mecanismo constante do artigo 78.º, nº 4 da LGT – patente no uso do advérbio “excecionalmente” – face ao disposto no nº 1 do mesmo artigo, como a dissensão do objeto do pedido previsto nesses mesmos dois normativos.

X - Com efeito, enquanto no nº 1, do artigo 78.º da LGT, o objeto pedido é a “revisão dos atos tributários”, no nº 4 do mesmo artigo o objeto do pedido é “a revisão da matéria tributável.”.

XI - Se, tal como dispõe o artigo 9º, nº 3 do Código Civil, o intérprete na fixação do sentido e alcance da lei deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, então não pode o objeto do pedido constante do nº 1 do artigo 78º da LGT coincidir com aquele gizado no seu nº 4 (aqui em causa).

XII - A determinação da matéria tributável comporta, em sede de IRS, os seguintes momentos: e) A declaração do rendimento bruto de cada uma das categorias; f) A dedução ao rendimento bruto, de cada uma das categorias, das respetivas deduções específicas – assim se obtendo o rendimento líquido por categoria; g) A soma do rendimento líquido por cada categoria – obtendo-se dessa forma o rendimento líquido total; e, até 2008, h) A dedução a esse rendimento líquido total dos abatimentos previstos no CIRS. Realizada tal dedução obtemos, por fim, o rendimento coletável.

XIII - Já no que concerne aos atos tributários, os mesmos têm vindo a ser entendidos pela doutrina como os atos de liquidação administrativa de imposto “os quais em sentido amplo englobam o conjunto de operações destinadas, por um lado, à identificação do contribuinte ou do devedor do imposto (caso não coincidam, como é cada vez mais frequente) e, por outro lado, à determinação do imposto, uma actividade que, por seu turno, ainda se desdobra na determinação da matéria tributável, na liquidação em sentido estrito, concretizada na aplicação da taxa ou alíquota à matéria tributável (ou colectável) assim se obtendo a colecta, e nas deduções à colecta (caso as haja como acontece abundantemente no IRS e em menor medida no IRC)” - Casalta Nabais, José, Direito Fiscal, 5ª Edição, Almedina, 2010, p. 391.

XIV - As deduções à coleta são, assim, como a própria denominação denuncia, efetuadas não no quadro da determinação da matéria tributável, mas sim no âmbito da liquidação do IRS.

XV - Aliás, disso mesmo nos dá conta o legislador, com a sua organização sistemática do CIRS, ao inserir as normas respeitantes às deduções à coleta no Capítulo IV – “Liquidação” e não no capítulo II – “Determinação do Rendimento Colectável”.

XVI - Face ao ideário argumentativo desenvolvido, consideramos que o artigo 78º, nº 4 da LGT não habilita a AT à revisão da “liquidação de imposto” com fundamento na sua injustiça, podendo sim, quando se verificarem os demais pressupostos, justificar uma revisão da “matéria tributável”, conforme o conceito supra delimitado. – Neste sentido veja-se, entre outros, Marta Rebelo, Má formação/manifestação da vontade da Administração Tributária, in Fisco, nº 119/21 (Setembro de 2005), Ano XVI, pág. 99 e seguintes, e, Carlos Paiva, Da tributação à revisão dos actos tributários, Almedina, 2005, p. 274.

XVII - Atendendo ao exposto, conclui-se que a douta sentença aqui posta em crise errou ao decidir como decidiu, além do mais, por ter atendido e dado primazia absoluta à pretensa “ratio legis” do artigo 78º, nº 4 da LGT (elemento racional ou teleológico da interpretação).

XVIII - A nosso ver, a interpretação a dar ao artigo 78º, nº 4 da LGT - atendendo à letra da lei (elemento literal ou gramatical, a qual é “simultaneamente ponto de partida e limite da interpretação”), atendendo aos elementos lógicos (em particular, atendendo ao elemento histórico e ao elemento sistemático), e atendendo ao disposto no artigo 9º, nº 3 do Código Civil – só pode ser a de que as deduções à coleta, mormente as que se relacionam com pessoas com deficiências fiscalmente relevante previstas no artigo 87.º da LGT, não se enquadram no conceito de “revisão da matéria tributável” constante do artigo 78.º, n.º 4 da LGT.

XIX - Em suma, ao decidir como...

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