Acórdão nº 03431/19.9BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO Município de Vila Nova de Gaia, notificado do Acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 01.07.2022 que negou provimento ao recurso que interpusera da decisão do TAF do Porto de 12-03-2022, [Acórdão recorrido], interpôs o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência ao abrigo do disposto no artº 152º, nº 1, alínea a), do CPTA, indicando como Acórdão Fundamento, o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo em 10.09.2020, no âmbito do Processo nº 0910/19.1BEPRT.

*Apresenta para o efeito as seguintes CONCLUSÕES: «1 - No caso em concreto não há dúvidas que se está perante uma garantia autónoma, à primeira solicitação, nem o tribunal de 1ª instância nem o de recurso puseram tal facto em causa, porquanto essa característica resulta de forma notória da apólice junta aos autos.

2 - O entendimento do Acórdão deste Venerando Supremo Tribunal, que nomeadamente no Acórdão fundamento, e que entendemos deve ser o adotado, é de que a garantia autónoma e à primeira solicitação é uma garantia cuja execução pode ser solicitada independentemente da exigibilidade da obrigação principal garantida e cuja satisfação não depende de prévia decisão judicial, operando-se de forma automática.

3 - E, como bem refere, este Aresto, daí resulta, como regra geral, que o garantido não tem que provar o bem fundado da sua pretensão para que o garante seja obrigado a pagar, pelo que não poderá ser inibido de executar a caução prestada com fundamento em vícios da relação jurídica de onde emerge aquela obrigação principal.

4 - Também entendimento idêntico, além de muitos outros, entre eles, os Acórdãos do TCA n° 10152/13 de 11/07/2013 e n° 927/19.6BELRA de 30/01/2022, é perfilhado no Acórdão n° 2720/14.3BEPRT do TCA Norte de 26/05/2017 que prescreve que “A função da garantia autónoma não é a de assegurar o cumprimento de um determinado contrato mas antes a de assegurar que o beneficiário receberá, nas condições previstas nos termos da garantia, uma determinada quantia em dinheiro”.

5 - E, efetivamente, é com esse intuito que o RJUE impõe a prestação da caução para assegurar a realização das obras de urbanização e foi com esse intuito que a caução junto aos autos foi prestada.

6 - Por isso na apólice consta que “A Companhia de Seguros A..., S.A. obriga-se a pagar aquela quantia nos cinco dias úteis seguintes à primeira solicitação da CÂMARA MUNICIPAL DE VILA NOVA DE GAIA, sem que esta tenha que justificar o pedido e sem que o primeiro possa invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato atrás identificado ou com o cumprimento das obrigações que a empresa G..., SOC CONS SA assume com a celebração do respectivo contrato.

7 - Também, por isso, consta de forma expressa que “A Companhia de Seguros A... SA não pode opor à CÂMARA MUNICIPAL DE VILA NOVA DE GAIA, quaisquer exceções relativas ao contrato de seguro Caução celebrado entre esta e o tomador de seguro.

8 - Nas palavras de Menezes Cordeiro a “garantia autónoma é, no essencial, um contrato celebrado entre o interessado - o mandante - e o garante, a favor de um terceiro - o garantido ou beneficiário. (...) A interpretação do texto da garantia é essencial para determinar o seu alcance. No entanto, toda a garantia comporta alguns traços essenciais comuns que surgem, de modo pacífico, na doutrina e na jurisprudência. Na garantia autónoma, o garante obriga-se a pagar ao beneficiário uma determinada importância. Tal pagamento operará à primeira solicitação (...) isto é,: o garante pagará ao beneficiário determinada importância, assim que este lha peça.” 9 - E, como refere, Francisco Cortez, “O beneficiário exige o cumprimento da obrigação do garante sem ter o ónus de provar o fundamento da sua pretensão, nem de recorrer em caso de litígio com o garante a um processo judicial ou arbitral moroso, dispendioso e até incerto.” 10 - Deste modo, impor, como o acórdão recorrido faz, a possibilidade de a execução da caução à primeira solicitação estar dependente da vontade da Companhia de Seguros e do seu contraditório, é violar não só os termos do próprio contrato de seguro como dos artigos 217°, 236°, 238° e 405° do Código Civil, bem como, o disposto no artigo 85° e 54° do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação.

11 - Refira-se, por último, que em processo semelhante, sobre idêntica situação de facto e de direito, tramitado pelo Tribunal Comum, tribunal competente à data, a Relação do Porto no Acórdão proferido em 12/05/2015, no processo n° 2186/13.5TBVNG.P1, conclui que: “1 - No âmbito do regime jurídico da urbanização e da edificação, aprovado pelo Decreto-lei n° 555/99, de 16 de Dezembro, o processo judicial aí previsto no artigo 85°, destina-se tão só, a autorizar, ou não, o requerente, ou seja, o adquirente dos lotes, de edifícios construídos nos lote ou de frações autónomas dos mesmos a realizar as obras de urbanização omitidas ou inacabadas, por parte do promotor da operação urbanística.

2- Porque assim é, não há lugar a qualquer contraditório prévio em relação ao garante da obrigação caucionada.” 12 - Deste modo, o Acórdão recorrido por perfilhar solução ilegal e contraditória com o Acórdão fundamento e o entendimento unânime da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos deve ser revogado e substituído por outro que perfilhe o entendimento de que é possível perante uma caução à primeira solicitação ordenar ao garante que proceda ao depósito da quantia garantida sem que aquele possa opor quaisquer exceções, concretamente, quando na referida apólice consta que a Companhia de Seguros não pode opor ao beneficiário - Câmara de Vila Nova de Gaia - quaisquer exceções relativas ao contrato de seguro Caução celebrado entre esta e o tomador de Seguro.

13 - E, em consequência deste entendimento deve ser revogado o Acórdão recorrido e a decisão de 1ª instância de 12 de março de 2022 e ordenada à Companhia de Seguros para proceder ao depósito da quantia caucionada pelo contrato n° ...01, cuja Apólice se encontra junta aos autos.»*A Recorrida “N…, Ldª”, notificada para o efeito, não contra-alegou.

*O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da não admissão do recurso para uniformização de jurisprudência, por entender que inexiste a alegada contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, parecer este que notificado às partes, mereceu resposta por parte do recorrente no sentido já propendido nos autos.

*Cumpre apreciar e decidir em Conferência.

*FUNDAMENTAÇÃO 2.1. MATÉRIA DE FACTO Nos termos do disposto no artº 663º, nº 6 do CPC, aplicável ex vi dos artºs 1º e 140º, nº 3 do CPTA, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados nos Acórdãos recorrido e fundamento.

*2.2. O DIREITO De acordo com o...

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