Acórdão nº 1906/17.3T8STR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução17 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

O Banco BIC Português, SA interpôs recurso de apelação da sentença do Juízo Central Cível – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., proferida no âmbito da ação declarativa sob a forma de processo comum que contra ele-recorrente foi proposta por AA e BB, a qual, julgando a ação parcialmente procedente, o condenou a pagar aos autores a quantia de cem mil euros (€100.000,00), acrescida de juros, à taxa legal, contados desde 06.07.2017 e até integral pagamento.

2.

O Tribunal da Relação de Évora decidiu julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.

3.

O Banco BIC, novamente inconformado interpôs recurso de revista excecional, que foi admitido pela Formação prevista no n.º 2 do artigo 671.º do CPC, por despacho datado de 4.

O processo esteve suspenso na instância aguardando o trânsito em julgado do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022.

5.

Na sua alegação de recurso, o recorrente, Banco BIC, formulou as seguintes conclusões: «1. O douto acórdão da Relação de Évora violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verif‌icado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação f‌inanceira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, emitindo opiniões sobre a solvabilidade da entidade emitente quando não conhecia, em concreto a sua situação f‌inanceira, conf‌igura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não conf‌igura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verif‌icado incumprimento do reembolso… 5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO! 7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento f‌inanceiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos.

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! 9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco! 12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! 14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de conf‌iança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação.

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garanta de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos f‌inanceiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garanta de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densif‌icação ou explicação aos clientes, a f‌im de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá af‌irmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave.

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigaçõão assegurar-se de que o cliente compreendeu a af‌irmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário f‌inanceiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais f‌iáveis possível pelo banco.

24. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, f‌icou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área f‌inanceira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dif‌iculdade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes 29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários f‌inanceiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da ef‌iciência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário f‌inanceiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação f‌inanceira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento f‌inanceiro em si! 33. A informação quanto ao risco dos instrumentos f‌inanceiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários f‌inanceiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário f‌inanceiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento f‌inanceiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, af‌irmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento f‌inanceiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E 35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento f‌inanceiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está af‌irmada em função das características do investimento.

37. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento f‌inanceiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

38. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no f‌inal do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

39. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa.

40. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento f‌inanceiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem! 41. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário f‌inanceiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez f‌inanceira do emitente na actividade de intermediação f‌inanceira de recepção e transmissão de ordens.

42. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca...

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