Acórdão nº 2197/17.1T8BRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMANUEL AGUIAR PEREIRA
Data da Resolução17 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça ֎ RELATÓRIO Parte I – Introdução 1.

AA e mulher BB demandaram em acção declarativa comum o Banco BIC Português, S A pedindo a sua condenação a pagar-lhes a quantia de € 113.042,19 (cento e treze mil e quarenta e dois euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento.

Alegaram, em síntese, que o autor marido foi abordado por um funcionário do réu informando que o banco tinha disponível um produto financeiro similar a um depósito a prazo mas mais rentável, tendo logrado convencê-lo a investir 200.000,00 euros na respectiva subscrição.

Que o autor só aceitou subscrever o produto em causa porque lhe foi assegurado o retorno do valor investido nesse produto, o qual era garantido pelo próprio banco.

Mais alegaram que não lhe foram prestadas informações completas e verdadeiras sobre as obrigações cuja subscrição lhe foi proposta, nomeadamente sobre a possibilidade de resgate antes de atingirem a maturidade de dez anos, nem sobre a natureza do produto financeiro “Obrigações SLN 2006”.

2.

O réu deduziu oportunamente contestação, impugnando parte dos factos alegados e invocando a excepção da prescrição do direito que os autores pretendem fazer valer.

Em síntese, alega ter prestado todas as informações a que estava obrigado na fase preliminar à subscrição das obrigações por parte dos autores.

3.

Teve lugar a audiência de julgamento, sendo proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido.

4.

Da sentença foi interposto pelos autores recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão que, revogando a sentença proferida em primeira instância, condenou o banco réu a pagar aos autores a quantia de 100.000,00 euros, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa anual de 4% referente a juros civis, contados desde 5.5.2017 (data da citação) e até integral pagamento.

֎ ֎ Parte II – A Revista 5.

O banco réu, não se conformando com o decidido em segunda instância, interpôs recurso de revista.

São do seguinte teor as Conclusões das alegações apresentadas: 1. O douto acórdão da Relação de Guimarães violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verif‌icado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado aos Autores (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação f‌inanceira era uma produto sem risco e com capital garantido, similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, conf‌igura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não conf‌igura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verif‌icado incumprimento do reembolso… 5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO! 7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento f‌inanceiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos! 8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! 9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco! 12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! 14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de conf‌iança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garanti não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação… 17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos f‌inanceiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garanti de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densif‌icação ou explicação aos clientes, a f‌im de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá af‌irmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave! 20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a af‌irmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artigo 236º do Código Civil, uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário f‌inanceiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais f‌iáveis possível pelo banco.

24. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, f‌icou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área f‌inanceira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dif‌iculdade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários f‌inanceiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da ef‌iciência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o artigo 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário f‌inanceiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação f‌inanceira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento f‌inanceiro em si! 33. A informação quanto ao risco dos instrumentos f‌inanceiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários f‌inanceiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário f‌inanceiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento f‌inanceiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, af‌irmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento f‌inanceiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do artigo 312º-E.

35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento f‌inanceiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está af‌irmada em...

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