Acórdão nº 681/15.0T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MAGALHÃES
Data da Resolução17 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça * AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra o Estado Português, pedindo a condenação deste a pagar-lhe: . uma indemnização por danos patrimoniais cujo valor não é possível liquidar uma vez que as lesões patrimoniais que sofreu ainda estão em tratamento até à sua consolidação, liquidando-se os já vencidos até à propositura da ação do seguinte modo: a) perda de rendimentos do trabalho no período da incapacidade absoluta ainda em curso, no valor atual de € 5.460,98; b) deslocações aos estabelecimentos de saúde, no valor atual de € 2.691,24; c) € 3.999,88, valor a que ascende a reparação do motociclo; . uma indemnização por danos não patrimoniais em valor não inferior a € 80.000,00.

Alega, para o efeito, que,: no dia 09/09/2013, pelas 16,30 horas, conduzia o motociclo de marca ..., matrícula ..-NQ-.., na Rua ..., ..., no sentido poente – nascente; quando estava a descrever a curva à esquerda, na qual existe, do lado direito (sentido poente – nascente), o entroncamento com a Rua ..., surgiu-lhe, subitamente, em sentido contrário (nascente – poente), a invadir a hemifaixa de rodagem destinada ao sentido de marcha do A., o veículo automóvel da GNR, caracterizado, de matrícula GNR-...., que embateu, com a sua parte frontal esquerda, na lateral esquerda do motociclo do A.; o embate ocorreu dentro da via de trânsito destinada ao sentido em que circulava o A.; este caiu e foi de rojo com o seu motociclo cerca de 4 metros, até se imobilizar junto a um contentor do lixo que estava na berma direita da Rua ..., próximo da interceção desta com a Rua ... (atento o sentido proveniente daquela para esta).

O R., na contestação que apresentou, sustenta que: o acidente ocorreu porque o A. não diminuiu a velocidade ao entrar na curva à esquerda, de visibilidade reduzida, e invadiu a hemifaixa de rodagem contrária; que o condutor do veículo do Estado, ao aperceber-se da presença do motociclo na curva a circular fora de mão, acionou os órgãos de travagem a fundo com o objetivo de evitar a colisão; que o A., face à iminência da colisão, tentou desviar-se para a direita, vindo a embater, com a parte lateral da frente esquerda do motociclo, no veículo do R..; que o veículo do R. deixou impressas, pelos rodados, marcas da travagem, que se iniciaram à distância de 0,80 metros da berma direita; que o veículo do Estado movimentou-se retilineamente para a frente, percorrendo 5,50 metros sob travagem e derrapagem, o que fez com que, face ao sentido curvilíneo da via para a direita, este se imobilizasse com a parte frontal esquerda a transpor o eixo da via cerca de 0,50 metros.

O Instituto da Segurança Social, IP, veio deduzir contra o Estado Português pedido de reembolso da quantia de € 15.503,85 que pagou ao ora A., a título de subsídio de doença referente ao período de 09/09/2013 a 15/07/2015.

O R. Estado Português contestou, alegando que não aceita nem reconhece qualquer facto gerador de responsabilidade, quer por culpa, quer pelo risco, na ocorrência do sinistro.

O Estado Português instaurou, no Juízo Local Cível ..., acção, com processo comum, contra Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., com sede no Largo ..., ..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 6.442,44, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Articula, para o efeito, que o acidente de viação que ocorreu, no dia 09/09/2013, na Rua ..., entre o motociclo de matrícula ..-NQ-.., conduzido por AA, e o veículo automóvel de marca ..., matrícula GNR-...., se deveu ao facto de o condutor do motociclo não ter diminuído a velocidade ao entrar numa curva à esquerda de visibilidade reduzida, ter invadido a hemifaixa contrária por onde circulava o veículo de matrícula GNR-.... e ter aí embatido neste. O veículo da GNR tinha um valor venal de € 1.700,00 e foi atribuído ao salvado um valor de € 200,00, pelo que deve a Ré pagar o valor de € 1.500,00 pela perda total da viatura. A Ré só efetuou a peritagem 90 dias após ter sido contactada pela GNR, pelo que deve pagar, por este período de imobilização da viatura, a quantia de € 4.941,90.

A Ré Seguradora defendeu, na contestação que apresentou, que o acidente se deveu ao facto de o veículo de matrícula GNR-.... circular pelo meio da faixa de rodagem, ocupando parcialmente a hemifaixa destinada ao tráfego em sentido contrário ao seu, invadindo-a, cortando a linha de marcha ao motociclo que circulava em sentido contrário.

O Ministério Público, em representação do Estado Português, requereu a apensação da acção por si instaurada à presente ação nº 681/15.0T8AVR, o que foi deferido por despacho proferido a 14/07/2015.

Foi proferido despacho saneador em termos tabelares, definiu-se o objecto do litígio e fixaram-se os temas da prova.

O A. veio ampliar o pedido, por requerimento de 27/12/2019, requerendo a condenação do Réu a pagar-lhe também: . despesas com consultas médicas até abril de 2019, no valor de € 2.160,25; despesas com exames e análises até abril de 2019, no valor de € 563,39; . despesas com tratamentos até abril de 2019, no valor de € 114,80; . despesas com intervenções cirúrgicas até abril de 2019, no valor de € 22.580,04; . despesas com medicamentos até final de 2018, no valor de € 1.507,41; . despesas com deslocações de março de 2015 a abril de 2019, no valor de € 1.948,54. Por despacho proferido a 17/01/2020 foi admitida a requerida ampliação do pedido.

Realizou-se audiência final, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu: « I – condenar o Estado Português a pagar ao A. AA: a) a quantia de € 25.046,45 [a título de indemnização por danos patrimoniais], acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento; b) a quantia de € 43.333,33 [a título de compensação por danos não patrimoniais], acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da prolação da sentença e até integral pagamento; c) a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação, quanto a danos patrimoniais futuros, quanto a perda de rendimentos do trabalho no período de 16/07/2015 a 21/09/2017 e quanto a tratamentos médicos e medicamentosos a partir de 28/12/2019.

Absolver o R. Estado Português do mais contra ele peticionado pelo A. AA.

II - Condenar o Estado Português a pagar ao Instituto da Segurança Social, IP, a quantia de € 10.335,90, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento.

Absolver o R. Estado Português da restante quantia peticionada pelo ISS, IP.

III – Condenar a Ré Fidelidade a pagar ao Estado Português a quantia de €350,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento.

Absolver esta Ré da restante quantia peticionada».

Não se conformando com o assim decidido, quer o autor AA, quer o Estado Português interpuseram recurso, admitidos como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O autor AA e o Estado Português contra-alegaram, enquanto recorridos.

Apreciando os recursos, a Relação decidiu da seguinte forma: “Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar: . improcedente a apelação interposta pelo autor AA, confirmando-se a decisão recorrida; . parcialmente procedente a apelação interposta pelo Estado Português, em consequência do que se condena a ré Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A. no pagamento da quantia de quatrocentos e cinquenta euros, a título de indemnização pelo dano de privação do uso, confirmando-se no mais a sentença recorrida.

Custas a cargo dos apelantes na proporção do respectivo decaimento.” Insatisfeito, interpôs o autor AA revista excepcional, para este Supremo Tribunal formulando as seguintes conclusões: i) Constitui questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para melhor aplicação do direito determinar se na decisão sobre a responsabilidade extracontratual civil fundada no risco, por danos decorrentes de acidente de viação envolvendo a colisão de veículos automóveis, em que um deles é propriedade do Estado, conduzido por agente público ao seu serviço, deve ser julgado à luz do regime geral que decorre da aplicação da norma do art. 506º do Código Civil, ou se antes o deve ser pela aplicação do regime que resulta da aplicação da norma do art 11º, nº 1 do Regime Anexo à Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, como sustentado na Conclusão V) do recurso de apelação interposto pelo recorrente.

ii) Quando em acidente de viação intervenha veículo automóvel ligeiro de passageiros propriedade do Estado, conduzido por agente público ao seu serviço, a norma do art. 2º, nº 2 da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro impõe que se afaste a aplicação do regime geral de responsabilidade civil extracontratual regulado pelo Código Civil e se aplique o Regime Anexo àquela Lei.

iii) Neste caso, não resultando da factualidade julgada como provada a existência de culpa de qualquer dos condutores intervenientes no sinistro, a responsabilidade pela reparação dos danos dali emergente deve ser decidida por aplicação do regime de responsabilidade extracontratual pelo risco regulada pela norma do art. 11º, nº 1 do Regime Anexo à Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, afastando-se a aplicação do regime geral que resulta da norma do art. 506º do Código Civil.

iv) No âmbito da reparação do dano ao abrigo do regime de responsabilidade civil extracontratual pelo risco regulada pela sobredita norma do art. 11º, nº 1, a responsabilidade do Estado apenas pode ser afastada ou reduzida mediante prova da ocorrência de caso de força maior pude concorrência de culpa do lesado, v) E afasta tal regime a possibilidade de repartição da responsabilidade pelo risco inerente, por não estar ali previsto nem na letra, nem no espírito da norma.

vi) A actividade de condução de viaturas automóveis ligeiras...

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