Acórdão nº 286/09.5TBSTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelJORGE ARCANJO
Data da Resolução17 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1.1.- A Autora AA, por si e na qualidade de tutora de BB - instaurou acção ordinária, com forma de processo comum, contra os Réus: 1ºs- CC (posteriormente os habilitados DD, EE, FF ) 2.ºs- GG e marido HH.

Alegou, em resumo: A A. é filha de BB, falecida em ... de 2008, como tal, é sua herdeira legitimária.

Por decisão proferida no processo nº 3991/07.... que se encontra ainda pendente pelo ... Juízo Cível de ..., foi decretada a interdição provisória de BB e a A. foi nomeada tutora provisória daquela, tendo sido fixado o início da incapacidade em ... de 2006.

O 1º Réu, CC, é pai da A. e viúvo da falecida BB.

Com data de 25/07/2006 encontra-se lavrada uma procuração de onde consta aquela BB a declarar constituir seu procurador o R. CC, conferindo-lhe os poderes da mesma constante.

Depois disso, em 10 de Agosto de 2006, o 1º R. CC, por si e na qualidade de procurador da sua esposa BB, celebrou escritura pública em que declarou vender à 2ª Ré mulher, GG, residente na ..., pelo preço de 50.000,00€, o seguinte imóvel: - prédio urbano sito na Trav. ..., na freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28... ... (...) e inscrito na matriz sob o artigo ...96º da indicada freguesia.

Este prédio constituía o único bem imóvel do casal da falecida BB e do 1º R. CC, cujo valor, no mercado, era, na altura, pelo menos, 150.000,00€.

Porém, na referida escritura de compra e venda de 10 de Agosto de 2006, foi declarado apenas o valor de € 50.000,00€, manifestamente irrisório em relação ao valor real e corrente do prédio em causa.

Ora, naquela data (25/07/2006), a BB já estava incapaz de gerir a sua pessoa e bens, como resulta do relatório médico.

O R. marido, a favor de quem aquela BB passou a procuração, tinha perto de 80 anos, sendo pessoa muito influenciável e nada habituado a negócios.

O referido imóvel constituía a casa de morada de família do casal., era o único imóvel que o casal do CC possuía.

Os pretensos compradores, aqui 2ºs RR. nunca ocuparam o imóvel. A casa manteve-se desabitada desde quando a falecida BB e 1º R. (seu viúvo) dela saíram para irem morar para a casa de outra filha, de nome DD.

Os 2ºs RR., que outorgaram como compradores, são pessoas conhecidas e da confiança daquela DD. São parceiros da referida filha DD, com quem a BB e o R. CC foram residir. A filha da DD, de nome II, está casada com um filho dos 2ºs RR.

Os 2ºs RR. não quiseram comprar aquela casa, nem a interdita BB ou o 1º R. CC pretenderam vender a sua casa de habitação.

Também não foi pago pelos 2ºs RR., nem recebido pelo 1º R. e falecida esposa, qualquer preço ou valor.

A procuração é um acto jurídico anulável, por falta de consciência da declaração e falta de capacidade de uma das partes.

Logo a seguir, passados apenas 15 dias sobre a data da procuração, (10/08/2006) foi feita a escritura acima junta a favor dos 2ºs RR., parceiros da DD, filha com quem a falecida BB e 1º R. CC viviam.

É evidente que tudo não passou de um estratagema para os RR, conluiados, fazerem sair o prédio do património do casal, mal a interdita BB ficou gravemente incapacitada. Tudo por influência daquela DD, que não se dá bem com a A. e que terá levado o pai a outorgar a escritura.

Assim, o prédio foi transferido para o nome dos 2ºs RR., pessoas conhecidas e da confiança da filha da interditanda de nome DD, como “testas-de-ferro”. Visavam os RR., entretanto, e no âmbito do estratagema urdido, proceder à venda do prédio a terceiros de boa-fé, de modo a fugir definitivamente com o prédio à partilha entre os herdeiros da BB e assim prejudicar os demais herdeiros.

Resulta do exposto que a escritura de compra e venda de 10 de Agosto de 2006 é um negócio nulo e anulável, o que se invoca nos termos, respectivamente do artigo 240º e artigos 246º, 257º e 150º, todos do Código Civil.

Pediu a procedência da acção e, consequentemente, anulada e/ou declarada a nulidade da procuração de 25/07/2006 e da escritura de 10/08/2006 e cancelados todos os registos posteriores ao indicado negócio efectuados sobre o prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28/... (...) e inscrito na matriz sob o artigo ...96º urbano da indicada freguesia; 1.2. Os Réus contestaram defendendo-se por excepção, ao arguirem a incompetência territorial e a ilegitimidade da Autora, e por impugnação.

Pediram a condenação da Autora como litigante de má fé, em multa e indemnização.

1.3. – Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e absolver os Réus dos pedidos.

1.4. - Inconformada, apelou A. AA, e a Relação do Porto, por acórdão de 4/5/2022, decidiu Julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, declarando-se a nulidade escritura de 10.08.2006 e, em consequência o cancelamento do registo de aquisição a favor dos RR. GG e HH, sobre o prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...28/... (...) e inscrito na matriz sob o artigo ...96.º urbano da indicada freguesia.Custas pelos RR. (incluindo os habilitados).

1.5.- Os Réus GG e marido HH recorreram de revista, com as seguintes conclusões: 1) O Tribunal da Relação do Porto alterou a matéria de facto dada por provada e não provada e revogou parcialmente a decisão proferida em 1ª instância, com base em factos presumidos que não corresponde ao desenvolvimento lógico da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância.

2) Face à lei, as presunções judiciais são autênticos meios de prova, e é entendimento praticamente pacífico que, este Venerando Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar o uso que o Tribunal da Relação fez das presunções judiciais. É matéria de direito, compreendida nas competências deste Venerando Supremo Tribunal, a sindicância do uso de presunções judiciais, quando ocorra fora do condicionalismo imposto pelo art.º 349º do CC.

3) O Tribunal da Relação decidiu que os compradores, aqui recorrentes, não pagaram o preço do imóvel, 50.000,00€, aos vendedores falecidos (pais da recorrida AA) por causa dos cheques depositados e por o preço de venda ser inferior ao preço de mercado segundo avaliações imobiliárias de 2008.

4) O ónus da prova do pagamento do preço aos vendedores recaía sobre os recorrentes/compradores, enquanto o ónus da prova da que esse pagamento foi simulado recaía à recorrida.

5) Os recorrentes juntaram aos autos os cheques que perfazem o preço total da aquisição e que foram depositados na conta bancária dos falecidos proprietários/vendedores, sediada no Santander Totta.

6) A recorrida não carreou aos autos qualquer prova, ou mero indício de que aquela quantia paga pelos recorrentes tivesse regressado à sua posse.

7) O Tribunal da Relação presumiu um facto desconhecido (saída do dinheiro da conta bancária) através do facto conhecido (a entrada do dinheiro na conta bancária), mas sem qualquer indício que justifique.

8) O preço de venda do imóvel, além de ser de livre determinação pelos proprietários, correspondeu a um valor adequado e justo à época, atendendo às suas características., Segundo a Portaria nº 90/2006, de 27deJaneiro do Ministério das Finanças e da Administração Pública: “Éfixado em €492ocustomédio de construção por metro quadrado, para efeitos do artigo 39.o do CIMI, a vigorar no ano de 2006.” 9) O imóvel tinha 123m2 de área bruta de construção (conforme certidão do registo predial junta com a petição inicial), então o valor médio de construção seria 60.516,00€, em 2006, o que não difere muito do preço de venda.

10) O juízo, ou encadeamento de juízos, que levou ao Tribunal da Relação, partindo do facto provado, segundo o qual o preço da compra foi pago por cheque entregue 2 meses após a celebração da escritura, a concluir pela prova do não pagamento do preço, está viciado.

11) Perante a prova produzida nos autos, incontornável e que não deixa margens para dúvidas, o Tribunal da Relação não poderia ter alterado a matéria de facto provado nos pontos 32º e 33º e a matéria de facto não provado no ponto ix.

12) A vontade de vender o imóvel pelos falecidos ficou demonstrada pelas declarações reproduzidas em audiência de julgamento prestadas pelo Notário JJ...

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