Acórdão nº 6306/18.5T8GMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelISAÍAS PÁDUA
Data da Resolução17 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório 1.

Os autores, AA e mulher BB, instauraram (em 2018) contra o réu, BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., todos com os demais sinais dos autos, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que este último seja condenado a pagar-lhes: a) a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 09/05/20216 até integral pagamento, que em 29/10/2018 se contabilizam em € 4.947,95, como indemnização dos danos patrimoniais; e b) uma indemnização não inferior a € 1.500,00 para cada um deles, para reparação dos danos não patrimoniais sofridos, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a sentença até integral pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegaram: O gestor da sua conta que tinham aberta na agência de ... do BPN - Banco Português de Negócios, S.A.

(entretanto adquirido e incorporado, por fusão, no ora R.) - canalizou a quantia de € 50.000,00 que ali possuíam para a compra (em seu nome) de Obrigações SLN Rendimento Mais 2006, sem sua autorização e sem seu conhecimento.

Quando de tal tomaram conhecimento, dirigiram-se àquela agência para exigirem a devolução do referido montante, tendo-lhe então ali sido explicado que se tratava de uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, sem risco de perda de capital, pelo que, face ao que lhe foi dito, aceitaram manter tal aplicação.

Porém, só em 2008, aquando da nacionalização do BPN, é que tiveram conhecimento que aquele seu dinheiro não havia sido aplicado num depósito a prazo ou semelhante, mas sim numa aplicação de risco cuja responsável pela restituição era a Sociedade Lusa de Negócios (SLN) e não o BPN.

Nunca foram também informados sobre o significado da compra de Obrigações SLN Mais 2006, e nem lhes foi explicado o que eram Obrigações subordinadas, nem o que eram Obrigações SLN Mais 2006, bem como nenhuma informação lhes foi prestada quanto à entidade emissora, à liquidez do capital e ao vencimento da retribuição.

Acontece que nem na data de vencimento, nem posteriormente, lhes foi disponibilizada aquela quantia investida/aplicada, recusando-se o R. a restituir-lhes os € 50.000,00, o que, devido a isso, lhes vem também causando danos de natureza não patrimonial, para cujo ressarcimento reclamam a quantia de € 1.500,00 para cada um.

2. Contestou o réu, defendendo-se por exceção e por impugnação.

No que concerne àquela primeira defesa invocou, além do mais, prescrição do direito dos autores.

E no que concerne àquela segunda defesa, alegou, em síntese, que cumpriu para com os AA. os deveres a que estava vinculado, e particularmente o dever de informação, declinando qualquer responsabilidade pelos danos que o AA. alegam ter sofrido.

Concluiu pedindo a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.

3. Os AA. responderam àquela matéria de exceção.

4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou o R. a pagar aos AA. a) a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros à taxa legal, desde 09/05/2016 e até integral pagamento; b) e ainda a quantia de € 750,00 (a título de indemnização por danos não patrimoniais) cada um dos AA., num total de € 1.500,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, calculados desde a data da prolação dessa sentença e até integral pagamento.

5. Inconformada como tal decisão, dela apelou o R.

.

6.

Na apreciação desse recurso, a Relação de Guimarães (TRG), por acórdão de 05/12/2019, decidiu, no final, e sem voto de vencido, julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

7.

Novamente irresignado com tal acórdão decisório, o R. dele interpôs recurso de revista excecional, tendo concluído as respetivas alegações nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia): «1. O douto acórdão da Relação de Évora violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da DirecKva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verif‌icado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao A. (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação f‌inanceira era um produto sem risco e com capital garantido similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, conf‌igura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não conf‌igura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado ao A., sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verif‌icado incumprimento do reembolso… 5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exatamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO! 7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento f‌inanceiro ... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos! 8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à exceção de ser uma mera hipótese académica -, em 2004, dez anos antes! 9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco! 12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspetiva da insolvência era também equivalente! 14. A única diferença consiste no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de conf‌iança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objetivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação… 17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos f‌inanceiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exatamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densif‌icação ou explicação aos clientes, a f‌im de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá af‌irmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave! 20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a af‌irmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é suscetível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no art. 236º do CC uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário f‌inanceiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exatas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais f‌iáveis possível pelo banco.

24. O grau de exatidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, f‌icou demonstrado, e foi assumido pelo Autor, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar do autor não ser investidor com especiais conhecimentos técnicos na área f‌inanceira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dif‌iculdade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários f‌inanceiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes...

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