Acórdão nº 0148/21.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução18 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações I.

Z... - Investimento Imobiliário SA, inconformada com a decisão arbitral proferida no processo nº 472/2020-T no dia 19 de outubro de 2021 que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgando totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido contra o acto de liquidação número 160911014346703, de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas ("IMT") do ano 2011, no valor de € 968.540,58, vem dela apresentar Recurso para Uniformização de Jurisprudência, para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e do artigo 152º do C.P.P.T, por considerar que a referida decisão arbitral recorrida colide com o acórdão fundamento proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do processo nº 0356/10.7BELRS, datado de 28 de fevereiro de 2019, o qual transitou em julgado.

II. A recorrente, veio apresentar alegações de recurso a fls. 4 a 49 do SITAF, no sentido de demonstrar a alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões: A. O presente recurso vem interposto da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído sob a égide do CAAD que julgou totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Recorrente contra o ato de liquidação o ato de liquidação número 160911014346703, de Imposto Municipal sobre as Transmissões onerosas ("IMT") do ano 2011, no valor de € 968.540,58.

  1. A liquidação de IMT em discussão incidiu sobre o acordo de divisão de coisa comum, mediante o qual a aqui Recorrente e a sua comproprietária Y... dividiram a propriedade de um complexo de edifícios que era detido pela Recorrente em 72% e pela Y... em 28% em regime de compropriedade (fruto da escritura de compra e venda celebrada seis anos antes em que a Y... vendeu à Recorrente a citada quota de 72%).

  2. Nos termos do acordo, as partes não estipularam qualquer pagamento de tornas, nem qualquer outra forma de compensação por eventuais excessos de valor das frações adjudicadas face ao valor pré-divisão das respetivas alíquotas, em resultado da divisão, limitando-se a adjudicar a cada uma aquilo que ambas tinham assente que lhes caberia em função do Contrato de Promoção de um Empreendimento (que compreendia a edificação dos sobreditos imóveis), contemporâneo da referida escritura de compra e venda de terreno, e no qual se previa que os encargos da construção e a responsabilidade pela mesma relativamente a cada imóvel competiriam à entidade a quem o mesmo, no ato de divisão final, seria adjudicado.

  3. A questão controvertida resulta da avaliação no seguimento do ato de divisão, onde ficou estabelecida uma diferença entre o produto do VPT da totalidade dos imóveis edificados pela quota pré-divisão de cada um dos contitulares (72% da Recorrente e 28% da Y...) e o VPT de cada um dos imóveis individuais que a cada uma das partes foi adjudicada nessa divisão (78,3% da Recorrente e 21,7% da Y...), apurando-se, assim, uma diferença, para mais, de €14.900.624,30 a título de VPT na parte que coube à Recorrente.

  4. O Tribunal arbitral entende que aquele acto de divisão este é um facto sujeito a IMT, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT, fazendo suas as palavras do Acórdão deste venerando STA, de 8 de Setembro de 2021, proferido no processo nº 01391/12.6BESNT, “o legislador visa tributar a aquisição de bens imóveis (rectius, as transmissões do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional) na parte em que constitui excesso sobre a quota ideal do sujeito passivo nos bens a partilhar, abstraindo da questão de saber se esse fenómeno, em concreto, tem natureza meramente translativa ou aquisitiva e, neste último caso, tem natureza gratuita ou onerosa” – (cfr. pag. 18 da decisão recorrida).

  5. Este entendimento pressupõe, por conseguinte: (i) que a onerosidade, mesmo que presumida pela existência do dito excesso de VPT apurado na adjudicação sequente à divisão, não é um requisito fundamental da incidência de IMT; (ii) que, mesmo julgando-se subjazer à hipótese legal em referência uma presunção de onerosidade quando ocorra o dito excesso de VPT, essa presunção não é passível de ilisão tendo de aceitar-se esse excesso mesmo quando se demonstre que ao dividirem a coisa comum, nenhuma das consortes enriqueceu em face do que tinha imediatamente antes da divisão.

  6. Ora, a Recorrente discorda da posição adotada pelo Tribunal Arbitral a quo, - igualmente assumida pelo STA no Acórdão supracitado –, e entende que esta está em oposição a um anterior Acórdão do TCA Sul, de 28 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 356/10.7BELRS, nos termos do qual “o contrato de divisão de coisa comum, não configura, face à nossa lei civil, um contrato oneroso de alienação de bens (não há comprador, não há vendedor e não há preço), uma vez que neste contrato os intervenientes já são titulares de uma quota-parte do direito de propriedade, apenas transmutando a situação para a de uma titularidade única (ou mais reduzida) e exclusiva, com as correspondentes contrapartidas.” e “não existindo “transmissão onerosa de imóvel” não estão preenchidos os pressupostos da tributação, ou, dito de outro modo, não constituindo a divisão de coisa comum uma alienação onerosa de imóveis também não pode ser sujeita ao regime do artigo 2.º do Código do IMT”.

  7. Nos termos deste Acórdão do TCAS, a onerosidade do facto sujeito a IMT é um requisito fundamental da incidência de IMT e a sujeição de um acordo de divisão de coisa comum a IMT está à partida impedida pela própria natureza desse acordo, que não constitui uma alienação onerosa de imóveis, pressuposto inultrapassável da concreta tributação e da subsequente obrigação do sujeito.

    I. A Recorrente não vai tão longe como o TCAS, entendendo que a operação de divisão pode sofrer a incidência de IMT, mas não prescinde jamais do requisito nuclear do IMT, a onerosidade, que está presente, nomeadamente, no pagamento de tornas, ou qualquer forma de compensação por eventuais excessos de valor das frações adjudicadas face ao valor pré-divisão das respetivas alíquotas –, podendo a regra de aplicação do excesso de IMT sobre o excesso de valor declarado pelas partes (que pode ser nulo, como foi no caso sub judice) revestir, quando muito, a força de uma presunção juris tantum de onerosidade e nada mais do que isso.

  8. É patente a identidade fundamental quanto à situação de facto entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido (cfr. arts. 36 a 45 supra), a identidade da questão decidenda (cfr. os mesmos artigos), e a incompatibilidade entre as soluções jurídicas de um e do outro (cfr. arts. 48 e 49 supra), estando, desta forma, preenchidos os pressupostos substanciais do recurso por oposição de acórdãos, nos termos do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT, na medida em que (i) existe uma contradição entre a decisão arbitral de que se recorre e um acórdão proferido pelo TCA Sul; (ii) essa contradição é relativa à mesma questão fundamental de direito; e (iii) a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não está de acordo com a jurisprudência consolidada do STA.

  9. Sendo certo que também os requisitos formais do recurso por oposição de acórdãos, previstos no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT, a saber: (i) a interposição do recurso no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral; (ii) a invocação e identificação de acórdão proferido pelo TCA ou pelo STA que se encontre em oposição com a decisão arbitral recorrida (acórdão fundamento); e (iii) o trânsito em julgado de acórdão fundamento, estão preenchidos no caso sub judice.

    L. O IMT é, do ponto de vista axiológico, um imposto que visa tributar uma riqueza real assente numa capacidade aquisitiva que se revela através de uma dada aquisição imobiliária que será, primordialmente uma aquisição subsumível ao nº 1 do artigo 2º do CIMT, segundo o qual “o IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.”– (cfr. por exemplo, Acórdão do STA de 7/03/2012, proc. 0861/2010).

  10. No entanto, esta circunscrição do âmbito objetivo do IMT às alienações de direitos reais cedo se revelou passível de manipulação por via de outro tipo de contratos que, não tendo como efeito a transmissão de direitos reais, revestem um efeito económico e material análogo, conferindo um domínio ao contraente que pode corresponder grosso modo ao de um proprietário.

  11. Nesse sentido, ensina o Prof. Casalta Nabais (cfr. Direito Fiscal, 5ª Ed. 2009, Almedina, p. 640 e 641), “o conceito fiscal de transmissão (bem como os de onerosidade e de imóvel) coincide, em princípio, com o do direito privado, só assim não sendo nos casos em que a lei fiscal, nomeadamente com o objectivo de prevenir a fuga ao imposto, dispuser em sentido contrário”, esclarecendo depois que são esses casos os dispostos nos nºs 2 e 3 do artigo 2º do CIMT, tendo os últimos sido aditados aquando da entrada em vigor do CIMT.

  12. Estas normas estabelecem ficções legais de transmissão jurídica em casos em que se entende haver uma transmissão económica e, disso não há dúvida nenhuma – desde logo olhando às regras do “valor tributável” constantes do artigo 12º - sempre a título oneroso. P. No entanto, podendo prescindir de uma transmissão jurídica, todas as operações constantes destes números não podem prescindir da faceta da onerosidade, da existência de uma contrapartida pela totalidade ou parte de um bem imóvel, que é o alfa e o ómega do IMT.

  13. Da conjugação deste número com o artigo 12º, resulta que há sempre onerosidade, na medida em que há sempre ou um valor de transação, declarado pelas partes, ou um valor contabilístico ou um substituto destes que visa sempre evitar uma subdeclaração de valores e...

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