Acórdão nº 97/05.7TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução12 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A) Banco 1..., SA, veio intentar execução comum, para pagamento de quantia certa, contra AA e BB, dando como título executivo uma escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, segundo a qual a exequente declarou conceder ao executado/mutuário um empréstimo da quantia de €53.620,77, importância de que este se confessou devedor e, para garantia desse empréstimo, juros e despesas o executado constituiu hipoteca sobre o imóvel em causa, a favor da exequente.

Aquela importância foi entregue ao executado/mutuário, que a recebeu e se obrigou a restituir à exequente em prestações mensais de capital e juros, tendo-a destinado à aquisição do imóvel identificado nessa escritura para a sua habitação própria e permanente.

O executado/fiador responsabilizou-se como fiador e principal pagador por tudo quanto seja devido à exequente, em consequência do aludido empréstimo, não tendo os executados cumprido as obrigações que assumiram naquele contrato, não tendo pago, nas datas dos respetivos vencimentos, nem posteriormente, as prestações a que se obrigaram para o reembolso do capital e juros, o que ocorre desde 28.10.2003, determinando assim, nessa data, o vencimento de toda a dívida.

Entende, assim, a exequente que tem, por isso, direito a haver o capital em dívida, os juros, vencidos e vincendos, até ao efetivo e integral pagamento, à taxa anual contratual de 10,246%, correspondente à taxa em vigor para as operações ativas de 8,246%, acrescida da sobretaxa de 2% a título de cláusula penal contados desde 29/10/2003.

Procedeu-se à citação pessoal do executado AA, tendo o executado BB sido citado editalmente, tendo esta citação sido anulada por preterição de formalidade imposta por lei, tendo-se procedido à citação por contacto pessoal deste posteriormente (a 15/10/2010, certidão junta aos autos a 12/01/2011).

Pelos executados não foi deduzida oposição.

Em 13/11/2020, foi o executado notificado da conta provisória final.

Tendo prosseguido os autos, veio o executado AA, (a 25/11/2020, ref. ...91) apresentar requerimento, denominado reclamação, onde conclui entendendo que “deve a reclamação ser julgada procedente e em consequência ordenar junto da Exª Srª Agente de Execução que proceda à elaboração de uma nova conta discriminativa, suprindo e retificando os erros supra apontados, seguindo-se os ulteriores termos legais.

No essencial, discorda o executado dos juros e da taxa de juros aplicada para o cálculo do montante em dívida.

A exequente Banco 1..., SA (Banco 1..., SA) veio pronunciar-se, entendendo que a Srª Agente de Execução deverá prestar os esclarecimentos necessários quanto ao cálculo dos juros e, em relação à taxa de juros aplicável a reclamação deverá ser indeferida.

*B) Foi proferido o despacho de 06/07/2022, onde consta: Da reclamação apresentada pelos executados no passado dia 25-11-2020.

Os executados, na reclamação em apreço, entendem, em síntese, que a execução não poderá prosseguir os seus termos, como requerido pela exequente, porquanto a quantia exequenda está integralmente paga.

*A exequente pugnou pela improcedência da reclamação apresentada pelos executados.

*Cumpre decidir: Como ensina o Prof. Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, pág. 63, o título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade da realização coativa da correspondente prestação através de uma ação executiva.

Esse título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efetiva do seu direito à prestação.

Como é sabido, a força executiva conferida aos títulos taxativamente enumerados no C. P. Civil encontra o seu fundamento a final na relativa certeza da existência da obrigação que os mesmos documentam ao nível do direito substantivo, e "o risco que representa a possibilidade de ao título executivo não corresponder um direito efetivamente existente é coberto pela defesa que a lei permite ao executado exercer em oposição à execução" - Cfr. Prof. Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e especial, 3ª edição, 1977, pág. 46 e 47.

Pode, assim, dizer-se que o título executivo exerce uma tripla função: - uma função delimitadora, por ser por ele que se determinam o fim e os limites, objetivos e subjetivos (neste caso também se diz que tem uma função de legitimação, por determinar quem tem legitimidade ativa e passiva), da ação executiva; - uma função probatória, por se tratar de um (ou vários) documento(s) com uma determinada eficácia probatória.

- e uma função constitutiva, por atribuir exequibilidade a uma pretensão, permitindo a sua realização coerciva [Acórdão da Relação do Porto de 02-02-2010 in www.dgsi.pt].

No caso em apreço, foi apresentada à execução um documento autenticado, elaborado por um notário, que importa o reconhecimento de uma obrigação pecuniária por parte dos executados – cfr. extinto artigo 46.º, do C.P.C. e atual artigo 703.º, do C.P.C..

No respetivo requerimento executivo, como muito bem salientam os executados na reclamação, consta que “sobre o capital em divida acrescem os juros vencidos até efetivo e integral pagamento, à menciona a taxa anual contratual de 10,246%, contados desde 29.10.2003”; que “(…) os executados não cumpriram as obrigações que assumiram naquele contrato, não tendo ago, nas datas dos respetivos vencimentos, nem posteriormente, as prestações a que se obrigaram para o reembolso do capital e juros, o que ocorre desde 28.10.2003, determinando assim, nessa data, o vencimento de toda a divida“ e que “(…) a Exequente tem, por isso, direito a haver o capital em divida os juros, vencidos e vincendos, até ao efetivo e integral pagamento, à taxa anual contratual de 10,246%, correspondente à taxa em vigor para as operações ativas de 8,246%, acrescida da sobretaxa de 2%, a título de cláusula penal, contados desde 29.10.2003.” Note-se que esta alegação da exequente no requerimento executivo reflete o teor das cláusulas contratuais inscritas no título executivo, nomeadamente, o teor das cláusulas 4º, 6º, 7º e 18º, do respetivo “documento complementar” que acompanha a escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança - cfr. fls. 22 e ss..

Acontece que o requerimento executivo não mereceu a oposição dos executados, o que significa que a obrigação se considera fixada nos termos do teor do requerimento executivo – cfr. artigo 716º, nº, 4, do C.P.C..

É, assim, indiscutível que não tendo os executados “contestado” a natureza e os limites impostos pelo título executivo, nomeadamente, a taxa de juros aí prevista e peticionada pela exequente, será esta a taxa a que deverá recorrer o agente de execução para realizar o cálculo da quantia exequenda – cfr. artigo 716º, nº 2 do C.P.C..

Neste contexto, apenas nos resta afirmar que a taxa de juro em crise só poderá ser a taxa de juros descrita pela exequente no requerimento executivo e que reflete as condições contratuais acordadas entre as partes.

1 (1 Relativamente aos juros peticionados, e no que ao caso importa, estes têm uma natureza remuneratória e uma natureza moratória.

Os primeiros, os juros remuneratórios, têm uma finalidade remuneratória do capital, correspondente ao prazo do empréstimo do dinheiro pelo tempo que o credor se priva do capital por o ter cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo uma remuneração por essa cedência.

Os segundos, os juros moratórios, têm uma natureza indemnizatória dos danos causados pela mora, visando recompensar o devedor pelos prejuízos em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor.

No caso, conforme resulta do teor das cláusulas inscritas no respetivo documento complementar anexo à escritura pública, celebrados ao abrigo do princípio da liberdade contratual e da eficácia dos contratos - cfr. artigos 405º e 406º, do Código Civil - fixou-se a taxa de juro que terá de ser aplicada em caso de incumprimento contratual, como aconteceu.

Tal regime contratualizado entre as partes é perfeitamente aceitável, à luz do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/2009 - http://dre.pt/pdf1s/2009/05/08600/0253002538.pdf.

Na verdade, tal aresto não inviabiliza o acordo das partes no que diz respeito à inclusão das prestações vencidas não só do respetivo capital como também dos respetivos juros remuneratórios.

Confere ainda neste sentido, decisão do STJ, datada de 22.2.2005, relatada pelo Exmo. Juiz Conselheiro Pinto Monteiro, “… tendo sido convencionado que a falta de pagamento de uma prestação na data do respetivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes, entendemos que é devida a totalidade pela importância global, não se justificando o abatimento de juros remuneratórios de prestações vencidas posteriormente à data do incumprimento – disponível in CJSTJ, Ano XIII, tomo I, pág. 87.

No mesmo sentido, vd. Acórdão da R.L., datado de 5.2.2002, relatado pelo Exmo. Juiz Desembargador Abrantes Geraldes, nos termos do qual, “… o conteúdo dessa responsabilidade deve buscar-se recorrendo ao regime legal supletivo. (…) Em...

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