Acórdão nº 340/18.2T8EPS.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução12 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA; e BB, CC, estes casados entre si, instauraram em 20-04-2018 ação declarativa comum contra DD e EE, casados entre si, peticionando que, pela sua procedência:

  1. Se decrete e condene os réus a reconhecer que o prédio dos autores, identificado no anterior artigo 1.º, beneficia de uma servidão de passagem (constituída por usucapião, ou caso assim não se entenda constituída legalmente), pela faixa de terreno ou caminho descrito no anterior artigo ...6.º, servidão essa com as características aí definidas, nomeadamente quanto à localização, que onera o prédio identificado no anterior artigo 11.º e que confere aos autores, ou a quem estes mandarem ou transmitirem o seu prédio, o direito de passar nesse caminho, sempre que entenderem necessário ou conveniente, designadamente para se deslocarem ao seu prédio, a pé ou em qualquer tipo de veículo, ligeiro ou pesado, agrícola, de passageiros ou de mercadorias; b) Condenar os réus a restituir aos autores esse caminho de servidão e a repô-lo no estado em que se encontrava antes de praticarem os atos referidos nos anteriores artigos 39.º, designadamente retirando as correntes que aí colocaram sobre a largura do leito do caminho de servidão; c) Decretar e condenar os réus a absterem-se da prática de quaisquer atos lesivos dos direitos referidos, designadamente de ocupar, no todo ou em parte o caminho em causa e deixando livre o espaço suficiente para permitir a passagem, nos termos e pela forma referida nas al. a) e b); d) Ordenar o cancelamento de quaisquer registos efetuados em contrário do aqui peticionado.

    Alegaram, para o efeito, em síntese, que a autora, AA, é dona e legítima proprietária de um prédio urbano, composto por casa com dois pavimentos e logradouro, com 819 m2 de área total, sito no lugar de .../Rua ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte, com os autores, sul e poente com FF e nascente com caminho (Rua ..., descrito na CRP sob o n.º ...32.º e inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...21.º; o qual adquiriu dos autores BB e CC, seus pais, através de doação outorgada por escritura pública de 27-04-2015, pela qual estes reservaram para si o direito de uso e habitação do referido prédio, sendo os réus donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, composto por terreno de construção, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., que confronta a sul com os autores, descrito na CRP sob o n.º ...72.º e inscrito na matriz predial sob o art.º ...16.º.

    Invocam que o acesso ao prédio dos autores foi sempre feito por uma faixa de terreno que descrevem e cuja propriedade foi objeto de discussão no processo n.º 240/16...., J..., Juízo de competência genérica ..., que correu termos entre os ora autores e réus e na qual os ora autores foram condenados a reconhecer que a faixa era propriedade dos aqui réus.

    Sustentam os autores que esse caminho sempre foi o único acesso ao seu prédio, servindo para satisfazer todas as suas necessidades, permitindo a passagem de pessoas, bens, carros, mercadorias, para todos os fins tidos por convenientes pelos autores, nomeadamente para a casa de habitação e para o funcionamento da confeção que aí têm instalada, o que os autores sempre fizeram pelo menos durante os últimos 1, 5, 10, 15, 20 e mais anos, invocando a aquisição por usucapião do direito de servidão invocado. Sustentam ainda que, mesmo que assim não se entendesse, sempre os autores teriam o direito de requerer o reconhecimento da constituição de uma servidão legal.

    Os réus contestaram, excecionando o caso julgado decorrente da ação n.º 240/16.0T8EPS em que os ora autores foram réus e os aqui réus foram autores e defendendo-se ainda por impugnação motivada, invocando que o prédio dos autores confronta, pelo nascente, com via pública, que tal via está nivelada com o prédio dos autores e permite o acesso a todos os compartimentos, entre si, desse imóvel, e acesso ao logradouro do mesmo. Concluem que os autores têm acesso direto da via pública para o seu prédio, pelo que o seu prédio não é encravado, nem é verdade que atualmente se encontre instalada uma empresa de confeção a laborar no “pavilhão” que os autores construíram, sustentando que não se verifica qualquer atividade no local há mais de dez anos. Impugnam, ainda, os requisitos da usucapião sustentada pelos autores e, caso se viesse a reconhecer a existência dessa servidão, excecionam a sua extinção por desnecessidade, reiterando o acesso direto do imóvel à via pública, pela Rua .... Sustentam ainda não ser verdade que atualmente se encontre instalada uma empresa de confeção a laborar no “pavilhão” que os Autores construíram, sustentando que não se verifica qualquer atividade no local há mais de dez anos. Impugnam os requisitos da usucapião sustentada pelos autores e, caso se viesse a reconhecer a existência dessa servidão, excecionam a sua extinção por desnecessidade, reiterando o acesso direto do imóvel à via pública, pela Rua ....

    Por despacho de 27-11-2018 foram os autores convidados a completarem a causa de pedir, alegando os factos necessários tendentes à fixação do prejuízo sofrido pelos titulares de direitos sobre o prédio serviente, para o caso de procedência do pedido subsidiário visando o reconhecimento de uma servidão legal, ao qual os autores responderam mediante petição inicial aperfeiçoada (requerimento de 30-11-2018).

    Foi proferido despacho julgando verificada a exceção dilatória de caso julgado invocada e absolvendo os réus da instância.

    Após recurso interposto pelos autores veio esta Relação determinar o prosseguimento dos autos com vista à apreciação dos factos alegados em 39.º. 40.º e 41.º (e subsequente impugnação dos réus a essa matéria) e para decisão de saber se os autores têm o direito de constituição de uma servidão legal, mantendo a absolvição dos réus da instância quanto aos demais pedidos formulados (acórdão de 23-01-2020 devidamente transitado em julgado).

    Foi realizada audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador, com fixação do objeto do litigio e temas de prova.

    Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolvendo os réus do pedido contra si formulado de constituição de uma servidão legal de passagem sobre a faixa de terreno referida no ponto 4) dos factos provados.

    Inconformados com tal decisão dela recorreram os autores, pugnando no sentido da revogação da sentença com a consequente procedência integral da ação.

    Terminam as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «A. Para o tribunal, os autores, entre outras coisas, não alegaram que a utilização da faixa de terreno seja premente ou atual; não invocaram factos que permitissem a conclusão de que a constituição da servidão pelo prédio dos réus é a que menos prejuízos traria; não alegaram que o referido pavilhão só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona.

    B. Em 27/11/18, o tribunal convidou os recorrentes a aperfeiçoar a sua pi, porque entendeu que a constituição de uma servidão legal implica o pagamento de uma indemnização pelo prejuízo sofrido, (art.º 1554.ºCC) e os mesmos não alegam qual o valor dessa indemnização, pelo que se tivesse sido omitido qualquer outro requisito, o tribunal teria convidado os autores a aperfeiçoar o articulado, atento o princípio da adequação processual, da cooperação e do inquisitório – art.º 4º, 5º, 6º, 7º, 411º e 590º CPC.

    C. O despacho saneador, refere igualmente que “Inexistem nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa e que, neste momento, cumpra apreciar.” D. Acresce que, o tribunal da Relação de Guimarães, decidiu que os autores não podiam pedir a constituição de uma servidão por usucapião, mas nada os impedia de pedir a constituição de uma servidão legal, pelo que se tivessem omitido algum requisito, ordenaria a remessa dos autos à 1ª instância para que os autores aperfeiçoassem, novamente, a sua pi e o processo prosseguisse para os efeitos referidos.

    E. O Ac. TRC de 06/12/16 (Proc. 1556/15.9T8LRA.C1), disponível em www.dgsi.pt diz que:“Segundo o disposto no art. 590.º, n.º 2, al. b) e 3, nCPC, incumbe ao juiz providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, dirigindo o correspondente convite à parte. (…) O que o tribunal não pode é deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado e, mais tarde (no despacho saneador ou na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado. Admitir o contrário seria desconsiderar por completo o dever de cooperação do tribunal: afinal, mesmo que este dever não tivesse sido cumprido, o tribunal poderia decidir como se tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado. Resta concluir que, se o tribunal não convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado e, na decisão da causa, considerar improcedente o pedido da parte pela falta do facto que a parte poderia ter invocado se lhe tivesse sido dirigido um convite ao aperfeiçoamento, se verifica uma nulidade da decisão por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), nCPC): o tribunal conhece de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer. Esta nulidade só pode ser evitada se, antes do proferimento da decisão, for dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado.» F. Refere o Ac. TRE 112/20.4T8TNV-E1 de 17/06/2021 ,disponível em www.dgsi.pt, qu: “Complementarmente, poderia colocar-se a hipótese de o pedido da constituição de servidão legal não estava apoiado nos factos suficientes para permitir a obtenção de uma decisão favorável.

    No entanto, este não é o fundamento decisório da anulação de todo o processado. E, mesmo que assim fosse, também...

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