Acórdão nº 0634/21.0BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Janeiro de 2023

Data12 Janeiro 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

O “MUNICÍPIO DE BRAGA”, Réu demandado na presente ação, proposta como “ação administrativa comum” por AA, interpõe o presente recurso de revista do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 17/12/2021 (cfr. fls. 133 e segs. SITAF), que concedeu provimento ao recurso de apelação que o Autor interpusera do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF/Braga), de 4/7/2021 (cfr. fls. 79 e segs. SITAF), e que, revogando esta sentença, julgou a ação totalmente procedente, condenando o Réu “Município” nos termos peticionados.

  1. O Recorrente/Réu “Município de Braga” concluiu do seguinte modo as suas alegações do presente recurso de revista (cfr. fls. 155 e segs. SITAF): «1ª Com o presente recurso de revista pretende o Recorrente obter uma melhor aplicação do direito, bem como obter pronúncia sobre uma questão de elevada relevância jurídica e social (responsabilidade pessoal de avalista de sociedade em incumprimento de procedimentos urbanísticos) e que é pouco tratada pela doutrina e até pela jurisprudência.

    1. A relevância jurídica decorre da circunstância da matéria em discussão convocar para a sua resolução normas de direito do urbanismo, direito civil, direito comercial, direito administrativo e direito processual administrativo, bem como implica a análise da norma civilística do enriquecimento sem causa e sua aplicação no direito administrativo, ou seja, são muitas e algo complexas as questões de direito a tratar e a sua resolução não é pacífica (o que se afere dos presentes autos em que as instâncias proferiram decisões diametralmente opostas).

    2. O acórdão recorrido não aborda outras questões relevantes para a matéria em causa: eventual prescrição do direito ao enriquecimento sem causa e a legitimidade do Recorrido (por se tratar de um putativo crédito de uma sociedade sobre o Município, sociedade esta entretanto dissolvida).

    3. A matéria em causa (o loteamento urbano é um dos procedimentos urbanísticos com mais uso em Portugal por parte dos promotores/construtores e o accionamento de cauções ocorre com bastante frequência – para se levar em consideração: o Recorrente tem, neste momento, em curso no TAF de Braga dois processos em que foram executadas as cauções, a saber o proc. nº 1007/19.0BEBRG e o proc. nº 1190/21.4BEBRG) tem um elevado potencial de ser replicada pelo país inteiro e afectar câmaras e empresários, pois a probabilidade de ocorrer uma situação igual à dos autos é quase uma certeza, o que bem demonstra a sua relevância social.

    4. Considera o Recorrente que o acórdão recorrido errou na aplicação do Direito por não ter considerado diversos aspectos dos institutos jurídicos em presença e assumiu conclusões sem respaldo na lei, pelo que se entende que as questões invocadas a propósito da relevância jurídica constituem fundamento para a melhor aplicação do Direito e que a circunstância das duas instâncias proferirem decisões totalmente opostas justifica a intervenção do Supremo com vista à prolação de decisão confirmativa de uma ou outra decisão para se conferir mais segurança jurídica à comunidade.

    5. O presente recurso preenche os requisitos previstos no nº 1 e no nº 2 do artigo 150º do CPTA, pelo que se encontra em condições de ser recebido na apreciação liminar sumária prevista no nº 6 do mesmo normativo.

    6. O acórdão recorrido entendeu que o acto de accionamento da caução não era impugnável pelo Recorrido; no entanto, o acto de execução da caução não é diferente dos demais actos administrativos na medida em que a Câmara estava obrigada, em tal acto administrativo, a indicar que obras/reparações estavam em falta e qual o seu custo, bem como estava obrigada a informar que iria executar a caução pelo valor dos trabalhos em falta sob pena do mesmo ser ilegal por violação de lei e é, por isso, que o Recorrente entende que o Recorrido tinha legitimidade e fundamento (se o acto fosse ilegal) para impugnar o acto de accionamento da caução.

    7. Se o acto de execução da caução não indicou o valor dos trabalhos em falta, é inequívoco que o Recorrido enquanto sócio da sociedade dissolvida em 24.11.2016 (facto provado B) e avalista tinha legitimidade e interesse processual para impugnar o acto, motivo pelo qual, ao decidir em sentido contrário, o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento de Direito, no caso do artigo 51º do CPTA.

    8. O enriquecimento sem causa foi configurado pelo legislador como uma excepção e não uma regra e como o Recorrido (a sociedade visada e o outro sócio) tinha ao seu dispor meios processuais (concretamente tinha a possibilidade de impugnar o acto administrativo de accionamento da caução) não é o mesmo admissível na situação em causa e até violaria o disposto no artigo 38º/nº 2 do CPTA.

    9. O acórdão recorrido não ponderou devidamente o facto da caução só poder ser devolvida com a recepção definitiva das obras de urbanização e como não foi demonstrada a ocorrência da recepção definitiva é prematuro afirmar-se que a caução não utilizada tinha de ser devolvida ao loteador, razão pela qual incorreu em erro de julgamento de Direito, no caso dos artigos 38º/nº 2 do CPTA, 54º do RJUE e 473º do CCiv.

    10. Ainda que fosse de admitir a legalidade do uso do enriquecimento sem causa era necessário provar-se a sua medida e como não foi feita prova nos autos que houve “enriquecimento” por parte do Recorrente não pode a acção proceder e ao decidir em sentido inverso o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento de Direito, no caso do artigo 473º do CCiv. e do artigo 607º/nº 3 do CPC.

    11. Decorre dos factos provados H e E que o Recorrente pelo menos desde 02.08.2017 sabe que tem de pagar o montante que mais tarde veio a pagar e qual a sua fonte de obrigação, motivo pelo qual se impõe concluir que o direito que o Recorrido se arrogou titular prescreveu em 02.08.2020.

    12. A prescrição constitui excepção dilatória que conduz à absolvição do pedido nos termos do disposto no artigo 89º/nº 3 do CPTA.

    13. As instâncias acabaram por nunca conhecer a questão de ilegitimidade activa suscitada pelo Recorrente na sua contestação e a justificação invocada pelo Recorrido para a sua legitimidade activa é dúbia, pois ora parece se suportar na condição de ex-accionista (cfr. artigos 1 e 3 da p.i.), ora parece se suportar na condição de avalista (cfr. artigos 10 e 16 da p.i.).

    14. O loteador (a sociedade J..., SA) foi quem se assumiu como devedor/incumpridor perante o Recorrente e se a garantia prestada pelo mesmo foi ilegalmente executada quem teria direito a discutir esta questão era a sociedade (e não os seus accionistas).

    15. Se ficcionarmos a existência de uma expectativa/direito de crédito da sociedade sobre o Recorrente teria de ter havido uma cessão de tal direito para o Recorrido, o que não sucedeu.

    16. O Recorrido não alega que na eventual partilha societária, aquando da dissolução/liquidação da sociedade, o eventual crédito sobre o Recorrente lhe foi adjudicado, nem consta da certidão permanente da sociedade que tenha assumido a função de liquidatário que lhe permita a instauração de acções respeitantes a activos supervenientes (nem a existência destes foi demonstrada pelo Recorrido).

    17. Não se encontra legitimidade (ao abrigo do disposto nos artigos 156º e 164º/nº2 do CSC) para Recorrido propor a presente acção assente na sua qualidade de ex-accionista da sociedade loteadora.

    18. Resulta do artigo 524º do CCiv. que o Recorrido não pode demandar o Município credor, pois como avalista apenas tem direito de regresso contra os condevedores e a circunstância de ter pago a dívida da sociedade enquanto avalista não permite a sub-rogação nos respectivos direitos, ou seja, enquanto avalista também se verifica a falta de legitimidade do Recorrido.

    19. A ilegitimidade constitui excepção dilatória conducente à absolvição da instância nos termos do disposto no artigo 89º/nºs. 1 e 4 e) do CPTA.

    20. Quanto à matéria constante do facto provado K o acórdão recorrido considerou irrelevante a existência dessa acção cível e que não havia o risco do Recorrente ser duplamente condenado pelos mesmos fundamentos; no entanto, não se pode concordar com este entendimento na medida em que naquela acção o Recorrido reclama do seu sócio metade da quantia que pagou ao banco por conta da execução da caução.

    21. Não sendo a caução utilizada na totalidade cada um dos sócios tem direito a 50% desse valor, ou seja, o Recorrido só tem direito a 50% pois os restantes 50% cabem ao seu sócio e a procedência desta acção determina que este último também possa reclamar ao Recorrente 50% do remanescente da caução não utilizada.

    22. Ao decidir que o Recorrente não possa vir a ser demandado pelo outro sócio da sociedade loteadora o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento de Direito, concretamente do artigo 473º do CCiv.

    TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o...

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