Acórdão nº 0347/16.4BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações A..., SA, melhor identificada nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a presente impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2011, no montante global de € 455.237,54.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 352 a 388 do SITAF; A. Está em causa no presente recurso: (i) a desconsideração dos encargos financeiros suportados com empréstimos bancários contraídos pela ora Recorrente, por alegado não preenchimento dos pressupostos de dedutibilidade dos gastos de financiamento previstos no artigo 23º, nº 1, alínea c) do Código do IRC (na redação em vigor em 2011); e (ii) a não aplicação do crédito de imposto por dupla tributação internacional previsto no artigo 91º do Código do IRC relativamente a retenções na fonte de imposto sobre o rendimento efetuadas em Angola sobre valores recebidos pela ora Recorrente em 2008 e 2009.

  1. Relativamente à primeira questão, entendeu o Tribunal a quo, na esteira do defendido pela AT, que a AT não necessita de efetuar qualquer averiguação sobre a relação entre os empréstimos bancários e os financiamentos gratuitos concedidos, podendo bastar-se com a verificação da existência dos ditos financiamentos gratuitos a partes relacionadas.

  2. Com efeito, o Tribunal a quo sustenta, na esteira do defendido pela AT, que os encargos financeiros suportados pela ora Recorrida não são indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a IRC ou para a manutenção da fonte produtora, para efeitos do disposto no artigo 23º, nº 1, alínea c) do Código do IRC (na redação em vigor à data dos factos), uma vez que a ora Recorrente concedeu financiamentos não remunerados a empresas relacionadas e não é uma SGPS.

  3. Pelo contrário, constitui entendimento da jurisprudência, designadamente do TCAS, que, para aferir da indispensabilidade de um gasto para efeitos da respetiva dedutibilidade, tem de aferir-se, no caso concreto, se o financiamento concedido a partes relacionadas “não radicaram em razões empresariais, mas na ilícita concessão de vantagens a terceiros ou de benefícios em favor do património pessoal dos sócios” (cf. acórdão do TCAS de 25.11.2009, no processo nº 03501/09).

  4. Isto porque, para poder determinar a não dedutibilidade do gasto, a AT teria de demonstrar que a ora Recorrente havia beneficiado o património pessoal de terceiros, sob pena de se considerar que os pagamentos de juros são tendencialmente normais.

  5. Ora, a Recorrente demonstrou que o financiamento concedido às suas associadas tem relação com a atividade desenvolvida pela Recorrente porquanto, sendo esta “cabeça operacional do grupo”, coordena financeiramente o grupo, concedendo às sociedades associadas empréstimos com o benefício de debitar às mesmas, com atraso, o preço desse financiamento, de quanto resulta que tal é indispensável para o seu crescimento económico, bem como das associadas.

  6. Diversamente, a AT, ignorando as normas e princípios que devem enformar o normal decurso de um qualquer procedimento tributário (nomeadamente, o inspetivo), promoveu uma correção ao lucro tributável da ora Recorrente por via do recurso a um método de afetação indireta dos passivos financeiros da Recorrente aos seus diferentes ativos financeiros.

  7. Note-se que o Relatório de Inspeção não apresenta uma única prova ou elemento que permita estabelecer um nexo entre o financiamento bancário obtido pela ora Recorrente e os valores a receber por esta das entidades do grupo.

    I. Porém, o “método expedito” utilizado pela AT para sustentar a correção efetuada não é permitido pela lei, nem pela Constituição, conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência.

  8. Com efeito, ao abrigo das regras de repartição do ónus da prova, cabia à AT provar a existência dos factos constitutivos do seu direito a tributar (ou seja, evidenciar a existência de omissões, erros, inexatidões nas declarações fiscais e na contabilidade ou indícios do que estas não refletem a realidade, com consequências na liquidação e cobrança de imposto).

  9. Não o tendo feito, não tendo apresentado um único elemento, indício, documento ou prova do facto que suporta toda a correção, ou seja, que o financiamento bancário obtido pela Recorrente foi “canalizado” para as empresas do grupo e originou o passivo não remunerado que consta das suas demonstrações financeiras, a correção é ilegal, sendo-o também o ato de liquidação que a materializa.

    L. Basta atentar-se às decisões arbitrais de 21.11.2012 (no processo nº 24/2012-T), de 08.07.2013 (no processo nº 12/2013-T), de 21.05.2015 (no processo nº 738/2014-T), de 02.07.2015 (no processo nº 780/2014-T), de 11.11.2015 (no processo nº 292/2015-T) e de 12.11.2015 (no processo nº 326/2015-T), para que se constate que há um entendimento consistente de que a “«afectação indirecta» criada pela [AT] através da Circular nº 7/2004 é uma mera ficção, baseada em presunções cujo fundamento não é nela explicado, para levar a concluir que houve uma afectação (necessariamente directa) de financiamentos à aquisição de participações sem se apurar se ela ocorreu ou não e em que medida”.

  10. Deste modo, não ficou demonstrado que os juros pagos aos bancos não cumprem o critério da indispensabilidade previsto no artigo 23º, do Código do IRC, pelo que se impõe concluir que aquele ente público não foi capaz de afastar ou destruir a presunção da veracidade das declarações fiscais e da contabilidade de que goza a Recorrente.

  11. Termos em que, mantendo-se verdadeiros (i) os valores dos encargos financeiros suportados pela Recorrente e que foram registados contabilisticamente e declarados para efeitos fiscais e (ii) inexistindo quaisquer indícios que seriamente possam abalar a presunção de que tais encargos são economicamente justificados e que devem ser considerados para efeitos de apuramento do seu lucro tributável, deverá este Venerando Tribunal concluir, desde já e sem mais, que as liquidações de IRC, juros compensatórios e juros de mora, na parte que aqui se contesta, se encontram feridas pelo vício de violação de lei, devendo em consequência ser anuladas.

  12. Relativamente à dedução à coleta mediante a aplicação do crédito de imposto por dupla tributação internacional, é de concluir também pela ilegalidade do ato de liquidação.

  13. Com efeito, o princípio da periodização do lucro tributável não tem, contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, aplicação senão quanto à regulação da imputação temporal das componentes positivas e negativas do próprio rendimento, num momento prévio ao do apuramento da matéria coletável e subsequente liquidação.

  14. Assim, este princípio não impede a dedução à coleta do imposto suportado no estrangeiro quando os rendimentos sujeitos a retenção na fonte no estrangeiro tenham sido incluídos na matéria tributável de períodos anteriores.

  15. Fazer depender a aplicação do crédito de imposto por dupla tributação internacional da correspondência entre a inclusão dos rendimentos na matéria coletável de determinado período e a dedução à coleta...

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