Acórdão nº 566/19.1EACTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO LIMA
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1.

No Juízo Local Criminal ... (J...), do Tribunal Judicial da Comarca ..., e em impugnação judicial de decisão administrativa tomada em processo de contraordenação, deduzida pela arguida Freguesia ...

, pessoa colectiva n.º ..., com sede no Largo ..., T..., ..., o Ministério Público (MP) tornou presente essa decisão administrativa a juiz em 02/08/2022, para valer como acusação, assim a acompanhando, na sequência do que a 03/10/2022 veio a ter lugar decisão, por despacho, em cujos termos aquela impugnação foi apenas parcialmente atendida, mantendo-se a final a condenação da arguida pelas contraordenações, praticadas a título doloso e em 22/08/2022, de falta de implementação de um sistema de segurança alimentar segundo os princípios de HACCP [p. e p. pelos art. 5.º do Regulamento (CE) n.º 852/2004, do Parlamento e do Conselho, de 29/04, e art. 6.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 113/2006, de 12/06], de falta de livro de reclamações [p. e p. pelos art. 3.º, n.º 1, al. a), e 9.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 156/2005, de 15/09], e de falta de comunicação prévia de actividade [p. e p. pelos art. 4.º, n.º 1, al. l), e 7, e 143.º, n.º 2, al. a), subal. Ii), do DL n.º 10/2015, de 16/01], mas sendo reduzidos os valores das coimas por ela aplicadas, em concreto a 500,00 €, a primeira, 1.500,00 €, a segunda, e 250,00 €, a terceira, com fixação da coima única em 1.800,00 €.

  1. Dessa sentença vem agora a arguida interpor recurso em que pugna pela sua absolvição de todas aquelas contraordenações. Das respectivas motivações extrai a final as seguintes conclusões: «I – A recorrente não se conforma com a condenação num procedimento contraordenacional em que a responsabilidade pelos factos se encontra prescrita, na medida em que desde a data dos alegados factos (data da inspeção, em 22 de agosto de 2022) até à data da notificação (em 28 de julho de 2022), passou mais de um ano.

II – Considerando o valor da coima única de 2.100,00€, o prazo de prescrição já se mostra ultrapassado, pelo que andou mal o tribunal a quo em não determinar a extinção do processo nos termos do art. 27.º, al. c), do RGCO.

III – O tribunal a quo, mal, validou um procedimento administrativo que acusa e condena um órgão em detrimento da pessoa coletiva de direito público.

IV – A arguida identificada no processo administrativo (Junta de Freguesia) não tem personalidade jurídica, não é pessoa coletiva e é insuscetível de responsabilidade contraordenacional, numa clara violação do direito, designadamente do art. 7.º, n.º 1, do RGCO.

V – Pelo que a recorrente, não tendo sido arguida durante o processo administrativo, não se conforma com a condenação do tribunal a quo.

VI – De igual forma, a recorrente não se conforma com a condenação no âmbito de um processo onde não foi validamente notificada para o exercício do direito de defesa. Ao invés, a recorrida notificou uma outra entidade (o “Presidente da Junta”).

VII – Não pode aceitar a recorrente a condenação num procedimento administrativo que padece de nulidade por violação do disposto no art. 50.º, do RGCO, uma vez que a recorrente não foi notificada para o exercício do direito de defesa.

VIII – Por fim, a recorrente não se conforma com a equiparação (como autarquia e pessoa coletiva de direito público) a uma empresa do sector alimentar, fornecedor de bens ou serviços ou exploradora de atividades económicas.

IX – Andou mal o tribunal a quo ao não determinar a insusceptibilidade de aplicação do normativo previsto no art. 5.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 852/2004, do Parlamento e do Conselho, de 29/04, no art. 3.º, n.º 1, al. a), do DL 156/2005, de 15/09, e no art. 4.º, do DL n.º 10/2015, de 16/01, à recorrente.

X – Decidindo daquela forma, violou de forma flagrante o princípio da legalidade previsto no art. 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (nullum crimen, nulla poene sine lege).

» 3.

Admitido o recurso, o MP ofereceu resposta, em que sustenta ser a decisão recorrida isenta de reparo e por isso dever ser mantida, a final igualmente formulando conclusões que são as seguintes: «I – No caso em apreço, é notório que não se verifica a prescrição do procedimento criminal, por não terem decorrido os prazos legais.

II – Além disso, também não deverá proceder a questão suscitada em como ocorre nulidade por ilegitimidade da arguida, na medida em que o vício invocado não conduz à nulidade e o mesmo foi sanado com a circunstância de ter sido a Freguesia ... quem apresentou o presente recurso.

III – Por fim, também não deverá proceder a questão levantada no presente recurso em como se verifica uma nulidade do procedimento contraordenacional por falta de notificação da arguida, em sede administrativa, para o exercício da defesa, uma vez que esse facto não corresponde à verdade, tendo a arguida sido notificada para esse efeito, e tendo recebido, efectivamente, a notificação.

IV – Desta sorte, afigura-se-nos que o recurso não merece provimento, devendo a douta sentença ser mantida e a arguida condenada, em conformidade.» 4.

Subidos os autos, o Sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer em que, acompanhando a posição expressa na resposta ao recurso, que aliás desenvolve, a final igualmente se pronuncia no sentido de àquele não ser dado provimento algum, e cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais se acrescentou, após o que, ao exame preliminar não se patenteando dúvidas relevantes, sem outras vicissitudes se colheram os vistos e foram os autos à conferência.

II – Fundamentação 1.

Delimitação do objeto do recurso 1.1.

O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e a esta luz as matérias neste caso relevantes, segundo a melhor ordem lógico-processual, são em concreto as seguintes: i.

Saber se ocorreu prescrição do procedimento contraordenacional; ii.

Saber se ocorre ilegitimidade da arguida e nulidade que isso envolva; iii.

Saber se há nulidade do procedimento contraordenacional por falta de notificação para o exercício da defesa; iv.

Enfim, saber se a arguida estava vinculada às normas de conduta cuja violação importasse a comissão das contraordenações em causa. 1.2.

Não havendo lugar a conhecimento da matéria de facto pelo tribunal da relação, que nos termos do art. 75.º, n.º 1, do RGCO, e nada desse diploma aqui especificamente impondo o contrário, apenas decide em matéria de direito (sem prejuízo do disposto pelo art. 410.º, n.º 2, do CPP, em sendo caso), e por outro lado não tendo sido requerida realização de audiência, sempre o recurso deveria ser julgado em conferência (art. 419.º, n.º 3, al. c), e 430.º, n.º 1, a contrario, do CPP), como foi. 2.

A decisão recorrida e seu contexto processual Transcrevem-se aqui não apenas a decisão recorrida (somente no que respeita aos factos apurados e à fundamentação de direito na parte relativa ao que aqui está em causa), mas igualmente o antecedente despacho em que a título de questão prévia fora conhecida a questão da eventual prescrição: i.

Despacho de 21/09/2022 (doc. ref. ...18) «Da prescrição: Na impugnação judicial que apresentou, veio o recorrente suscitar a prescrição do procedimento criminal, alegando que já decorreu o prazo de prescrição legal, atendendo à data da infração.

Com a refª. ...93 [em 18/09/2022], o MP pronunciou-se no sentido de o procedimento contraordenacional não se encontrar prescrito.

Tratando-se de questão prévia, cumpre apreciar e decidir.

Compulsados os autos, verifica-se que os factos que consubstanciam a infração contraordenacional em discussão nos autos foram praticados em 22/08/2019 e a decisão administrativa condenatória foi proferida em 29/04/2022.

Ademais, o prazo prescricional aplicável é de três anos, nos termos do art. 27.º, al. b), do DL n.º 433/82, de 27/10.

Portanto, constata-se que desde a prática dos factos já decorreu o prazo de três anos.

No entanto, nos termos do art. 28.º, n.º 1, al. d), do DL n.º 433/82, de 27/10, “[a] prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se: (…) d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima”.

Não obstante, “[a] prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade” (art. 28.º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27/10).

No caso em apreço, verifica-se que a decisão administrativa foi proferida em 29/04/2022, data em que se interrompeu a prescrição, porquanto entre a prática dos factos (22/08/2019) e a prolação da decisão administrativa não decorreram três anos.

Ademais, desde a decisão administrativa (29/04/2022) até ao momento presente também ainda não decorreram três anos.

Por fim, desde a prática dos factos (22/08/2019) até ao momento presente ainda não decorreu o prazo de prescrição acrescido de metade, ou seja, quatro anos e seis meses.

Em face do exposto, o tribunal não declara a prescrição do procedimento contraordenacional.

(…) » ii.

Despacho recorrido (de 03/10/2022, doc. ref. ...47) «I – Relatório (…) Questão prévia [1]: da ilegitimidade da recorrente Invocou a recorrente nulidade da decisão, por ilegitimidade da arguida, uma vez que a coima foi aplicada à Junta de Freguesia ... e não à Freguesia, sendo certo que a Junta de Freguesia é um órgão da Freguesia e não a pessoa coletiva de direito público.

Cumpre apreciar e decidir.

Compulsados os autos, verifica-se que, efetivamente, o auto de contraordenação foi levantado em nome da Junta de Freguesia ..., com o NIPC ... e sede no Largo ..., em T....

O procedimento contraordenacional seguiu os trâmites normais e, a...

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