Acórdão nº 902/21.0T8PBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução13 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Cristina Neves Adjuntos: Teresa Albuquerque Falcão de Magalhães Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO AA, interpôs acção declarativa contra “E..., Lda” e BB, peticionando a sua condenação solidária no pagamento da quantia de 11.446,71 €, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor a contar da citação até efectivo e integral pagamento, alegando, para o efeito, ter celebrado em 2013 um contrato de empreitada com a 1ª R. para que esta efectuasse obras de restauro de uma casa sita em ..., com pagamento dos materiais pelo A., mas acordando com a 1ª R. que estes materiais seriam facturados à sociedade R., que integrava as facturas na sua contabilidade e, posteriormente entregava ao A. o Imposto Sobre o Valor Acrescentado, que lhe viesse a ser restituído pelas Finanças.

Mais alega que o Réu BB assumiu pessoalmente a responsabilidade pela restituição do IVA ao A., tendo procedido ao pagamento de um total de 10.000 € e estando os Réus em falta com a remanescente quantia de 11.446,71 €.

* Citados, vieram os RR. apresentar contestação, tendo invocado a excepção dilatória de ilegitimidade do 2º R. e a excepção peremptória de prescrição do direito do Autor, com apelo ao disposto no art.º 482.º do Código Civil, tendo, no mais, impugnado que tivesse sido o Autor a encomendar e a pagar os materiais aplicados na obra, assim como qualquer acordo para devolução do I.V.A.

* O Autor exerceu o contraditório quanto à matéria de excepção invocada pela contraparte, tendo pugnado pela sua improcedência e concluído pela condenação dos Réus como litigantes de má fé, em multa e indemnização.

* Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva invocada pelos Réus, relegada para final a excepção peremptória de prescrição do direito do A. e, fixado o objecto do litígio, foram igualmente fixados os temas de prova.

* Após, realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença na qual decidiu o tribunal julgar a acção improcedente e absolver os RR. do pedido, bem como condenar ambos os RR. por litigância de má fé, na multa de 4 U.Cs., cada um.

* Não conformado com esta decisão, impetrou o A. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “V/ CONCLUSÕES: I. A douta sentença recorrida padece de vícios graves na apreciação da matéria de facto e não fez a devida aplicação do direito.

  1. Foram carreadas para os autos provas inequívocas e irrefutáveis que impunham resposta contrária à matéria de facto das alíneas c) a gg) e hh), dos factos não provados, atendendo a que: a) Se mostra provada a existência de um contrato de empreitada celebrado entre A. e Ré (alínea d), dos factos provados).

    1. no âmbito de tal contrato, a Ré estava obrigada a fornecer a mão-de-obra (alínea e) dos factos provados) e o A. a escolher, encomendar e pagar os materiais directamente aos fornecedores (alínea g) e h), dos factos provados) e os que fossem adquiridos pela Ré, o A. a entregar à Ré o valor por ela pago (alínea ss), dos factos provados).

    2. está provado que as facturas eram emitidas em nome da Ré sociedade que, posteriormente, recebia do Estado o valor do respectivo IVA (alínea i), dos factos provados).

  2. Assim, destes factos dados como provados resulta inequívoco que TODOS os materiais foram pagos pelo A. (incluindo o IVA), assim como TODOS os valores correspondentes ao fornecimento de serviços prestados na obra, única leitura que se pode extrair da factualidade dada como provada (vide alíneas e) a l); rr) e ss), dos factos provados).

  3. Provado está, também, que foi acordado entre A. e Ré que esta se obrigava a entregar àquele o valor do IVA que lhe fosse devolvido pelo Estado resultante da obra em causa (alíneas l), dos factos provados).

  4. Bem como provado está que a Ré restituiu ao A. a quantia de 10.000,00 €, a título de IVA por este pago (alínea vv), dos factos provados).

  5. Em face das posições assumidas pelos RR. nos autos, o A. requereu a fls. 65, a junção da “totalidade da facturação dos materiais e serviços fornecidos para a obra”, que os RR. juntaram de fls. 153 a 385, dos autos.

  6. Do cotejo e análise dessa facturação, resulta que o valor do IVA ascende a 20.496,92 €, correspondente ao somatório do IVA facturado (20.942,95 €) deduzido o IVA das notas de crédito (446,03 €), conforme documentos de fls. 153 a 385 dos autos.

  7. O A. comprovou apenas o que lhe foi possível demonstrar com recurso a instituições bancárias e a informação de alguns dos fornecedores (que no total ascendem a mais de quarenta), tarefa que se mostrou megalómana, monstruosa e praticamente impossível.

  8. Apesar disso, o A. conseguiu comprovar o valor de 9.627,09 €, conforme douta sentença (inferior até ao devolvido pela Ré e significativamente 1nferior ao valor do IVA da facturação da obra), mas também demonstrou ter sido ele a encomendar, escolher e a pagar os materiais e aos fornecedores de serviços (vide documentos de fls. 395 a 582, dos autos).

    MAS NÃO NOS FICAMOS POR AQUI: X. Outro elemento de valor probatório significativo é a troca de emails entre o A. e o gerente da Ré CC (fls. 582 a 582, dos autos).

  9. Essa troca de comunicações é contextualizada na sequência da dificuldade sentida pelo A. em reaver o valor do IVA que, como afirma, ascendia a 21.446,71 €.

  10. A certo passo o referido CC escreveu o seguinte: “Em relação à seguinte afirmação: Dos 11.500,00 € que me são devidos somente peço devolução de 8.000€. (referido pelo A., no mail anterior de 20 de Julho de 2021) Em 15/03/2015 foram abatidos 10.000,00€ pois o meu pai entregou-lhe este valor.

    O saldo que ficou pendente foram 10.000,00€, agora vem dizer que são 11.500,00€! Dito isto, informamos que a nossa proposta continua a ser de 5.000,00€.” – email de 27/07/2021. (fls. 583 e 584).

  11. O demonstra a existência de uma reunião para apuramento do valor do IVA; que o valor global era de, PELO MENOS, 20.000,00 €; que já tinha sido devolvida a quantia de 10.000,00 € (confirmado pelo A. e, pasme-se, negado pelos RR.); e que se propunham fechar o assunto com o pagamento ao A. de 5.000,00 €.

  12. Em face de todos estes elementos probatórios presentes nos autos, o tribunal teria de retirar daí as devidas ilações.

  13. Face à prova produzida, os factos das alíneas c) a gg), dos factos não provados, terão de ser dados como provados, atenta toda a matéria de facto dada como provada, designadamente os factos e) e ss), dos factos provados.

  14. Igualmente outra deveria ter sido a resposta dada ao facto não provado contante da alínea hh), dos factos não provados.

  15. Pois, resulta que houve efectivamente uma reunião onde foi apurado o valor do IVA a devolver, e que o valor apurado foi de, PELO MENOS, 20.000,00 €, informação essa que nos é dada pelo gerente CC (email, fls. 583 e 584).

  16. Só o conhecimento concreto dos factos que estão em causa nos autos permitiria ao referido gerente escrever o que escreveu e sem quaisquer equívocos.

  17. Assim a formulação deste facto deveria sê-lo em termos de ter sido apurado o valor do IVA a devolver ao A. de, pelo menos, 20.000,00 €.

  18. O menosprezo deste elemento de prova é perfeitamente surreal, para mais quando temos como certa a realização do pagamento de 10.000,00 €, a título de devolução de parte do IVA devido ao A. ou a proposta de 5.000,00 € pela Ré para acabar com o assunto.

  19. O teor deste documento, que é de crucial importância para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, foi pura e simplesmente menosprezado pelo tribunal a quo.

  20. Assim como os documentos de fls 153 a 385, dos autos não foram devidamente valorados pelo tribunal em manifesta e gritante violação do artigo 607º/4, do CPC.

  21. Efetivamente, o tribunal a quo não procedeu a um exame crítico das provas, não teve em consideração e não valorou devidamente tais documentos, que desmontam por completo a versão maliciosa e inverosímil trazida pelos RR. aos autos (vide em especial a documentação de fls. 395 a 582, dos autos).

  22. Ora, se tivesse ocorrido a adequada valoração do conteúdo de tais documentos outro seria, necessariamente, o desfecho da causa, pois teria permitido ao tribunal a quo, com o apelo ao uso das regras da experiência e do senso comum, inferir que ninguém entregaria 10.000,00 €, sem uma causa que a justificasse; e que o gerente a ele se refira, assim como ao valor global a entregar ao A., se tal não correspondesse ao que resultou apurado na dita reunião. Porque tal não seria crível nem verosímil.

  23. Acrescentando a tudo, há que realçar a postura dos RR. neste processo, os quais vieram a ser condenados como LITIGANTES DE MÁ-FÉ.

  24. Com recurso à facturação apresentada pela Ré e a alegação do A. quanto ao seu pagamento e a prova, assim como a alegação de que mesmo os materiais adquiridos pela Ré, lhe foram pagos (IVA incluído), o Tribunal tinha todos os elementos que lhe permitiam condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de 10.496,92 €.

  25. Não o fazendo, o tribunal a quo errou na apreciação e uso da prova disponível nos autos.

  26. O uso, pelas instâncias, em processo civil, de regras de experiência comum é um critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, não na interpretação e aplicação de normas legais, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica.

  27. Como se decidiu em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6/7/2011 (Hélder Roque), disponível em www.dgsi.pt, “As regras da experiência não são meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos do conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, adquiridas, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, e, noutra parte, mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria, permitindo fundar as presunções naturais, mas sem...

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