Acórdão nº 775/22.6T8FIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução13 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Alberto Ruço Adjuntos: Vitor Amaral Luís Cravo I. Relatório

  1. O presente recurso vem interposto do acórdão que decidiu submeter a menor AA, nascida a .../.../2022, à medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. g) da LPCJP.

  2. Vem interposto por parte de ambos os pais, separadamente.

    1 - As conclusões do recurso apresentado por BB, pai da menor, são as seguintes: «1.º Por acórdão datado de 24/10/2022, foi decidido aplicar à menor AA, nascida em .../.../2022, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, mantendo a criança confiada ao C..., da ..., (…), ficando os pais inibidos do exercício das responsabilidades parentais (art.º 62.º-A, Nº 3, da L.P.C.J.P. e art.º 1978.º - A, do Código Civil), e ainda as visitas à menor, tal como os contactos por outras vias, ficam proibidos à mãe e à restante família natural da criança, nos termos do art.º 62.º - A, nº 6, da L.P.C.J.P., tendo em vista o nº 1 do art.º 1986.º do Código Civil; 2.º O progenitor, discorda da medida aplicada, pois não estão comprometidos os laços afetivos com a sua filha e não estão, ainda e de modo nenhum, esgotadas as possibilidades da sua própria recuperação (com a aplicação coerente dos meios de apoio social que lhe deverão ser prestados) ou de integração no seio da família alargada (avós paternos, também com o devido apoio e acompanhamento); 3.º O processo de promoção e protecção visa a protecção e a manutenção da família biológica, devendo, pois, ser tido em conta o interesse superior da criança (interesse que passa pela sua integração no seio da sua família biológica ou alargada, investindo na melhoria e/ou recuperação das suas disfuncionalidades; 4.º Da factualidade dada como provada, ressalta que os progenitores diligenciaram pelo registo da menor AA bem como pela sua inscrição na ..., para a continuidade dos cuidados médicos, que os progenitores promoveram a inscrição da menor, na creche ..., que os progenitores e os avós paternos têm visitado a menor AA no C... em ..., local onde se encontra temporariamente acolhida, de acordo com o estipulado pelo regulamento do referido Centro, tendo o pai comparecido em todas as visitas.

    Mais se deu como provado que nessas visitas os pais e avós mostram-se afetuosos com a criança, tendo a avó paterna chorado uma vez com saudades da neta; 5.º A adoção, só pode ser aplicada depois de esgotadas as possibilidades de integração na família biológica; 6.º O progenitor, embora com dezassete anos de idade, tem vínculos afetivos fortes com a menor e que não cremos que estejam comprometidos, pois desde o nascimento da sua filha que se tem esforçado por se dedicar de forma permanente e atenta, verificando e satisfazendo as suas necessidades físicas e emocionais, nomeadamente para a sua saúde e são crescimento pessoal e social, evidenciando por atos concretos, o autêntico afeto que sente por ela e o valor e significado dos vínculos que os unem; 7.º Sempre que a menor esteve aos seus cuidados, o progenitor, dela cuidou e se aquando das visitas à menor, parecia uma criança encantada com uma bebé acabada de nascer, é porque o seu amor pela sua filha é totalmente verdadeiro e sincero; 8.º Porém, este progenitor tem uma particularidade - ser de etnia cigana, facto que não podemos ignorar e que é determinante na vida e no modo de pensar deste progenitor e da comunidade em que está inserido, e que foi sancionado por uma conduta – o absentismo escolar – que na sua cultura não é perniciosa e, se é verdade que anteriormente não valorizou a sua formação escolar, não é menos verdade que agora, com mais experiência de vida e com mais amadurecimento, pretende frequentar formação profissional que lhe possibilite terminar a escolaridade mínima obrigatória e ingressar no mercado de trabalho, só não estando presentemente a frequentar em virtude de não ter possibilidades económicas para custear as despesas de transporte em virtude de a área da sua residência não estar provida de uma rede de transportes públicos; 9.º O progenitor, por integrar um agregado familiar de etnia cigana que segue as regras, tradições e princípios culturais próprios desta comunidade, a qual desvaloriza a frequência da escola e, por isso, não é um hábito enraizado nesta comunidade, o que se deve em grande parte à história de perseguição e exclusão da comunidade cigana, ele próprio, contrariando a tendência, o desincentivo e as tradições da comunidade cigana, nomeadamente, matriculou a menor AA na creche ...; 10.º Neste caso concreto, verifica-se um confronto de diversos direitos: o direito dos pais à educação e à manutenção dos filhos (art. 36.º, n.º 5 da CRP); o direito à identidade da criança previsto no art. 8.º da Convenção sobre os direitos da criança); o direito a não ser separado dos seus pais contra a vontade destes previsto no art. 9.º da Convenção sobre os direitos da criança; o direito da criança à liberdade de pensamento, consciência e de religião previsto no art. 14.º da Convenção sobre os direitos da criança e o direito a não ser privada do direito de, conjuntamente com os membros do seu grupo, ter a sua própria vida cultural; 11.º Pelo que, atendendo e dando primazia à situação especial de saúde da menor AA, que carece de seguimento médico, situação, que ao contrário daquilo que é referido no acórdão, o progenitor e os avós maternos valorizam e admitindo-se, a existência de uma situação de perigo desta criança, questiona-se a opção do tribunal recorrido pela aplicação da medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adopção, considerando-a a única medida adequada neste momento à remoção do perigo concreto existente para o desenvolvimento da criança; 12.º O artigo 4.º da LPCJP estipula os princípios orientadores a ter em consideração na escolha da medida de promoção e proteção a aplicar, dos quais destacamos o interesse superior da criança e do jovem (alínea a)), o princípio da proporcionalidade e atualidade (alínea e)) e o princípio da prevalência da família (alínea h)). O interesse superior da criança determina a necessidade de promoção e proteção da sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, mas, não se basta apenas com a educação e formação. É também necessário promover a sua segurança, saúde e bem-estar para assegurar o seu desenvolvimento integral. É necessário proporcionar-lhes e permitir-lhes a vivência no seio da sua família, pois, a família é uma referência essencial para as crianças para lhes permitir o seu são desenvolvimento e a sua estabilidade física e psicológica; 13.º Não respeita o interesse superior da criança a decisão do tribunal que se foca apenas na proteção da sua saúde e esquece de forma iníqua, não respeitando e fazendo tábua rasa do seu direito à prevalência da família e ao seu direito à identidade e etnia cigana, todos os outros vetores necessários ao seu são desenvolvimento; 14.º O próprio legislador privilegia e dá preferência às medidas que integrem as crianças em família, de acordo com o princípio da prevalência da família consagrado na alínea h) do art. 4.º da LPCJP, princípio que também se retira do art. 36.º, n.º 6 da C.R.P e do art. 9.º da Convenção sobre os direitos das crianças; 15.º Desta forma entende-se que o interesse da criança ou jovem, deve ser realizado na medida do possível no seio da sua família e a aplicação das medidas que provoquem o afastamento da criança ou do jovem da família deve ser o último recurso; 16.ºPorém, neste caso concreto, mesmo perante a possibilidade de aplicação de uma medida alternativa em meio natural de vida, nomeadamente, a medida de apoio junto de outro familiar (avós paternos), o tribunal negou essa possibilidade, preterindo o princípio da prevalência da família, negando a esta criança a possibilidade de viver com a sua família; 17.º Assim, atendendo às finalidades das medidas de proteção das crianças e jovens e sublinhando-se que as medidas são elencadas pela ordem de prevalência e preferência, preferindo-se as medidas a executar no meio natural de vida, entendemos não ser de aplicar, neste caso, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, por se considerar excessiva e contrária às finalidades que se pretendem alcançar, tendo em conta o princípio da proporcionalidade; 18.º Com a aplicação desta medida de promoção e proteção a esta criança estar-se-á antes a promover a sua revolta, tristeza e angústia, por à nascença, não lhe ter sido reconhecido o direito à sua identidade étnica – o seu direito a viver uma infância inserida na sua família e na sua comunidade, discriminando a sua família em virtude de não lhe ter sido reconhecido capital de mudança; 19.º Inevitavelmente, ao ser arrancada do seu seio familiar estar-se-á a provocar o desenraizamento desta criança nada garantindo que o processo de adoção será concretizado ou bem sucedido, podendo, ao contrário, acontecer que esta criança permaneça institucionalizada sem se chegar a encontrar qualquer casal ou pessoa adotante interessado em adotá-la, atendendo à sua situação relativa à sua saúde e etnia cigana, podendo, ai sim, a sua estrutura e estabilidade emocional ficar gravemente afetada, sentindo-se para sempre órfã de uma identidade própria e da família biológica, que esteve e está disponível para a acolher e amar incondicionalmente; 20.ºConsideramos, pois, que a medida aplicada é desproporcionada e inevitavelmente propiciadora e suscetível de graves consequências que embora num futuro muito próximo não sejam visíveis, será, certamente desencadeadora de reatividade contrária ao objetivo prosseguido com os presentes autos de promoção e proteção; 21.º Por todo o circunstancialismo que deve ser sopesado, entendemos que não se mostram ainda esgotadas todas as possibilidades de integração na família biológica, ou mais concretamente junto do progenitor e no agregado em que ele próprio se encontra integrado, antes pelo contrário, mostra-se a solução...

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