Acórdão nº 2154/19.3T8PBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2022

Data13 Dezembro 2022
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Henrique Antunes Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva Cristina Neves Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

AA propôs, no Juízo Local Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., contra H..., Lda., e BB, acção declarativa de simples apreciação negativa, com processo comum, pedindo a condenação da primeira a reconhecer que nunca exerceu de facto a gerência da sociedade e se ordene o cancelamento do acto de registo pelo qual se inscreveu o seu nome como gerente daquela sociedade.

Fundamentou estas pretensões no facto de a pedido do réu BB, seu cônjuge, figurar como gerente de direito da sociedade, não tendo, porém, jamais exercido as funções de gerente, limitando-se a assinar documentos que lhe eram presentes para assinatura, confiando na gestão levado a cabo pelo réu BB.

O réu BB, editalmente citado, não contestou. O Ministério Público, citado em representação daquele, também não contestou.

O administrador da insolvência da ré, citado, também não contestou.

Na audiência prévia, a autora desistiu do pedido de cancelamento do registo, desistência que foi, acto contínuo, homologada. Na mesma audiência, facultou-se à autora o exercício do contraditório no tocante à possível ocorrência de exceção dilatória centrada na falta de interesse em agir.

O Senhor Juiz de Direito, depois de notar – sob a epígrafe questões prévias - designadamente, que a autora não enuncia, na sua p.i., um qualquer estado de dúvida quanto à propalada administração de facto, não censura às contrapartes um qualquer comportamento ou actuação tendente a pôr em crise a realidade tal como é por si perspectivada, que não se divisa utilidade ou benefício que possa retirar da presente acção que possa justificar a demanda dos Réus, que na audiência prévia radica a acção na possibilidade de contrapor a constatação judicial de inexistência de administração de facto a terceiro que venha a actuar contra o seu património, o que é, em si mesmo, claramente revelador da falta de interesse em agir contra os Réus, que a autora se equivoca profundamente no valor e utilidade que poderia retirar da decisão a ser proferida nos presentes autos, a qual nunca poderia assumir força de caso julgado em face de terceiro não interveniente nos presentes autos, o que se afirma ainda com mais intensidade na hipótese de tal credor se traduzir na Administração Tributária numa eventual acção de reversão tributária, que aquela não mantém, para tal efeito, uma qualquer indefinição ou incerteza quanto a uma determinada realidade factual ou jurídica, não há, no demais, qualquer conflitualidade ou oposição mantida pelas contrapartes e não se divisa, por último, qualquer benefício que a mesma possa retirar de tal pedido, concluiu que não se divisa interesse em agir titulado pela autora que justifique o prosseguimento dos autos em tal vertente, constatando-se – pois que, no nosso entender, é de pressuposto processual concernente à instância que tratamos – a ocorrência de excepção dilatória inominada, conheceu da excepção dilatória da falta de interesse em agir em face do pedido materializado pela autora e, em consequência, absolveu os réus da instância pendente.

É esta decisão que a autora impugna no recurso – no qual pede a sua revogação e substituição por outra que a declare parte legítima e julgue a acção procedente – tendo condensado – exemplarmente - a sua alegação nestas conclusões: 1 - O mero exercício da gerência de direito de uma sociedade atribui legitimidade activa ao respectivo gerente para intentar acção de simples apreciação negativa, em que pretender ver reconhecido judicialmente que nunca exerceu de facto a gerência daquela.

2 - O benefício da A. na presente ação é de conhecimento comum, na medida em que, com a prolação da decisão peticionada, fica a mesma munida de prova da referida não gerência de facto, podendo dela se servir para eventuais acções atentatórias do bom nome, imagem, património e registo criminal, da mesma (como execuções fiscais por reversão e, eventualmente, em pedidos de qualificação de insolvência dolosa e culposa da sociedade em causa que possa afectar a recorrente).

Não foi oferecida resposta.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    Os factos interessantes para a decisão do recurso, maxime os relativos à tutela jurídica enunciada pela autora e ao conteúdo da decisão impugnada, são os que o relatório, em síntese apertada, documenta.

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

    O âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação (art.º 635.º n.ºs 2, 1.ª parte, e 3 a 5, do CPC) Maneira que, considerando os parâmetros, assim delimitados, da competência decisória desta Relação, a questão concreta controversa que é colocada à sua atenção é só uma: a de saber se no caso se encontra ou não preenchido o pressuposto processual em que o interesse processual se resolve.

    É certo que, no recurso, a autora pede que seja declarada parte legítima. Simplesmente uma leitura, ainda que meramente oblíqua da decisão impugnada mostra que não se deteve sequer – como deveria - na apreciação do pressuposto processual representado pela legitimidade processual ou ad causam de qualquer das partes – nem, aliás de qualquer outro pressuposto processual - limitando-se de modo puramente implícito a pressupô-la, tendo centrado toda a sua retórica argumentativa na falta do pressuposto processual do interesse processual, que tratou sob a designação de questões prévias.

    O interesse processual, seja qual a natureza que, em definitivo, lhe deve ser assinalado, em nada se confunde com a legitimidade processual ou ad causam – embora a pressuponha. A análise do interesse processual apenas se justifica se as partes na acção forem, de harmonia com o respectivo critério específico de aferição, partes legítimas, pelo que, metodologicamente, a apreciação da legitimidade das partes deva preceder a análise do interesse processual[1]. A legitimidade processual visa assegurar que estão em juízo as partes que têm interesse em obter a tutela jurisdicional, evitando que estejam em juízo estranhos ao objecto da acção (art.º 30.º. n.º 1, do CPC); o interesse processual, visa assegurar a utilidade da tutela jurisdicional e, portanto, a obviar que entre as partes legítimas existam acções inúteis, pelo que pressupõe que as partes são legítimas, limitando-se a avaliar se a tutela jurisdicional pedida tem alguma vantagem para o autor e, correlativamente, uma qualquer desvantagem para o réu (art.º 30.º, n.º 2, do CPC). Entendimento diverso, conduziria ao absurdo de se reconhecer que o interesse processual se encontra preenchido numa acção em que as partes são ilegítimas.

    Além do julgamento expresso, há o julgamento implícito: a decisão não vale somente pela vontade declarada que nela se contém, vale também pelos pressupostos tacitamente resolvidos. Quando o juiz procede à aferição do preenchimento do pressuposto processual do interesse processual deve presumir-se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT