Acórdão nº 856/22.6T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelRUI MOURA
Data da Resolução13 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1)- AA, viúvo, aposentado, residente na Rua ..., ... ..., veio em 6 de Junho de 2022 interpor acção especial de tutela da personalidade - arts. 878.º a 880.º do NCPC - contra BB, residente na Rua ... ... ..., pedindo: - seja ordenado ao Requerido que proceda à retirada dos animais do imóvel em que reside, - em consequência, seja fixada sanção pecuniária compulsória no valor de 200,00 € (duzentos euros) por cada dia de atraso no cumprimento da decisão.

Alega, em síntese, - socorrendo-nos com a devida vénia do bem conseguido relatório da sentença recorrida -, que tem 79 anos de idade e reside sozinho, na fracção do rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua ... e que também confronta com a Rua ..., em ....

Tal fracção situa-se, em parte, por baixo do terraço cujo acesso se faz através da Rua ... e outra parte por baixo do primeiro andar, propriedade da sua irmã CC.

Em data que o Requerente não pode precisar, mas que terá sido no ano de 2020, o Requerido passou a residir no andar existente imediatamente por cima da habitação do Requerente, sendo que já na segunda metade do ano de 2021 a companheira do Requerido mudou-se também para aquela habitação, juntamente com dois cães de médio porte, de raça “pitbull”, que ali passaram também a residir.

Mais alega que desde que os animais passaram a viver no imóvel que a vida do Requerente se tem vindo a degradar, devido aos ruídos e odores que estes produzem, impedindo-o de dormir durante a noite e o cheiro a urina tornou impossível a vida com dignidade e em boas condições de salubridade.

Juntou documentos e procuração.

* Procedeu-se à realização de audiência final – artigo 879º, 1 do CPC- , tendo o Requerido apresentado contestação, procuração e feito juntar documentos. Beneficia de protecção jurídica.

* O Requerido defendeu-se por excepção invocando que não demonstrou o Requerente que o Requerido tenha praticado qualquer acto voluntário ilícito passível de ameaçar ou de ter ofendido qualquer direito de personalidade do Requerente.

Mais se defendeu por impugnação alegando que o Requerido reside na referida fracção, por contrato de arrendamento (acordo verbal) celebrado com a proprietária, tendo informado esta aquando do acordo, de que a sua companheira viria, posteriormente, residir com ele e com elas viriam dois cães de raça “bulldog americano”, sendo que a aceitação, por parte da senhoria, de que os animais habitariam na fracção constituiu condição essencial para que o Requerido tenha optado por ali ficar a residir.

Mais alega ser falsa a afirmação segundo a qual os animais urinam no interior da habitação, e quando tal acontece, na zona do terraço, o Requerido e seu cônjuge limpam o espaço. Por outro lado, confessa que os cães ladram, no entanto, são animais calmos, sendo raras as vezes em que ladram durante a noite, bastando uma simples repreensão dos donos para que imediatamente parem de ladrar.

* Produziram-se as provas. Gravaram-se os trabalhos da audiência final.

2- Com a ref.

citius 29548897 e em 15 de Julho de 2022 lavrou-se douta sentença.

Nela foi julgada improcedente a excepção invocada pelo Requerido.

Explicou-se: não está em causa nos presentes autos apurar da eventual responsabilidade civil por parte do Requerido, mas tão só apurar se deve ser decretada providência adequada às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida, tal como refere o n.º 2 do citado artigo.

Importa nesse âmbito determinar se o direito do Requerido em residir com os seus cães naquela fracção (direito de propriedade) colide com os direitos de personalidade do Requerente, nomeadamente direito ao descanso ao repouso e à saúde.

* O processo foi saneado.

* Nela deu-se como provado o seguinte complexo de factos: 1. O Requerente reside sozinho numa casa sita na Rua ... em ..., nomeadamente, na fracção sita no rés-do-chão do prédio urbano sito naquela Rua ... e que também confronta com a Rua ....

  1. A fracção correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...78, encontra-se registada em nome do Requerente.

  2. É nesta habitação que o Requerente vive diariamente, e já há largos anos, ali dormindo, descansando, tratando da sua higiene pessoal e fazendo as suas refeições.

  3. É ali que o Requerente recebe amigos e familiares.

  4. É ali que o Requerente tem o centro da sua vida pessoal e onde passa a grande parte do seu tempo.

  5. O terraço localizado a nascente do prédio urbano melhor descrito em 2. é comum às fracções ... e ....

  6. A casa do Requerente, e todo o prédio urbano, foi construído, essencialmente, com madeira e caibros, não tendo entre os pisos placa de betão.

  7. As divisões entre andares foram construídas em madeira, não tendo a casa placa de betão a separar os andares.

  8. Assim, o soalho de madeira que constitui o teto da casa do Requerente é o soalho do chão do primeiro andar.

  9. A casa do Requerente situa-se, em parte, por baixo do terraço cujo acesso se faz através da Rua ... e outra parte por baixo do primeiro andar.

  10. Em data não concretamente determinada, mas no ano de 2020, o Requerido passou a residir no andar existente imediatamente por cima da habitação do Requerente, ali dormindo, fazendo as suas refeições, recebendo amigos e familiares.

  11. O Requerido passou a habitar naquele andar, ali fazendo a sua vida, sem que, inicialmente, tal causasse qualquer incómodo ao Requerente.

  12. Em data não concretamente determinada, mas entre finais do ano de 2020 e início do ano de 2021, o (*) cônjuge do Requerido passou a residir junto do seu marido.

  13. Com o (*) cônjuge do Requerido chegaram também dois cães de raça “bulddog americano-misto”, que ali passaram também a residir.

  14. Naquele imóvel, para além do Requerido e seu (*) cônjuge, residem também quatro animais de companhia, dois cães e dois gatos.

  15. Os animais passam a maior parte do seu dia no interior da casa em que vivem.

  16. Os animais, em determinadas ocasiões, urinaram na habitação que o Requerido ocupa.

  17. Atentas as características construtivas do imóvel, na habitação do Requerente são sentidos fortes cheiros a urina e fezes dos animais que provêm do andar de cima e que se infiltram para a sua casa.

  18. Em determinadas ocasiões, a urina dos animais já se infiltrou pelo soalho da habitação onde o Requerido vive vindo a aparecer no teto da casa do Requerente.

  19. Em determinadas ocasiões, a urina dos animais chegou a pingar no quarto de dormir do Requerente, pingando em cima de móveis e acumulando-se no chão da divisão.

  20. Por vezes, o Requerido solta os cães no terraço de acesso à sua fracção e ali urinam.

  21. Em determinadas ocasiões, a urina dos animais fica concentrada nos caleiros do terraço.

  22. Os cães ladram em determinadas ocasiões, do dia e da noite, o que acontece quase diariamente.

  23. Também devido ao ladrar dos animais durante a noite, o Requerente passa várias noites acordado ou entre sonos intermitentes e pouco reparadores.

  24. O Requerente sente-se triste, desanimado, deprimido e nervoso, sentindo-se ansioso e com falta de descanso.

  25. O Requerido e seu (*) cônjuge reprimem o comportamento dos animais sempre que estes ladram.

  26. O Requerido e seu (*) cônjuge nutrem grande afecto pelos seus animais.

  27. Os cães do Requerido obedecem aos seus donos.

    * Nela deram-se como não provados os seguintes factos: 1. O Requerente nasceu a .../.../1943 na freguesia ..., concelho ..., localidade de que é natural.

  28. Com a companheira do Requerido chegaram também dois cães de médio porte, de raça “pitbull”, que ali passaram também a residir.

  29. Que a urina dos animais fica concentrada nos caleiros do terraço ali permanecendo sem que o Requerido tenha qualquer tipo de cuidado em limpar.

  30. Que ao Requerido esteja vedada a utilização do terraço.

  31. São frequentes as correrias nocturnas descontroladas dos animais pelo andar de cima da casa do Autor e o arranhar do chão de madeira a altas horas da madrugada.

  32. Que os cães sejam passeados, em regra, uma média de uma hora por dia, em dois passeios diários.

  33. Que os cães ladram raras vezes durante a noite.

    * * Proferiu-se decisão de mérito que, a final, julgou procedente o pedido e, por isso, foi o Requerido condenado a: - no prazo de 5 dias, proceder à retirada dos animais (cães) do imóvel em que reside; - pagar a quantia de € 150,00, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento desta providência.

    As custas ficaram pelo Requerido.

    * Fixou-se o valor da causa em € 30.000,01.

    3- Inconformado recorre o Requerido, recurso admitido como de apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

    Alega o Apelante, e a final – em síntese - conclui: A. Impugnação da decisão proferida em matéria de facto 1 - As declarações do Apelado, o testemunho de CC, e do testemunho de DD, gravados nos ficheiros n.º (…), a passagens (…), permitem conjuntamente considerar como provado que entre as habitações do Apelado e do Recorrente existe o soalho e madeira da casa em que o Recorrente habita, um forro de madeira que constitui o teto da sua casa e entre o soalho e o forro, encontra-se caibros de madeira, pelo que, a Sra. Juiz “a quo” ao considerar provado no ponto 9 dos facto provados, que “o soalho de madeira que constitui o teto da casa do Requerente é o soalho do chão do primeiro andar”, cometeu um erro na apreciação da prova, que carece de correcção, mediante revogação da respectiva decisão proferida sobre a matéria de facto, a qual deve ser substituída por outra que considere provados os factos ali em causa.

    2 - As declarações do Apelado, as declarações do Recorrente, o testemunho de CC, testemunho de DD, o testemunho de EE, o testemunho de FF, o testemunho de GG, e o testemunho de HH, gravados nos ficheiros n.ºs (…), a passagens (…), permitem conjuntamente considerar como não provados os pontos 17 a 20 dos...

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