Acórdão nº 822/18.6T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelRUI MOURA
Data da Resolução13 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO AA, solteiro, maior, residente na Rua ..., ..., com o benefício do apoio judiciário, intentou em 7 de Maio de 2018 acção declarativa de condenação, para efectivação de responsabilidade civil emergente de sinistro em prova desportiva, com processo comum contra: 1. BB, divorciado, residente na Rua ..., ...; e 2. L..., S.A., com sede na Av. ..., ....

Demanda o Réu pelo facto de este só ter transferido a sua responsabilidade civil emergente de danos de natureza pessoal, e, ou, patrimonial emergentes da referida prova, em parte, para a Ré Seguradora. Pede que os Réus sejam condenados: - A pagar ao Autor, a título de indemnização, a quantia líquida de 412.662,79€, por todos os danos sofridos em resultado do acidente descrito, tudo acrescido de actualização, e dos juros legais vencidos e vincendos até integral pagamento; - A ministrar directamente, no futuro, todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, suportando ainda os custos e encargos com as intervenções cirúrgicas, internamentos, fisioterapia e psiquiatria, ou, - A suportar aqueles custos e encargos com todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, suportando ainda os custos e encargos com as intervenções cirúrgicas, internamentos, tratamentos, fisioterapia e psiquiatria; ou, Em alternativa, e por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer seja a sua liquidação remetida para execução de sentença; - Sem prejuízo do valor da perda de retribuição que o Autor irá sofrer, quer no período de clausura hospitalar, quer no período de recuperação; - Sendo que, por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer seja a sua liquidação remetida para execução de sentença.

Para tanto, em síntese e com relevo, - socorrendo-nos com o devido respeito, do bem conseguido relatório da sentença recorrida - o Autor alega que, no dia 16.05.2015, o primeiro Réu promoveu e levou a efeito uma prova desportiva de veículos todo o terreno que denominou de "Circuito Time Trial", tendo-se o Autor inscrito como participante, e foi admitido a intervir, na referida prova desportiva, como co-piloto e, no decorrer da prova, o veículo em que seguia, encalhou num obstáculo, que era uma barreira íngreme, e onde para ajudar os pilotos a vencer, pelos seus próprios meios, este obstáculo, o organizador da prova, o referido Réu, mandou colocar à frente do obstáculo uma máquina pesada, retro-escavadora a servir de ponto imóvel, fixo, no qual os co-pilotos, em caso de necessidade, pudessem engrenar ou fixar o gancho do cabo do guincho com que os veículos se encontravam equipados, para que, o piloto, accionando o motor do guincho do veículo, conseguisse fazer o veículo vencer o obstáculo, e prosseguir a prova, que era cronometrada.

Para ajudar o piloto a vencer esse obstáculo e continuar a prova, cabia ao Autor, enquanto co-piloto, soltar o cabo do guincho do veículo e prender o respectivo gancho no balde da máquina, obrigação que cumpriu, na convicção para si certa e segura de que a máquina ali colocada pelo mencionado Réu se encontrava de facto fixa e imobilizada como rocha e, imediatamente após o Autor ter enganchado o cabo no balde da retro-escavadora, quando regressava ao interior do veículo, a máquina retro-escavadora oscilou, e descaiu da posição de auto-nivelamento hidráulico em que se encontrava, e como causa directa desse movimento inesperado da máquina, o cabo de aço esticou subitamente e, ao esticar, vibrou uma pancada violenta em ambas as pernas do Autor, tendo-o projectado sobre o solo a uma distância de cerca de 4/5 metros, tendo sido assistido no local e transportado para o Serviço de Urgências da Unidade Local de Saúde da ..., e lhe foi diagnosticado luxação postero-extena do joelho direito, fractura do prato da tíbia esquerda com desvio minar e entorse grave do joelho esquerdo e foi submetido a cirurgia para redução da luxação, sob anestesia geral e engessados os dois membros inferiores e internado no Serviço de Ortopedia, onde permaneceu durante 8 dias e teve alta com imobilização de ambos os joelhos, com ortótese, acabando por voltar a ser internado em 7 de Julho e submetido a programa intensivo de reabilitação, com recurso a tratamento de fisioterapia até ao dia 16 de Julho, em que teve alta hospitalar e permaneceu internado com repouso no leito até ao dia 22.05.2017. Período durante o qual continuou a frequentar consultas de reabilitação e nunca mais foi a pessoa que era antes do acidente, inicialmente ficou totalmente imobilizado, dependente de cadeira de rodas, e ficou dependente de terceira pessoa, durante sete semanas e, ainda hoje, mantém dificuldade em andar, não consegue correr, deixou de praticar desporto, de fazer caminhadas e de jogar futebol e deixou de poder conduzir, e de exercer a actividade comercial que exercia no negócio de família, tem muita dificuldade em subir e descer escadas, só o fazendo uma a uma, e só o faz com o apoio de um corrimão ou de terceira pessoa.

Invoca danos patrimoniais e não patrimoniais.

Junta documentos, incluindo um “relatório de avaliação de incapacidades”, e procuração.

* A Ré seguradora, citada, veio contestar.

Diz não ter o 1º Réu celebrado com a Ré qualquer contrato de seguro de responsabilidade civil através do qual tivesse transferido a responsabilidade resultante do acidente dos autos para a contestante.

Diz não ter encontrado qualquer contrato de seguro que cobrisse a responsabilidade civil pelo acidente dos autos.

Diz existir apenas um contrato de seguro do ramo acidentes pessoais, titulado pela apólice nº ...40 em que é tomador “T... Unipessoal Lda.” que vigorava no dia do acidente, e que abrangia as seguintes coberturas: morte ou invalidez permanente – capital de € 5.000,00; despesas de tratamento – capital de € 500,00.

Conclui pela improcedência.

Junta procuração e um documento.

* O Réu pessoa singular, BB, citado, contestou. Defende-se por excepção.

A propósito alega que a prova desportiva de veículos todo-o-terreno destinada a ultrapassar obstáculos, em questão, designada por “Prova de Obstáculos em Trial” foi promovida e realizada não pelo Réu, e sim pela “T... Unipessoal Lda.”, pessoa colectiva com sede na Rua ..., ..., ..., sendo por isso o ora contestante parte ilegítima quer substantiva quer adjectivamente.

Impugna os factos alegados pelo Autor, nomeadamente por serem ardilosa e rotundamente falsos ou por desconhecer parte deles, porque não se tratam de factos pessoais ou dos quais devesse ter conhecimento.

Alega que os veículos retratados nos documentos nºs ... e ... juntos com a petição inicial não eram tripulados pelo Autor e que o acidente que terá vitimado o Autor no dia 16.05.2015 não ocorreu quando o mesmo se encontrava em prova no veículo que tripulava como co-piloto, que era o veículo ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-KF, que tinha como piloto CC, tendo a prova do Autor terminado cerca de 1 hora / 1,5 horas antes da ocorrência do acidente em causa, já estando fora da execução da prova e fora do veículo que tinha tripulado no decurso da mesma enquanto co-piloto.

No momento em que terá ocorrido o acidente, o veículo que estava no local a ser rebocado era o veículo ..., também da marca ..., modelo ..., mas tripulado pelo DD, como piloto, e por EE, como co-piloto, veículo que, nos momentos que antecederam o alegado acidente, estava a ser rebocado a partir da pista onde decorria a prova, por uma máquina retro-escavadora que tinha sido entretanto levada para o local, a qual, movimentando-se no mesmo sentido em que o veículo anteriormente seguia, e com a intervenção activa de um maquinista, mas num plano mais elevado, rebocava o sobredito ..-..-GQ para o retirar do local pois impedia a circulação por aquele troço de prova - veículo que, pelo facto de ter danificado o respectivo eixo do rodado traseiro, não podia deslocar-se pelos próprios meios, nem fazer uso do respectivo guincho, pois tinha-se avariado, não se encontrando por isso em funcionamento e foi o Autor que, de forma inopinada, imprudente, e ao arrepio das instruções que constavam do regulamento da prova, que ele Autor bem conhecia, e, também contrariamente aos avisos constantemente proferidos pelos altifalantes que se encontravam distribuídos pelo local da prova, no sentido de ninguém ultrapassar as fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova, ultrapassou as referidas fitas delimitadoras do local por onde se descrevia o percurso e invadiu o respectivo curso, precisamente no momento em que o operador da máquina retro-escavadora a movimentava no mesmo sentido do ..-..-GQ, rebocando-o, tendo o Autor sido colhido no local onde se evidenciava o referido percurso, ou seja, dentro do espaço de circulação delimitado pelas fitas delimitadoras do mesmo, espaço no qual, reitera-se, era absolutamente interdita a entrada e permanência de quaisquer espectadores, assistentes, ou outras pessoas que não fossem os próprios piloto e co-piloto do veículo imobilizado que se encontrasse em prova, que não era o caso do Autor que sabia que era perigosa e potenciadora de eventuais danos a sua presença no local onde se fazia a tracção com o cabo de aço para reboque do veículo ali imobilizado.

Alega que as lesões que o Autor diz ter sofrido resultaram exclusivamente da sua conduta temerária e fortemente negligente, já que inobservadora de todas as indicações que lhe tinham sido anteriormente dadas, e continuavam a ser publicitadas de viva voz aos altifalantes, pois se não tivesse ultrapassado as fitas delimitadoras e invadido o espaço do percurso onde decorria a prova, não teria sofrido qualquer acidente, nem em consequência lhe adviriam quaisquer lesões.

Alega ainda que a pessoa colectiva T... Unipessoal Lda., realizadora do evento, tinha transferido para a aqui segunda Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice ...40, a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT