Acórdão nº 873/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 873/2022

Processo n.º 1030/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., ora reclamante, foi condenado, por decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Competência Genérica de Rio Maior, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 1 (um) ano, e nas demais sanções acessórias.

1.1. Na sequência desta decisão, o arguido apresentou recurso junto do Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 21 de junho de 2022, o julgou improcedente, mantendo a decisão recorrida (cf. fls. 11-25).

Inconformado, o arguido apresentou reclamação ao abrigo da qual suscitou a nulidade deste acórdão, com fundamento em omissão de pronúncia, a qual foi julgada improcedente por decisão de 13 de setembro de 2022.

2. Novamente inconformado, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, «LTC»), nos seguintes termos (cf. fls. 36-37):

«A., arguido no processo à margem referenciado e aí melhor identificado, não se conformando com o Douto Acórdão proferido por esta Veneranda Relação, vem do mesmo interpor RECURSO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 75.º-A da LTC.

O presente RECURSO deverá ser admitido a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo (artigo 78.º, n.º 4 da LTC), porque interposto por sujeito dotado de legitimidade (artigo 72.º, n.º 1 al. b) e n.º 2 da LTC) de decisão recorrível (artigo 70.º, n.º 1 al. b) da LTC).

A questão de constitucionalidade suscitada é a seguinte:

1) Na sua peça recursiva, o recorrente vem dizer que " demonstrou-se que o recorrente esteve, pelo menos, inscrito em escola de condução e pagou, pelo menos, as taxas de exame ".

2) Tal conclusão estribou-se no facto de o arguido ter junto aos autos documento comprovativo da sua inscrição em escola de condução, datado de 29/01/2020, tal como lhe foi imposto.

3) Resulta de tal documento que o condenado, pelo menos, pagou as taxas devidas para se submeter a exame escrito.

4) Um dos documentos juntos pelo condenado, que eventualmente se reportará a momento anterior à decisão proferida nestes autos, diz respeito a um alegado comprovativo de realização de exame escrito.

5) Ora, o documento a que nos referimos (comprovativo de inscrição e pagamento das taxas de exame) não foi colocado em crise pelo Tribunal nem se reporta a momento anterior à decisão.

6) A Relação de Évora, no Acórdão prolatado, convoca apenas o argumento de que o condenado incumpriu, in totum, as obrigações a que estava subordinada a suspensão da execução da pena.

7) Não se refere à matéria do ponto 7 das conclusões, como se impunha.

8) Forçoso é concluir que o condenado não incumpriu todas as obrigações a que estava adstrito, mas apenas algumas.

9) Caberá, após, saber se o incumprimento de algumas das obrigações tem a virtualidade de provocar a falência do juízo de prognose favorável emitido.

10) O Tribunal da Relação, nesta parte, concluindo pela falência do juízo de prognose favorável, incumpre o dever de fundamentação, pois o condenado não incumpre todos os deveres a que estava adstrito, mas apenas alguns deles.

11) Carece o Acórdão, nesta parte, da devida fundamentação,

12) O que viola o disposto no artigo 205.º, nº 1 da Constituição,

13) Inconstitucionalidade que desde já se requer que seja apreciada.

Pelo exposto, REQUER que se considere validamente interposto recurso da decisão deste Tribunal da Relação de Lisboa, seguindo-se os ulteriores termos, sendo que as respectivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal ad quem, de acordo com o disposto no artigo 79.º da LTC e no prazo aí previsto.»

2.1. Por despacho datado de 3 de outubro de 2022, proferido no Tribunal da Relação de Évora, não foi admitido o recurso interposto pelo reclamante, com a seguinte fundamentação (cfr. fls. 44-48):

«O arguido A. vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão de 13set2022 desta Relação que conheceu da reclamação referente ao acórdão deste mesmo Tribunal de 21jun2022.

Adiante-se já que o recurso cuja interposição se preconiza para o Tribunal Constitucional é legalmente inadmissível.

Com efeito, da natureza e competência próprias do Tribunal Constitucional, nos termos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LOFPTC), decorre que: o controlo de constitucionalidade é um controlo de normas jurídicas; e que no âmbito da fiscalização concreta só certas e determinadas decisões dos tribunais comuns são recorríveis para aquele Tribunal. Por isso mesmo a LOFPTC fixa no seu artigo 70.º os casos em que tais recursos têm cabimento.

No seu requerimento o arguido/recorrente invoca, como base de recorribilidade, a al. b) do § 2.º do artigo 70.º da citada Lei.

Neste segmento normativo prevê-se que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais «(...) b) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Este retábulo normativo encerra (a mais de outros) dois requisitos impostergáveis:

a) que a inconstitucionalidade de certa norma tenha sido previamente suscitada pelo recorrente no decurso do processo;

b) e que tal norma, não obstante a arguição da sua inconstitucionalidade, tenha sido utilizada na decisão objeto do recurso, como fundamento normativo do julgamento da causa.

Como é óbvio, o primeiro dos citados requisitos apenas se verificará nos casos em que o recorrente suscitou a questão de constitucionalidade de modo «percetível e direto», indicando a disposição legal arguida de inconstitucional ou, no caso de apenas questionar certa interpretação dela, enunciando qual o sentido ou a dimensão normativa que entende violadora da Constituição, sendo certo que tal suscitação tem de ocorrer «durante o processo». Isto é, para ser admissível o recurso para o Tribunal Constitucional é mister que essa invocação tenha sido apresentada perante o tribunal recorrido antes de esgotado o seu poder jurisdicional relativamente à matéria sobre a qual a questão de inconstitucionalidade se coloca, para que sobre ela tenha a oportunidade de se pronunciar (só assim não sendo nas situações em que o recorrente não tenha tido oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade).

No presente processo, por considerar que o acórdão proferido por este Tribunal da Relação a 21jun2022 (que conheceu da impugnação da decisão do juiz de primeira instância que revogou a suspensão da execução da pena de prisão), padecia de omissão de pronúncia sobre um argumento suscitado no recurso, o arguido/recorrente suscitou reclamação.

Sucede que quer na ocasião da reclamação quer anteriormente o arguido/recorrente nenhuma questão de constitucionalidade suscitou perante este Tribunal da Relação!

Por acórdão de 13set2022 este Tribunal, apreciando a aludida reclamação, veio a considerar-se, com motivação a isso direcionada, que o ponto em que o arguido/recorrente se fixou constituía um mero argumento e não questão autónoma que devesse ser objeto de especifica pronúncia, porquanto integrava um âmbito mais vasto (se o arguido violara ou não as condições fixadas na sentença condenatória para a suspensão da execução da pena de prisão) que fora objeto de pronúncia e julgada no acórdão reclamado.

Se deveras entendia que a ser desatendida a tese da reclamação (como veio a suceder), que isso vulneraria as suas garantias de defesa (concretamente previstas nos artigos 20.º, § 4.º, 32.º, § 1.º e 205.º da Constituição, bem assim como artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia), deveria tê-lo feito.

Porquanto, se assim fora, este Tribunal ter-se-ia pronunciado especificamente sobre essa (nova) dimensão do recurso (da reclamação). Mas o arguido/recorrente não o fez!

Indubitável é que este Tribunal não assentou, de forma absolutamente nenhuma, a sua decisão, em qualquer normativo sobre o qual tenha sido suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade.

E, logo por isso, por inverificação das duas assinaladas dimensões da citada al. b) do § 2.º do artigo 70.º da LOFPTC e por a sua pretensão não se incluir em nenhuma das demais alíneas do citado §, carece o arguido/recorrente de fundamento para suscitar, agora...

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