Acórdão nº 858/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 858/2022

Processo n.º 662/2021

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), da sentença daquele Tribunal de 20 de maio de 2021, em que se julgou procedente a impugnação judicial, proposta pelo ora recorrido, de um ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares relativo ao ano de 2017.

2. Ao apresentar a sua declaração anual de rendimentos, o ora recorrido fez constar da mesma o montante integral das despesas suportadas, em conformidade com o acordo de regulação de responsabilidades parentais homologado judicialmente, com a creche da sua filha menor, para efeitos de dedução à coleta, nos termos previstos nos artigos 78.º, n.º 1, alínea d), com os limites previstos no artigo 78.º-D, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (adiante designado «CIRS»). Uma vez que a filha menor foi identificada, no mesmo ano, como dependente em guarda conjunta por outro sujeito passivo, a Autoridade Tributária e Aduaneira determinou a correção da declaração apresentada pelo ora recorrido e procedeu ao acerto resultante da aplicação do n.º 9 do artigo 78.º do CIRS, reduzindo para metade o montante daquelas despesas dedutíveis à coleta declaradas e suportadas pelo ora recorrido.

A decisão foi impugnada perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que decidiu recusar a aplicação da norma contida neste preceito ao caso dos autos, resumidamente, pelas seguintes razões:

«O que se pode efetivamente discutir, é se o artigo 78.º do CIRS, na redação anterior à Lei n.º 106/2017, de 04.09, ao prever, sem mais, a redução para metade, por sujeito passivo, do valor das deduções à coleta previstas no CIRS por referência a dependentes que constem de mais do que uma declaração de rendimentos, é conforme ao princípio da igualdade tributária, na medida em que tal redução é automática e desconsidera os casos de uma repartição não equitativa das despesas que podem ser deduzidas à coleta, referentes ao dependente, algo que apenas foi “corrigido” pelo legislador com as alterações ao aludido normativo operadas pela aludida Lei n.º 106/2017.

E o caso dos autos é paradigmático quanto a tal desigualdade.

De facto, tendo o Impugnante suportado as despesas com a creche da sua filha menor em 2017, no valor de €1.496,11, tal como se lhe impunha o acordo de regulação das responsabilidades parentais homologado judicialmente em 04.04.2017, apenas lhe foi considerada uma dedução à sua coleta do montante correspondente a 15% daquela despesa - €224,41 (cfr. factos provados sob os pontos 6., 10. e 11.). Ora, caso o agregado familiar do Impugnante abarcasse ainda a progenitora da sua filha, seria considerado o montante correspondente a 30% daquela despesa - €448, 83. É certo que, no conjunto, foi este o valor considerado pela ATA ao, erradamente, ter aceitado aquela mesma despesa na declaração de IRS da aludida progenitora (cfr. facto provado sob o ponto 7.), quando esta não a suportou de todo (cfr. facto provado sob o ponto 11.).

A aplicação do n.º 9 do artigo 78.º do CIRS, na redação anterior à Lei n.º 106/2017, de 04.09, leva assim, in casu, a uma não justificada desigualdade de tratamento do sujeito passivo não casado/unido de facto, no que concerne às deduções à coleta por despesas tidas com dependente que conste de mais do que uma declaração de rendimentos, violando o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, manifestado ainda na vertente da igualdade tributária e capacidade contributiva ínsita no artigo 104.º da Lei Fundamental.

(…)

No caso presente somos levados a concluir que o ora Impugnante, ao ter suportado, por inteiro, e como se lhe impunha o acordo de regulação de responsabilidades parentais homologado judicialmente, as despesas com a creche da sua filha menor no ano de 2017, e apenas podendo deduzir à sua coleta de IRS, não os 30% de tais despesas, previstos caso a dependente apenas fizesse parte de um agregado familiar, mas 15% de tal montante (e com o limite de €400,00 em vez de €800,00), foi discriminado face aos contribuintes com dependentes que apenas fazem parte de um agregado familiar, porquanto, tendo suportado por inteiro as despesas de educação em causa, apenas pôde deduzir à coleta metade do que aqueles contribuintes podem legalmente deduzir, sem que vislumbre qualquer fundamento racional para tanto.

Pelo que se entende que o artigo 78.º do CIRS, na redação anterior à Lei n.º 106/2017, de 04.09, em particular prevista no seu n.º 9, ao determinar que sempre que o mesmo dependente conste de mais do que uma declaração de rendimentos, o valor das deduções à coleta previstas no Código do IRS, por referência a dependentes, é reduzido para metade, por sujeito passivo, sem que se tenha em consideração o efetivo sujeito passivo que suportou as concretas despesas com o dependente que podem ser objeto de dedução à coleta, e em que percentagem, viola o princípio da igualdade tributária ínsito nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.»

Em consequência, determinou a anulação do ato de liquidação de IRS impugnado nos autos, julgando a ação procedente.

3. Admitido o recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público, foram as partes notificadas para apresentar alegações, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 79.º da LTC.

4. Sobrevindo a cessação de funções da primitiva relatora como Juíza Conselheira do Tribunal Constitucional, foram os presentes autos redistribuídos.

5. Nas alegações apresentadas, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

«V. Conclusões

1. Este recurso tem como objeto a douta sentença a qual desaplicou o art.78º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), «(…) na redação anterior à Lei nº 106/2017, de 04.09, por inconstitucionalidade material, (…)».

2. A questão a decidir resumia-se em verificar da legalidade do ato de liquidação oficiosa de I.R.S. referente aos rendimentos do agregado familiar do impugnante no ano de 2017, mormente se poderiam ter sido contabilizadas apenas em metade as despesas com educação referentes a dependente em guarda conjunta com outro sujeito passivo, mas suportadas integralmente pelo impugnante.

3. A tal questão, a Mma. Juiz a quo respondeu que «no caso presente somos levados a concluir que o ora Impugnante, ao ter suportado, por inteiro, e como se lhe impunha o acordo de regulação de responsabilidades parentais homologado judicialmente, as despesas com a creche da sua filha menor no ano de 2017, e apenas podendo deduzir à sua coleta de IRS, não os 30% de tais despesas, previstos caso a dependente apenas fizesse parte de um agregado familiar, mas 15% de tal montante (e com limite de €400,00 em vez de €800,00), foi discriminado face aos contribuintes com dependentes que apenas fazem parte de um agregado familiar, porquanto, tendo suportado por inteiro as despesas de educação em causa, apenas pôde deduzir à coleta metade do aqueles contribuintes podem legalmente deduzir, sem que vislumbre qualquer fundamento racional para tanto.

4. Pelo que entendeu que o artigo 78º do CIRS, na redação anterior à Lei nº 106/2017, de 04.09, em particular a norma prevista no seu n.°9, ao determinar que sempre que o mesmo dependente conste de mais do que uma declaração de rendimentos, o valor das deduções à coleta previstas no Código do IRS, por referência a dependentes, é reduzido para metade, por sujeito passivo, sem que se tenha em consideração o efetivo sujeito passivo que suportou as concretas despesas com o dependente que podem ser objeto de dedução à coleta, e em que percentagem, viola o principio da igualdade tributária ínsito nos artigos 13º e 104º, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.

5. E por estas mesmas razões desaplicou a visada norma no caso em apreço, na redação anterior à Lei nº106/2017, de 04.09, por inconstitucionalidade material.

6. Em questão está, assim, o art.78º nº9 do CIRS, na versão anterior à Lei nº106/2017, de 04.09.

7. Era a seguinte a formulação do artigo 78º nº9 do CIRS cuja aplicação foi recusada pela Mma juíza a quo:

- Sempre que o mesmo dependente ou ascendente conste de mais do que uma declaração de rendimentos, o valor das deduções à coleta previstas no presente Código por referência a dependentes ou ascendentes é reduzido para metade, por sujeito passivo.

8. Após perguntar-se se o artigo 78.0 do CIRS, na redação anterior à Lei nº 106/2017, de 04.09, ao prever, sem mais, a redução para metade, por sujeito passivo, do valor das deduções à coleta previstas no CIRS por referência a dependentes que constem de mais do que uma declaração de rendimentos, é conforme ao princípio da igualdade tributária, na medida em que tal redução é automática e desconsidera os casos de uma repartição não equitativa das despesas que podem ser deduzidas à cole-ta, referentes ao dependente, algo que apenas foi “corrigido” pelo legislador com as alterações ao aludido normativo operadas pela aludida Lei nº106/2017, respondeu que a aplicação do nº9 do artigo 78º do CIRS, na redação anterior à Lei nº106/2017, de 04.09, leva, in casu, a uma não justificada desigualdade de tratamento do sujeito passivo não casado/unido de facto, no que concerne às deduções à coleta por despesas tidas com dependente que conste de mais do que uma declaração de rendimentos, violando o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP, manifestado ainda na vertente da igualdade tributária e capacidade contributiva ínsita no artigo 104º da Lei Fundamental.

9. No seu entendimento, ao determinar que sempre que o mesmo...

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