Acórdão nº 874/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 874/2022

Processo n.º 207/2021

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do tribunal arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrente a Autoridade Tributária – AT e recorrida a A., S.A., foi pela primeira interposto recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), da decisão proferida por aquele tribunal, em 21 de janeiro de 2021, que recusou a aplicação da norma extraída do n.º 2 do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, no sentido de que a administração tributária pode impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem (fls. 40-42, verso).

2. Admitido o recurso por despacho datado de 18 de fevereiro de 2021 (fls. 46), e subidos os autos, as partes foram notificadas para apresentar as suas alegações.

A recorrente apresentou alegações, que concluiu nos seguintes termos (fls. 53-66, verso):

«A questão controvertida no presente recurso prende-se em aferir se é inconstitucional a aplicação do artigo 23.°, n.° 2 do CIVA, na interpretação normativa que permite à Autoridade Tributária impor, através de um Ofício-Circulado - Ofício-Circulado n.° n.° 30108, de 30-01-2009 um critério de imputação específica que, na aferição do direito à dedução em sede de IVA, prevê que no cálculo da percentagem de dedução deve ser apenas considerado o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD -, por violação dos artigos 112.°, n.° 5, e 103.°, n.° 2, e 165.°, n 1, alínea i), e 266.°, n.° 1, da CRP

B. Na decisão arbitral de que se recorre, foi decidido pelo Tribunal arbitral que:

«Assim, por violação dos artigos 112.°, n.° 5, e 103.°, n.° 2, e 165.°, n 1, alínea i), e 266.°, n.° 1, da CRP, recusa-se a aplicação do artigo 23.°, n.° 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.° 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.»

C. O Tribunal arbitral recusou a aplicação do artigo 23.°, n.° 2 do CIVA, considerando-o materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 112.°, n.° 5, e 103.°, n.° 2, e 165.°, n 1, alínea i), e 266.°, n.° 1, da CRP, ao permitir à Autoridade Tributária impor um método de determinação do direito à dedução em sede de IVA - através de um critério de imputação específica -, por via do ponto 9. do Ofício-Circulado n.° 30108/2009, no caso das instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente a actividade de Leasing.

D. Considerou para o efeito que a «questão de saber se, à face dos artigos 103°, n.° 2, 112°, n° 5, e 165°, n.° 1, alínea i), da CRP (atinentes ao princípio da legalidade tributária), é permitida a criação normas inovatórias sobre métodos de efectuar a dedução (que se reconduzem a normas de determinação da matéria tributável), -por via de Ofício-Circulado emitido pela Direcção-Geral de Impostos, como se prevê no artigo 23.°, n.° 2, do CIVA, é uma questão distinta da de saber se o Estado Português, por via legislativa, podia criar tais métodos, àface do artigo 173.°, n.° 2, alínea c), da Directiva n.° 2006/112/CE. Esta questão da compatibilidade com a CRP do referido artigo 23.°, n.° 2, do CIVA e do Ofício- Circular referido, não é uma questão de interpretação do Direito da União, mas sim uma questão de Direito Nacional, uma questão de inconstitucionalidade de normas e não da correcção ou incorrecção da sua aplicação. Esta questão de inconstitucionalidade não é, assim, a de saber se, à face do Direito da União Europeia, do CIVA e do Ofício-Circular n.° 30108, a Administração Tributária podia impor ao Sujeito Passivo o método previsto no ponto 9 deste Ofício-Circular, mas sim a de saber se aquele artigo 23.°, n.° 2, do CIVA é materialmente inconstitucional ao permitir á Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, àface dos artigos 103.°, n.° 2, 112.°, n.° 5, e 165.°, n.° 1, alínea i), da CRP. As regras sobre o direito à dedução de IVA, de que resulta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objectiva. Na verdade, são normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação». [...] Assim, por violação dos artigos 112.°, n.° 5, e 103.°, n.° 2, e 165.°, n.° 1, alínea i), e 266.°, n.° 1, da CRP, recusa-se a aplicação do artigo 23.°, n.° 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.° 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.»

E. É errada a afirmação do Tribunal arbitral de que as normas de dedução em sede de IVA consubstanciam normas de incidência, porque tal não corresponde à concepção clássica dos impostos, nem se coaduna com a teoria da relação jurídica tributária.

F. As normas de incidência servem para definir o plano de incidência, isto é, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos dessa obrigação e têm por função determinar quem é o sujeito passivo activo da obrigação do imposto, quem são os sujeitos passivos dessa mesma obrigação, qual a matéria colectável - a base tributável -, isto é, a riqueza, os valores económicos sobre que recai a tributação, a taxa do imposto a aplicar sobre aquela matéria colectável e qual o facto dinamizador - o facto tributário - que, reunindo os pressupostos tributários, promove o nascimento da obrigação de imposto.

G. Assim como definir a delimitação negativa de incidência, definir quais as situações excluídas de tributação, bem como, no caso do IVA, excepcionar determinados sectores de actividade da obrigação de fazer repercutir o imposto anteriormente suportado na transacção situada a jusante.

H. As normas de incidência definem os sujeitos da relação tributária e os factos tributários que geram a obrigação do pagamento de imposto.

I. No caso particular do IVA, por se tratar de um imposto que obedece ao método subtractivo indirecto, em que quem deve suportar o valor do IVA é, em princípio, o consumidor final, o regime da dedução de imposto e dos reembolsos assume como meta dar expressão ao princípio comunitário da neutralidade, que se concretiza quando os sujeitos passivos se desoneram da carga do imposto, subtraindo o IVA incorrido nos seus inputs ao IVA que liquidam nos outputs.

J. A natureza do mecanismo de dedução, presente nos artigos 19.° a 25.° do CIVA, fixa-se, consoante Georges Egret, nas modalidades de cálculo do imposto - onde se perfilam igualmente o lançamento, a liquidação e o pagamento do imposto -, a fim apurar o montante da prestação tributária final a entregar ao Estado.

K. Contrariamente à definição dos sujeitos passivos - incidência subjectiva - e aos factos tributários que se traduzem, a final, na obrigação da prestação tributária - incidência real -, o direito à dedução do IVA, ainda que assuma um papel nuclear no funcionamento daquele imposto, não serve para definir o "quem" sobre que incide o imposto, o "que" sobre que incide o imposto, nem o "quanto" - a base tributável - sobre que incide o imposto.

L. Também não se confunde com o elenco de isenções presente no artigo 9.° do CIVA, porquanto estas se podem caracterizar como pertencendo à classe dos benefícios fiscais, verdadeiras excepções à lógica do IVA, que, fosse por motivos de ordem social, fosse por motivos de simplificação de ordem técnica, o legislador comunitário - e, depois, o nacional - entenderam por bem deverem gozar dessa prerrogativa, facilitando a dinâmica do IVA.

M. O Acórdão do TCA Sul, processo n.° 06525/13, de 14-04-2015 (http://www.dgsi.pt/itca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/e932 bf9df22f041780257e30003139cb?OpenPocumentl refere no seu sumário que:

«5. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos art°s.l9 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.

6. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.»

N. Em clara oposição ao entendimento acolhido no...

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