Acórdão nº 876/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 876/2022

Processo n.º 415/22

2.ª Secção

Relator: Conselheira Assunção Raimundo

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (LTC) do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) de 19 de novembro de 2021, pedindo a fiscalização da norma resultante do cotejo dos artigos 11.º n.º 1 e 25.º, n.º 4, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], na redação conferida pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, arguindo como fundamento violação do disposto no artigo 219.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

2. Nos autos principais, em que é demandado o Estado português, o Ministério Público reclamou a nulidade do processado porque omitida a sua citação, suscitando como fundamento a declaração de inconstitucionalidade e desaplicação das normas cuja fiscalização ora se requer.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto negou o juízo de inconstitucionalidade e indeferiu a reclamação, e, inconformado, o recorrente interpôs recurso para o TCA Norte. Nessa instância, o recurso foi julgado não-provido, confirmando-se o julgado.

O Ministério Público interpôs recurso de revista excecional ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, que não foi admitido pelo Supremo Tribunal Administrativo.

3. Foi então interposto pelo Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do TCA Norte de 19 de novembro de 2021 nos seguintes termos:

A Magistrada do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, notificada em 03/03/2022 do douto acórdão proferido nos autos supra identificados em 24/02/2022, que não admitiu a revista interposta pelo Ministério Público do acórdão proferido pelo TCA Norte em 19/11/2021, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, do referido acórdão do TC A Norte, agora transitado, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 70º nº 1 al. b) e nº 2, 72º nº 1, 75º e 75º-A da Lei nº 28/82, de 15/11.

Nos termos do disposto no artº 76º nº 1 da Lei nº 28/82, de 15/11, "compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respetivo recurso".

A decisão recorrida é o acórdão que foi proferido em 19/11/2021 pelo TC A Norte .

Contudo, atento o prazo legal de recurso, não se mostra possível aguardar a baixa dos autos ao TC A Norte para ser então efectuado o requerimento de recurso - sendo certo que o Ministério Público junto do TCAN não pode também aceder ao SITAF para efectuar qualquer requerimento enquanto o processo se encontrar no STA.

Assim, visando assegurar o cumprimento do prazo legal de recurso, junta-se em anexo o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, dirigido ao Exm9 Senhor Juiz Desembargador Relator no TCA Norte, o qual é o competente para apreciar a respectiva admissão, nos termos do disposto no artº 769 nº 1 da Lei nº 28/82, de 15/11.[...]

O Ministério Público, agindo em nome próprio, como defensor da legalidade democrática (artigo 219º, nº 1 da CRP e artigos 2º e 4º, nº 1, al. a) e j) do EMP) e como representante judiciário do Estado Português (artigo 219º, nº 1 da CRP e artigos 2º e 4º, nº 1, al. b) do EMP), não se conformando com o douto acórdão proferido nos autos supra identificados em 19/11/2021, pelo Tribunal Central Administrativo Norte, do qual não foi admitida revista excepcional nos termos do artº 1509 do CPTA, por acórdão proferido pelo STA em 24/02/2022, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional do referido acórdão do TCA Norte, com os seguintes fundamentos :

- 1 - Por requerimento apresentado nos autos em 06/04/2021, o Ministério Público, agindo em nome próprio no âmbito da defesa da legalidade democrática e como representante judiciário do Estado, requereu ao Mmº Juiz do TAF de Coimbra :

"1) Que seja efetuada a pugnada interpretação restritiva do art. 25º, nº 4, do CPTA, conforme com a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art. 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, não se aplicando, assim, à citação do Réu Estado

Português; que deve ser citado através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da Constituição e da lei;

2) Caso assim se não entenda, a recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do nº 1 do art 11.º e do nºg 4 do art . 25º, do CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do n.º 1 do art. 219.º da Constituição e do n.º 2 desta mesma disposição;

3) Em qualquer dos casos, a declaração de nulidade por falta de citação do Ministério Público, que deve intervir no processo como parte principal, em representação do Réu Estado Português (arts. 187º, alínea b), e 188º, nº 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis, e arts. 219º, nº 1, da Constituição, 51º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 4º, nº 1, alínea b), e 9º, nº 1, alínea a), do atual EMP), anulando-se o processado posterior à petição e determinando-se a citação do Réu Estado Português através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei."

- 2 - Tal requerimento foi apreciado pelo TAF de Coimbra por despacho proferido em 30/06/2021, o qual, após citar a fundamentação da decisão proferida no Proc. nº 00714/19.1BECBR, concluiu e decidiu nos seguintes termos:

"Deste modo, atento tudo quanto se deixou exposto, decide-se:

a) indeferir o pedido de que seja efetuada uma interpretação restritiva do art.º 25.º, n.º 4, do CPTA, conforme com a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art.º 219.º, n.º 1, da CRP, não se aplicando, assim, à citação do Réu Estado Português, que deve ser citado através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da Constituição e da lei;

b) indeferir o pedido de recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do n.º 1 do art.º 11.º e do n.º 4 do art.º 25.º do CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do n.º 1 do art.º 219.º da CRP e do n.º 2 desta mesma disposição;

c) indeferir o pedido de declaração de nulidade por falta de citação do Ministério Público, que deve intervir no processo como parte principal, em representação do Réu Estado Português [art.os 187.º, alínea b), e 188.º, n.º 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis, e art.os 219.º, n.º 1, da CRP, 51.º do ETAFe 4.º, n.º 1, alínea b), e 9.º, n.º 1, alínea a), do atuaI EMP], anulando-se o processado posterior à petição e determinando-se a citação do Réu Estado Português através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da CRP e da lei."

- 3 - De ta! despacho foi interposto recurso de apelação pelo Ministério Público, em 04/07/2021, para o TC A Norte, em síntese, com as seguintes conclusões finais:

28º A norma ínsita na parte final do novo n.º 4 do art. 25.º CPTA confere à JurisApp competência para coordenar os próprios "termos" da intervenção do Ministério Público quanto a aspetos relativos à técnica do processo.

Desse modo, sai gravemente ofendido o princípio da autonomia (externa) do Ministério Público, consignado no n.º 2 do art. 219.º da Constituição, degradando-se esta magistratura à condição de mera serventuário subordinada da vontade da Administração.

29º Nem se diga como vem registado no despacho recorrido, referindo-se ao Ministério Público que "não se vislumbra em que medida tenham sido "esvaziadas" as suas funções de representante do Estado previstas no art. 219º da CRP. Como aliás. Sucede no caso dos autos, em que o Ministério Público veio contestar, como representante em juízo do Estado."

30º Pois que nos termos das alterações acima mencionadas, a JurisApp podia ter encaminhado a ação a entidade diversa do Ministério Público na defesa e representação do Estado, o que não aconteceu no caso, mas existe essa possibilidade concreta, e já aconteceu noutros casos, o que vai claramente contra a Lei Fundamental, sendo de salientar, espante-se, que a própria JurisApp na ação nº 466/19.2BEVIS que corre termos no TAF de Viseu, elaborou e apresentou em juízo a contestação do Estado Português "em sua representação em juízo".

31º Tal ocorrência dá para considerar que, com tais alterações tudo poderá acontecer, até que uma entidade sem poderes de representação do Estado Português em juízo o possa vir afazer, ao arrepio das leis ordinárias mencionadas e da nossa Lei Fundamental.

32º Assim se vê que a questão não se pode resumir, - conforme vem exarado no despacho -, de ser tão só uma mera "opção da organização/escolha do tipo de representação do Estado (seja Ministério Público, seja mandatário judicial Próprio), e que vá contra ao nº 2 art. 219 da CRP.... (sic)... e ao princípio da autonomia do Ministério Público".

33º Em suma: as normas constantes do segmento final do n.º 1 do art. 11.º e do n.º 4 do art. 25.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei n.º 118/2019, são materialmente inconstitucionais, por violação do disposto no art. 219.º da Constituição, n.º 1, primeira proposição ("Ao Ministério Público compete representar o Estado") e n.º 2 ("O Ministério Público goza de (...) autonomia..."), razão pela qual a posição contrária a ta Iconclusão exarada no despacho deva ser afastada e, consequentemente declaradas inconstitucionais tais dispositivos legais.

34º Para finalizar temos a questão sobre a interpretação...

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